Onze transformações da “lógica matemática” no sistema filosófico de Alain Badiou
ARTIGO /
Norman Madarasz* //
A filosofia de Alain Badiou é conhecida por ter proposto uma reconfiguração da ontologia, em função da tese segundo a qual a ontologia é a matemática. Trata-se de uma tese sobre o fundamento da ontologia. Desta forma, o fundamento da ontologia filosófica é a teoria dos conjuntos, que, enquanto fundamentação da matemática, articula uma extensão axiomática e simbólica dos operadores da ontologia clássica. Por mais que Badiou busque uma demonstração tanto formalista quanto histórica, ele enfatiza sua necessidade no que diz respeito à teoria da verdade genérica, defendida aqui como forma do radicalmente novo, isto é, do múltiplo irredutível ao Um/Uno. Desde a publicação da conjectura de Badiou, em 1988, a defesa contra objeções necessitou que se organizasse, no âmbito do seu sistema filosófico, a relação entre matemática e lógica. Neste artigo, pretende-se percorrer 11 transformações da “lógica matemática”, que se redefine conforme uma nova ontologia pós-heideggeriana. Defende-se a coerência do argumento de Badiou sobre essa relação, apesar de seus resultados não ortodoxos referentes à tradição da lógica matemática.
Palavras-chave: ontologia; matemática; lógica; fenomenologia; sistema; axiomas.
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O crescimento da aplicabilidade técnica da lógica contribuiu em grande parte para criar o mundo pós-industrial em que vivemos. A matematização dos antigos saberes permite que nossos conhecimentos ultrapassem o que nossos sentidos conseguem captar até o infinito, dos dois lados do espectro das proporções e dos múltiplos anais pelos quais o contínuo é estruturado. No entanto, a relação entre matemática e lógica não é estável ou particularmente harmoniosa. Augustus DeMorgan usou a imagem inesquecível da matemática e da lógica, ocupando, respectivamente, os dois olhos do rosto das ciências exatas, numa relação em que nenhuma deixava de furar o olho da outra (Grattan-Guinness, 2000:3). A relação entre matemática e lógica significa tanto potência quanto força redutiva no que diz respeito à condição humana. Nem mesmo na imagem que criamos do cosmos conseguimos escapar da dúvida de saber se a quantificação realizada pela lógica capta do melhor modo suas verdades profundas, ou se a matemática inventa, ou se apenas descobre sua prodigalidade infinita. A pergunta sobre essa relação está longe de ser um mero assunto técnico.
Decerto, a configuração elaborada da relação entre lógica e matemática está no ponto de surgimento das grandes escolas de filosofia de nosso tempo. Poderia ter dito “modelo”, mas teria dado uma antecedência à lógica na elaboração de uma configuração que possa encaixar tanto a matemática quanto a lógica. Os passos são minados também por serem a lógica e a matemática tão atuantes sobre o que consideramos nossos estados conscientes. O modo pelo qual se configura essa relação motiva as filosofias não só de Wittgenstein, Husserl e Quine, mas também de Heidegger e Deleuze. O logicismo estabeleceu os primeiros passos da filosofia analítica; o intuicionismo aprimorou a pesquisa husserliana e fenomenológica; a geometria não euclidiana projetou o pensamento deleuziano numa obstinação com diagramas; e a neurofilosofia parece derivar de um realismo próprio à área de autômato celular.
A configuração da relação entre matemática e lógica é tanto central à possibilidade da filosofia quanto a sua expulsão da planície principal das indagações formalistas, como se poderia argumentar que era o projeto de Heidegger, mesmo ao perceber seu uso espontâneo, nem sempre dialético (ou seja, hegeliano), da categoria de negação. Mesmo o que aqueles filósofos alérgicos a essa questão supõem sobre a relação entre matemática e lógica acaba tendo um efeito na maneira em que o pensamento se organiza, ainda que o efeito seja latente.
A confrontação entre lógica e matemática se tornou novamente o foco de uma análise inusitada na filosofia – desta vez, no sistema de Alain Badiou. Sua leitura mostra que a maneira em que situamos essa relação determina nossa concepção maior da filosofia, da ciência teórica e das ciências empíricas tout court. Por mais que possa existir uma relação “natural” entre lógica e matemática, isto é, entre seus “objetos” e modos de invenção e descobrimento, ela está comumente submetida às lutas políticas e institucionais para organizar como entendê-la e como tirar proveito dela.
No centro do debate se encontra nosso entendimento da ontologia, a ciência do ser enquanto ser. Para restabelecer a coerência dessa ciência antiga, Badiou argumenta que devemos entender a matemática como ciência do ser enquanto ser, e afirma que a matemática não se submete aos ditados da linguagem dos seres humanos. A matemática não é uma linguagem, mesmo que a lógica estruture os possíveis modos em que a linguagem organiza mundos. Examinaremos 11 transformações fundamentais na articulação desta tese, cujo correlato é que a lógica se torna a ciência da existência de mundos, isto é, a ciência do aparecer. Na perspectiva de Badiou, contudo, os designadores “lógica matemática” e “epistemologia” perdem a rigidez. Surge, então, a indagação sobre se é legítimo, isto é, por uma perspectiva filosófica, usar e aplicar essas noções fora do seu campo inicial, fora da “própria” matemática e da “própria” lógica. Não obstante a dúvida, só poderá ser filosófica a indagação sobre a relação entre ontologia e lógica.
TRANSFORMAÇÃO 1
ELEMENTO DE CONJUNTO
Ao contrário das teses dominantes na lógica matemática, o elemento não é uma unidade monádica, mas sim transversal. Em outras palavras, por mais que um elemento não seja um conjunto, não deixa de ser um múltiplo. Um subconjunto é um conjunto de outros conjuntos ou do conjunto vazio. Porém, tal como a instância do vazio, ou seja, o conjunto vazio, um elemento é um múltiplo de um múltiplo, antes de ser contado “por” ou “como” unidade (EE, p. 33). De acordo com Badiou, “não concederemos que semelhante múltiplo seja o Uno, ou até compostos de Unos/Uns. Será portanto, inevitavelmente, múltiplo de nada” (CT, p. 32). Assim, o elemento aceita a terminologia de von Neumann: um elemento é vazio (porém, não o conjunto vazio). O múltiplo se dá de duas formas (respeitando o princípio do terceiro excluído): de forma consistente ou inconsistente (EE, Meditação 1). A noção de inconsistente não supõe uma originalidade do operador da negação, pois o múltiplo está definido como vazio, múltiplo de nada. Badiou defende concretamente que o efeito de criar conjuntos usando os parênteses {} inicia a conta-por-um (EE, p. 30). Quando se reagrupam os múltiplos, passamos ao domínio de uma representação em que o princípio de identidade é necessário pela coerência da teoria. Eis a diferença entre a ontologia, como a-histórica e imanente aos discursos constitutivos da filosofia, e a teoria dos conjuntos, como uma nova produção de verdades no âmbito do discurso científico. A tese de Badiou situa, de forma não dessemelhante à postulação de Newton da Costa e Bueno sobre lógicