Bate-sons: notas acerca de um legado e um metálogo sobre o limite do pensamento
Nelson Job
Artigo originalmente publicado na revista Sociologia & antropologia v.14 n.3, que pode ser acessado aqui: https://sociologiaeantropologia.com.br/wp-content/uploads/2024/12/SANT-2024-0026.pdf
Não é sequer possível imaginar uma utopia, terrestre ou não, que possa resistir sob críticas brandas. Mas é preciso levar em conta o fato chocante que vivemos em mundo que roda.
Após ponderar essa verdade, nada deveria ser surpresa.
Thomas Ligotti
O mundo é um lugar estranho, pensou Haupt,sozinho no escuro, quase insuportavelmente estranho. Mas é o único lugar que possuo, embora sequer possa ter certeza disto.
Brian Evenson
Este ensaio não é propriamente sobre a obra do antropólogo inglês Gregory Bateson, mas sim acerca do desdobramento, para além do Bem e do Mal, de alguns de seus conceitos no contemporâneo, a saber: o uso da cibernética nas humanidades, a cismogênese e o sagrado. Tais conceitos se desdobrarão sobretudo no conceito de guerra híbrida, tática de guerra sem uso de armas, mas com utilização de manipulação da informação e outras estratégias, como o lawfare, que é a guerra por meio jurídico. Bateson não criou o conceito de guerra híbrida, mas foi um de seus inspiradores, como veremos.
1 – Cibernética
A cibernética surge em meados do século XX associada a Norbert Wiener e outros, e pode ser definida como “o estudo de sistemas abertos à energia, mas fechados à informação e ao controle – sistemas que são ‘impermeáveis à informação’” (Ashby, 1970:04), sendo que “o conceito mais fundamental da cibernética é o de ‘diferença’, ou que duas coisas são reconhecivelmente diferentes, ou que uma coisa mudou com o tempo” (Ashby, 1970:11). Hoje em dia a cibernética desdobrou-se em Teoria da Informação (TI) e alcançou uma penetração avassaladora no cotidiano.
Bateson é conhecido por trazer a aplicação da cibernética para as ciências humanas, tais como, a antropologia, psicologia e outros campos. É conhecida a sua definição de informação: “informação é a diferença que faz diferença” (Bateson, 2000: 459), além do conceito de double bind ou “duplo vínculo”, associado à esquizofrenia, que envolve uma sequência de comportamentos contraditórios que contribui para a constituição do esquizofrênico, levando a novas possibilidades clínicas para desmontar tal constituição psíquica.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Bateson trabalhou para o Escritório de Serviços Estratégicos (Office of Strategic Services, em inglês), a primeira agência de inteligência do governo norte-americano, , onde ele chegou a elaborar informações falsas para confundir o exército japonês (Price, 1998). Não há consenso sobre o grau de participação de Bateson no desdobramento do Gabinete na CIA , no entanto, seu relatório defendendo a importância de se manter um serviço de inteligência mesmo com o fim da Guerra foi essencial nessa decisão. Pesa também o fato de Bateson realizar pesquisas afins do projeto MK-Ultra como o uso de ácido lisérgico (LSD), a prática de hipnose, além de sua contribuição para a Programação Neuro Linguística (Atwill, 2015). Outra relação curiosa é que Bateson depois do fim da Guerra trabalhava no Hospital de Administração de Veteranos de Palo Alto, o mesmo local onde a CIA realizava os experimentos do MK-Ultra, projeto que visava de forma mais explícita estudar os efeitos da “despadronização” em indivíduos e grupos, e que tinha como uma de suas cobaias mais conhecidas o jovem Ted Kaczynski, que viria a se tornar o Unabomber (Ehret, 2024).
A influência das abordagens de Bateson são enormes, uma delas é na proposta do clínico francês Félix Guattari, que em seu artigo “Máquina e estrutura” (Guattari, 2004), inaugura uma fase supostamente “pós-estruturalista” em sua obra, que perdurará até o fim, incluindo sua obra conjunta com o filósofo Gilles Deleuze.
Guattari era um clínico lacaniano, o que significa que se utilizava de uma psicanálise inspirada no estruturalismo de Lévi-Strauss. Seus questionamentos em relação à cliníca de Jacques Lacan o levaram a uma parceria extremamente prolífica com o filósofo Gilles Deleuze. Seu primeiro projeto juntos foi um livro de grande sucesso chamado O anti-Édipo (Deleuze e Guattari, 2010), primeiro tomo de uma obra maior intitulada Capitalismo e esquizofrenia, em que ambos criaram a esquizoanálise, uma proposta clínica crítica à psicanálise, construída em uma ontologia spinozista imanente, ou seja, em que vários dualismos são colocados em questão: Natureza e cultura, sujeito e objeto, conteúdo e expressão etc. Segundo os autores “a tese da esquizoanálise é simples: o desejo é máquina, síntese de máquinas, agenciamento maquínico – máquinas desejantes” (Deleuze e Guattari, 2010: 390).
Em O anti-Édipo, Deleuze e Guattari elogiam o agenciamento de Bateson com indígenas, esquizofrênicos e golfinhos, mas criticam o uso desses agenciamentos pela máquina de guerra. Eles também citam a teoria do duplo vínculo de Bateson, não como esquizofrenia, mas como processo edípico.
No tomo seguinte de Capitalismo e esquizofrenia, o próprio título, Mil platôs (Deleuze e Guattari, 1995), é inspirado em uma passagem de Naven de Bateson, onde ele coloca que jogos sexuais e querelas dos balinenses são platôs de intensidades contínuas.
Para discutir brevemente acerca da questão da cibernética para além de Bateson, tomemos Heidegger, que em seu profético artigo do final dos anos 60, “O fim da filosofia e a tarefa do pensamento”, já anunciava: “as modernas ciências que estão se instalando serão, em breve, determinadas e dirigidas pela nova ciência básica que se chama cibernética” (Heidegger, 2009: 68). De fato, a cibernética foi se inoculando em vários aspectos do cotidiano. Hoje ela está presente, em seu atualização como TI, nos ubíquos algoritmos que norteiam as redes sociais e o modo como as postagens aparecem para seus usuários, com fins de propaganda e uso – muitas vezes não autorizado – de dados, no sistema financeiro, na pesquisa científica (grande parte do trabalho dos cientistas é checar a “análise de dados” em uma rede internacional de computadores, de modo que pouco se questiona como a Natureza é “representada” nos tais dados), com desdobramentos para a medicina, educação, entretenimento (como a bilionária indústria de vídeo games), na produção e disseminação dos smartphones (que são eficazes na transmissão de dados de seus usuários para empresas), no uso de Inteligências Artificiais, como o ChatGPT e afins, que são utilizadas para realizar tarefas onde muitas vezes plagiam trabalhos feitos por humanos, além de uma infinidade de outras utilizações. Recentemente, a Microsoft incluiu em sua nova versão do Windows o programa Copilot, que disponibiliza a IA para “dar suporte à criatividade”.
Em seu citado artigo, Heidegger considera a ciência oriunda da metafísica, e esta, insuficiente para produzir presença e apreensão. Não cabe neste ensaio uma digressão acerca do estágio final da filosofia heideggeriana, apenas a utilizaremos como trampolim para colocar a questão de que no desdobramento da filosofia grega, como em Platão e Aristóteles, há um crescente distanciamento entre pensar e vida e mesmo as filosofias mais rebeldes ainda estão, em última instância, presas nesse empreendimento, como em Deleuze e Guattari, cuja obra se alimenta da cibernética e outros ramos da ciência. Os autores franceses colocam como empreendimento da filosofia o “pensar o impensável”. Mas como seria não se ater apenas a esse projeto racionalista e ir além, e adquirir intimidade no impensável, habitando-o? Realizar algo além do pensamento não parece ser a tarefa da filosofia, sendo outra proposta, que esboçaremos ao final deste ensaio ao tratarmos da questão da Consciência em Nisargadatta.
O distanciamento entre o pensar e a vida não é propriamente uma invenção grega, mas algo que germina no próprio início do processo civilizatório, criando noções dualistas como transcendência e imanência, desdobrando-se em vários outros dualismos, como sujeito e objeto, conteúdo e expressão, natureza e cultura etc. e é justamente esse dualismo imanente ao processo civilizatório que será o território fértil para a galvanização da cismogênese induzida, como veremos (Job, 2024). Essa produção de dualismos ilusórios vem desde o início do Império Novo egípcio, por volta de 1550 AEC, em que os faraós galvanizavam a ideia de deuses transcendentes, retirando o estatuto divino de seus cidadãos, provavelmente com o objetivo de alocar no imaginário a ideia de que o poder só é possível de ser exercido em um suposto patamar inatingível pelo egípcio comum (Nunes Carrera, 1994). Apreendemos assim que os artífices do que conceituaremos neste artigo como guerra híbrida encontra precursores muito antigos.
No século XVII, um modo de entendimento da linguagem em que separava-se cada vez mais as palavras e as coisas (Clark, 2006) foi se constelando, ressoando com a crescente secularização e com o processo que culmina na Revolução Científica. Galileu, Descartes, Newton, entre outros, tornarão cada vez mais sofisticada a ideia de um espaço imaginário, associado à matemática, cujas expressões ditarão como funciona o mundo, de modo que as pessoas se sintam cada vez mais desconectadas do cosmos, da vida, com uma crescente produção de desamparo, que além de ontológico, é cósmico. É justamente esse processo que culmina na cibernética e no mundo de hoje. Se, desde Wiener, a cibernética está totalmente associada com a ideia de controle, é justamente seu desenvolvimento atual em TI que vai permitir um nível de controle inédito na história. Os autores autônomos da revista francesa Tiqqun denunciam, no início dos 2000, em um texto que muito inspirou este artigo: “A cibernética é a guerra civil movida contra tudo o que vive e que dura” (Tiqqun, 2020: 168).
Mas para compreender isso, temos que voltar a outro conceito de Bateson: a cismogênese.
- – Cismogênese e guerra híbrida
Bateson desenvolveu esse conceito em seu primeiro livro, Naven, a partir de uma etnografia com o povo iatmul, na Nova Guiné. No livro, a cismogênse é definida da seguinte forma: “um processo de diferenciação nas normas de comportamento individual, resultante da interação cumulativa dos indivíduos” (Bateson, 2018: 223). A princípio, o antropólogo distingue duas formas de cismogênese, a complementar, em que grupos mantém comportamentos antagônicos em relação aos outros indivíduos e a simétrica, em que ambos os grupos possuem os mesmos comportamentos, mas se distinguem politicamente. Em Naven, Bateson ainda possuía pouca intimidade com a psiquiatria, mas a cismogênese já o induzia a trilhar esse campo, o que, como sabemos, de fato ocorreu intensamente, de modo que o autor chegou a inspirar profundamente a psicologia sistêmica.
Segundo o antropólogo brasileiro Piero Leirner, cuja etnografia foi realizada com militares brasileiros e é considerado um dos maiores especialistas no conceito de guerra híbrida no Brasil, o conceito de cismogênese é central na efetivação da guerra híbrida (Leirner, 2020).
O conceito de guerra híbrida foi criado em um artigo de 2007 pelo militar norte-americano Frank Hoffman (2007), no entanto, o autor que consagrou o termo foi Andrew Korybko (2018), jornalista do periódico russo Sputnik News. Trata-se de um tipo de conflito que evita o uso de armas, utilizando diplomatas, agentes infiltrados, robôs que manipulam os algoritmos de redes sociais e mídias digitais em geral, com o objetivo de direcionar a opinião pública, dividindo um país, estimulando a emergência de bolhas que se constituem por cismogênese.
Segundo Korybko (2018), alguns exemplos de guerra híbridas recentes são eventos populares como a Primavera Árabe, os movimentos contra o governo de Bashar Al-Assad na Síria e o Euromaidan na Ucrânia, que levou à deposição do presidente eleito e com posicionamento a favor da soberania, Viktor Yanukovytch, e à eleição do então comediante Volodymyr Zelensky, mais afeito às propostas da OTAN e cujo papel mais popular era justamente de presidente da Ucrânia.
Há controvérsia entre os principais autores de guerra híbrida brasileiros a respeito das jornadas de junho de 2013 terem sido galvanizadas por guerra híbrida ou não. Segundo o jornalista Wilson Ferreira, as jornadas trazem claras evidências de uma guerra híbrida (Ferreira, 2017), no entanto, para Piero Leirner, as jornadas foram uma combinação rara de circunstâncias favoráveis – que o consórcio, formado principalmente por militares brasileiros, se utilizou para, a partir do cenário formado, realizar as manobras de guerra híbrida (Leirner, 2020). Nesse ponto, concordamos com Wilson Ferreira. De todo modo, há um consenso que a Operação Lava Jato foi um exemplo de guerra híbrida no Brasil, utilizando as táticas do lawfare.
Uma das táticas da guerra híbrida é a guerra cognitiva, que visa transformar cidadãos comuns em armas de guerra, através da indução de suas opiniões políticas pelos algoritmos de redes sociais (Martins & Ambrosio, 2022). Mimetizando os EUA, criou-se no Brasil o antagonismo “progressistas X conservadores” — com o objetivo de derrubar uma presidente com aspectos mais soberanos e eleger outro mais afim do controle exercido pelo poder, tendo como resultado a produção de “bolsominions” e “lulaminions”, por exemplo, que são defensores árduos e intransigentes de figuras políticas. Criar o antagonismo envolve a tática de dominação de espectro total que visa controlar os dois lados do embate.
Quando discorremos sobre o “poder”, o que estamos querendo dizer? O conceito de guerra híbrida traz consigo a noção de deep state (“estado profundo” ou “estado paralelo”), um conglomerado de empresários, militares de altas patentes e políticos que se reelegem com constância, com capilaridade em vários níveis da sociedade, que exercem o verdadeiro controle que os poderes institucionalizados supostamente deveriam exercer. Quando citamos “empresários”, estamos nos referindo sobretudo aos grandes grupos gestores de fundos de investimento, como BlackRock, Vanguard, State Street, Fidelity etc., que são os maiores acionistas de quase todas as grandes empresas (são também acionistas entre si) e que gerem juntos um capital superior ao PIB das nações mais ricas do mundo, como os EUA e China (Rügemer, 2022).
Muitas vezes esses argumentos acima são considerados por muitos uma espécie de “teoria da conspiração”, termo inventado pela própria CIA para desacreditar os rumores acerca de suas ações obscuras. No entanto, estudos acadêmicos mais aprofundados, como o de Leirner e os que ele cita, e o fato de que as análises que se utilizam do conceito de guerra híbrida são muito superiores em qualidade e mais precisas em suas previsões evidenciam que o conceito não tem nada de conspiratório. Leirner relata que nas eleições presidenciais de 2018 postou nas redes sociais dicas de como responder às táticas de guerra híbrida da campanha de Jair Bolsonaro, como se lê no trecho: “atuar onde eles menos esperam, usar mensagens subliminares, fugir dos lugares que eles estão associando vocês. Mostrem várias imagens do Moro com tucanos de black-tie, com militares, em paraísos fiscais” (Leiner, 2020: 284). Em função dela, o antropólogo foi procurado pela equipe do então candidato Fernando Haddad. Ao explicar com detalhes quais seriam as estratégias mais adequadas para combater a guerra híbrida largamente utilizada pela campanha vencedora de Bolsonaro, a equipe se recusou a seguir às sugestões de Leirner, que ouviu a resposta: “isso eles não vão fazer” (Leirner, 2020: 285). Já na eleição presidencial de 2022, quando a maioria dos intelectuais se assustou com o resultado de empate técnico do primeiro turno, a equipe da campanha de Lula recorreu a André Janones, especialista em “guerrilha digital”, posto que muitos estudiosos de guerra híbrida já sabiam que o resultado seria um empate técnico.
Certos vícios acadêmicos podem arguir como ficaria esse debate à luz de noções como “microfísica do poder” e outros conceitos que mostram que o poder não possui uma “centralidade” ou algo do tipo. Apesar de considerarmos tais conceitos datados à luz do que ocorre hoje em dia, podemos fazer certa concessão ao constatar que o indivíduo comum deseja o controle, seja usando exaustivamente as redes sociais, ou entrando na imensa fila do lançamento do novo iPhone e até recebendo com entusiasmo promoções baseadas na análise — muitas vezes ilegais — de seus dados digitais. Além disso, se a guerra híbrida traz a noção de algumas lideranças coordenando de fato a vida de muitas pessoas, é inegável sua capilaridade e influência, em vários níveis da sociedade, fazendo com que esse controle seja muitas vezes indireto, aplicando-se, sobretudo, no imaginário. No entanto, com o exponencial e contínuo desenvolvimento da TI, muitas dessas ações afetam diretamente o cidadão em suas particularidades, devido à enorme disponibilidade de dados específicos e em tempo real, ainda que não haja um comando do topo afetando-o diretamente. Em outras palavras, as atuais dimensões do controle exigem uma nova conceituação acerca do que é “poder”.
Veremos a seguir como as considerações contidas em Naven trazem vários elementos que inspiram os estrategistas de guerra híbrida. Ao comparar sua etnografia com a política na Europa, Bateson já assume em Naven: “pode ser que, quando processos de cismogênese tiverem sido estudados em outros campos, mais simples, as conclusões desse estudo se mostrem aplicáveis no âmbito da política” (Bateson, 2019: 231). Vamos apontar outros trechos em que tal uso fica muito evidente: “uma cismogênese externa pode induzir a um narcisismo” (Bateson, 2018: 228), o que remete à intransigência dos “mínions”, além de “uma vez que padrões complementares estejam estabelecidos, acredito que a cismogênese subsequente seja responsável por muitas antipatias e mal-entendidos que ocorrem entre grupos de contato” (Bateson, 2019: 231). Ele ainda acrescenta que “é provável que as personalidades dos indivíduos concernidos sofram algum tipo de distorção, com uma hiperespecialização em certa direção: exibicionismo, proteção, asserção, submissão” (Bateson, 2019: 232) que, mais tarde, tem a probabilidade de trazer três efeitos: “(a) hostilidade na qual cada parte culpa a outra, como causa de sua própria distorção; (b) na cismogênese complementar, ao menos, uma crescente inabilidade em compreender as reações emocionais da outra parte; e (c) ciúmes mútuos” (Bateson, 2019: 232), de modo que seja “provável que quanto mais separadas as personalidades evoluam, e quanto mais especializadas elas se tornem, mais difícil seja, para cada uma, perceber o ponto de vista da outra” (Bateson, 2019: 233), e considerando que “a cismogênse toma outra forma, e o relacionamento torna-se cada vez menos estável” (Bateson, 2019: 233). Segundo o autor, quanto mais se ultrapassa os limites do que é considerado culturalmente aprovado, gera-se, em um dos grupos, efeitos desproporcionais “não apenas o fazendo consciente da distorção de sua personalidade, mas também levando a outra parte a respostas hiperdrásticas” (Bateson, 2019: 234).
O leitor, ao metabolizar as passagens anteriores, se lembrará dos últimos anos no Brasil, em que não conseguiu dialogar com parentes, amigos e colegas que tivessem uma posição política diferente da sua, mas é ainda mais importante apreender o quanto o próprio leitor foi afetado por tais manipulações, que também o tornaram intransigente. Afinal, faz parte do processo de cismogênese culpar sempre “o outro”, seja lá que outro for, devido a sua estratégia de dominação do espectro total. A partir dessa apreensão fica mais claro o que os algoritmos são programados para fazer: estimular tais comportamentos de ódio e aversão ao outro, direcionando-os sobretudo para figuras públicas da política e seus eleitores. Está dada a receita da intensificação artificial da cismogênese.
Ao trazer a cismogênese enquanto algo otimizado pela via da guerra híbrida como algo previamente induzido, não estamos afirmando que exemplos como o Euromaidan e a eleição de Bolsonaro tenham sidos totalmente criados artificialmente: as cismogêneses que compõem tais exemplos foram galvanizadas ao extremo pelos mecanismos aqui descritos, mas partindo de uma cisma pré-existente. Sempre houve diferenças entre opiniões políticas e é fato que algumas vezes tais divergências desdobraram-se em conflitos mais intensos, mas nunca com tanta violência, intensidade e capacidade de propagação como nos últimos anos.
Naven foi publicado originalmente em 1936, ou seja, já temos ao menos quase um século de estudos que possibilitam a produção de cismogênese nos países. O próprio Bateson, em um epílogo acrescentado a Naven em 1958, já diz que os estudos de cismogênese de seu livro serão muito aprimorados com o advento da cibernética. Com isso, Bateson forneceria o embrião para o desenvolvimento posterior da guerra híbrida.
Como sabemos, uma evolução da cibernética foi a criação, pelos militares norte-americanos nos anos 60, da internet, o protótipo do que viria a se tornar algumas décadas depois, na World Wide Web. A internet é elemento primordial nas guerras híbrida e cognitiva, o que leva países soberanos como China e Rússia a controlarem e fecharem à influência externa a sua internet. Não queremos dizer com isso que países orientais não façam guerra híbrida, pelo contrário: como toda cismogênese, quem a implanta sempre diz que é uma resposta à guerra híbrida feita pelo outro.
Se Bateson traz poucas possibilidades de solução para a cismogênese em Naven, se limitando a dizer que a continuidade do processo poderia acarretar mudanças progressivas inversas, culminando em um processo de amor recíproco, em Steps ele vai além, articulando as cismogênses, a complementar e a simétrica, estabelecendo possibilidades de controle desse processo, como a interferência do governo na concorrência econômica, entre outras interações que podem promover integração social, como fadiga, restrição no fornecimento de energia e até mesmo erros de comunicação.
Mas se essas possibilidades elencadas por Bateson são difíceis de ser colocadas em prática, o que podemos fazer em relação às guerras híbridas e seus desdobramentos nefastos? Nesse momento nos remetemos ao terceiro conceito de Bateson que nos interessa neste artigo: o sagrado.
3 – Sagrado e Consciência
Ao final de sua obra, Bateson se dedicou ao tema do sagrado, colocando a epistemologia como padrão que liga não muitos, mas um, e estabelece a estrutura e os algoritmos da computação como algo similar às Verdades Eternas de Santo Agostinho, como uma versão abstrata da verdade, culminando em uma organização ecológica e mental do que chamamos Deus, resultando em sua “epistemologia do sagrado”. (Bateson & Bateson, 2005). Ao olharmos a contemporaneidade, de fato, o algoritmo é o nosso atual deus, apesar de não ser algo que consideremos ético.
Tim Ingold, antropólogo inglês contemporâneo, em seu livro no qual ele realiza a inclinação mais criativa em sua obra, The Perception of Enviroment, tem como subtítulo de seu primeiro capítulo “Steps to an Ecology of Life” (Ingold, 2000). Assim, os tais “passos para uma ecologia da mente” se transmutam em “passos para uma ecologia da vida”. Ainda que a vida seja questão central em toda a obra posterior de Ingold, dificilmente ele arrisca uma definição, chegando talvez mais próximo disso quando afirma ser a vida algo que nunca está completo, mas sempre se supera (Ingold, 2022).
Se Bateson em seu extremo, conclama a uma epistemologia sagrada, Ingold, por sua vez, vai dizer que epistemologia e ontologia são inseparáveis. Se, de um lado, Bateson, insiste na epistemologia como padrão que liga, de outro, Ingold traz uma dimensão mais próxima do contínuo, afirmando que não é a mente, como diria Bateson, que percebe as coisas, mas todo o organismo.
Mas se nem Ingold apreende satisfatoriamente a vida, em que ponto chegamos? Nem mesmo as noções de auto-organização ajudam Ingold a ir além. Nietzsche, em um de seus fragmentos, escreve: “O conceito vitorioso de ‘força’, com o qual nossos físicos criaram Deus e o mundo, necessita ainda ser completado: há de ser-lhe atribuído um mundo interno que designo como ‘vontade de poder’, isto é, como insaciável ansiar por mostrar poder; ou emprego, exercício de poder, pulsão criadora etc.” (Nietzsche, 2008: 319). Dito isso, cabe a pergunta: a auto-organização auto-organiza o quê exatamente? Caso sejam “forças”, Nietzsche diria que ainda é preciso atribuir-lhe interioridade. Mas como chegar em tal interioridade?
Gilles Deleuze, por sua vez, diz em uma entrevista que a fala e a comunicação estão apodrecidas, por natureza, separando, desse modo, criar de comunicar, concluindo que “o importante talvez venha a ser criar vacúolos de não-comunicação, interruptores, para escapar ao controle” (Deleuze, 1992: p. 217).
Se a filosofia ocidental, em seu limite, seja por meio de Nietzsche, Heidegger ou Deleuze, clamando, respectivamente, por interioridade, presença e não-comunicação, não nos oferece mais nada, nos resta recorrer à sabedoria oriental, cujas alternativas serão desenvolvidas a seguir.
A filosofia ocidental e seu desdobramento em ciência costumam tratar o mais ínfimo da existência ou o impensável como caos, de modo que todo exercício do pensamento é um modo de evitá-lo (Deleuze e Guattari, 1992). Considerando a filosofia oriental, chamaremos o impensável, de Consciência, com o “C” maiúsculo, diferenciando-a da consciência individual, com “c” minúsculo, ainda que, dialogando com Bateson e Ingold quando conceituam a respeito da “mente vazada”, essa consciência individual seja sempre vazada, imanente à Consciência. De um modo geral, a Consciência na sabedoria oriental é algo desejado, algo com o qual se deve ter intimidade, a ponto de se desconstruir radicalmente a consciência individual. Como mencionamos, ao longo da obra de Bateson, encontramos, de fato, uma mente para além da individual, no entanto, isso é realizado de modo descritivo e não do ponto de vista da apreensão direta.
Para desenvolver o que estamos chamando de “apreensão direta”, usaremos a obra do mais radical sábio oriental que conhecemos, o indiano Nisargadatta. Ele não participa diretamente de nenhuma tradição, mas é próximo do não-dualismo do Advaita Vedanta. Em suas conversas registradas em livro com pessoas que chegavam até a ele, Nisargadatta dizia, talvez em ressonância com a interioridade clamada por Nietzsche: “A ciência meramente empurra para trás as fronteiras de nossa ignorância” (Maharaj, 2014: 379). Nisargadatta convida sempre a uma desreferencialização profunda, além dos sentidos, da memória, da noção de eu, da noção de mundo até chegar naquilo que ele chama de Consciência (awareness), que é imutável. A partir da afirmação “Eu sou”, há uma espécie de exercício de “descascar a cebola” do eu até se chegar a nada que não seja esse Imutável.
Nesse âmbito, chegamos no limite das palavras e do que este artigo pode descrever. Mas se mesmo a sabedoria hindu coloca um nome e atribui uma característica a esse “inominável”, a saber, que ele nunca muda, mesmo aqui parece que ainda temos uma derradeira armadilha: a atribuição de imutável fornece informação demais. Ainda resta nos desreferencializarmos de todo e qualquer pensável, nomeável, até chegar a um quase nada, que leva a uma referencialização provisória — não para descansarmos do processo (que em algum lugar pode deixar de ser até mesmo um “processo”), mas porque é inegável que isto respira, isto tem fluxos sanguíneos etc. Abdicamos então das palavras, da comunicação, do sentido. Silêncio.
Emergem-se novos modos de viver. Isso, para nós, é a mais eficaz “resistência” às guerras híbrida e cognitiva, uma vez que, possivelmente, tais novos modos de viver não fazem o “jogo” do sistema, evitando tanto de se colocar “contra” ele como multiplicar sua lógica dualista, inaugurada no início do processo civilizatório, ou mesmo anteriormente. Já não se trata de filosofia ou ciência, mas de um exercício de apreender a vida nela mesma, sem recorrer às dobras do pensamento, que forjam um mundo “exterior”, até mesmo quando se pensa a imanência, um pensamento que tende a estar “lá”, desconectando-se da vida em si via linguagem, pensamento, e outros recursos.
Suscitamos uma apreensão em que a citada interioridade das forças, proposta por Nietzsche, já não faz sentido em sua disjunção interior/exterior, que seria mais um dualismo. Sequer estamos preocupados com “forças”, mas com a abertura para novos modos de viver. Se estamos habitando aqui um campo pré-linguístico, ressoamos com os “vacúolos de não-comunicação” sugeridos por Deleuze e na “presença” proposta por Heidegger. Consideramos que já não estamos mais no campo da filosofia (ou antropologia, ciência e quaisquer saberes), nem sequer da experiência, pois almejamos o âmbito além mesmo dos sentidos, pois há, de um lado, um fracasso em nomear e fornecer sentidos, mas, por outro, intensifica-se a abertura para a emergência de novos modos de viver, sempre trazendo a prudência para cultivar nessa “emergência” um termo-trampolim para a vida nela mesma, sabendo que as palavras nunca bastarão.
Terminaremos este artigo, cuja inspiração inicial é a obra de Gregory Bateson, imaginando um de seus “metálogos”, popularizados em Steps, que ele realizava com sua filha quando criança, de modo a introduzir certos temas que considerava importantes, evitando induzir as respostas e se abrindo para a lógica peculiar da criança, de modo que a própria estrutura do diálogo fosse importante para a elucidação do tema. Aqui, colocaremos Bateson metalogando com Nisargadatta, que utilizava uma “técnica” semelhante, mas ao invés de conduzir o interlocutor para os temas batesonianos, o sábio indiano desconstruía as “verdades” de seus interlocutores com muita acuidade e consistência, “rumo” à Consciência. Como colocamos acima, não consideramos “Consciência”, “imutável” etc. como algo do tipo “último nível da existência”. O que mais nos co-move é realizar eticamente o exercício de (meta)desreferencialização e referencialização provisória, sem estabelecer um “lugar”, “conceito” ou “epistemontologia” pré-definida a se “chegar”.
Se para Bateson o processo da consciência individual, pelo processo racionalização, poderia afastar a pessoa do sagrado, baseando-se, por exemplo, em premissas seculares (Bateson e Bateson, 2005), em Nisargaddatta, há uma concordância, no aspecto da consciência individual, no entanto, a Consciência seria o próprio sagrado.
Nossa proposta com o metálogo ao final deste ensaio é mostrar o processo de uma mente racional ocidental que, por mais sofisticada que sejam suas elaborações e problematizações, tem dificuldade em habitar instâncias pré-linguísticas, como a Consciência. O exercício de desreferencialização radical é algo pouco visto no Ocidente, exceto pelos autores ligados à Teologia Negativa e similares (Sells, 1994). É certo que Bateson se apropria de termos gnósticos (Bateson 1972 e 1986), mas eles ainda são usados de forma descritiva e não a partir da Consciência. Nesse sentido, em nosso diálogo ficcional, Nisargadatta conduziria Bateson para a apreensão direta da Consciência, fazendo-o contemplar o silêncio que ela implica.
Metálogo: Qual o limite do pensamento?
Bateson: A estrutura é a versão abstrata da verdade.
Nisargadatta: O que é a verdade para você?
B: Não sei, não posso chegar a ela.
N: Em quê você chega?
B: Na estrutura.
N: Onde está a estrutura?
B: Em meu pensamento, em minha mente.
N: O que é a sua mente?
B: Um processo de auto-organização.
N: O que é auto-organização?
B: Relações que se autodeterminam, sem um comando de fora.
N: Essas relações se dão em quê?
B: Em algo.
N: O que é esse “algo”?
B: Não sei.
N: Investigue, de onde vem a ideia desse algo?
B: Da minha mente.
N: E anterior à sua mente, o que há?
B: A mente coletiva.
N: E anterior a ela?
B: Nada.
N: E anterior ao nada?
B: Nada é nada.
N: “Nada” é uma ideia em sua mente. Investigue: o que é anterior ao nada?
B: Eu tenho meu corpo.
N: Quem disse que o corpo é seu? Tanto a ideia de que você tem um corpo e de que não tem um corpo estão na sua mente.
B: Então não há nada.
N: O que está além do nada, que é uma ideia em sua mente?
B: Eu… tenho medo.
N: Investigue o medo, de onde vem?
B: De… de mim.
N: Que é esse “mim”?
B: Eu não sei…
N: Investigue!
B: Não há nada em que eu possa me referenciar, apenas saem palavras da minha boca, pensamentos da minha mente, mas isso é um fluxo que emerge do nada e vai para o nada.
N: E como se apreende isso?
B: Com desespero!
N: Então investigue mais esse desespero!
B: Ele não tem fundamento, porque nada morre, nada acaba!
N: Então por que o desespero?
B: Por hábito! Por hábito de eu ser eu!
N: Investigue esse hábito!
B: Eu…
N: Como está, aqui e agora?
B: …
N: Pode ir embora agora.
B:
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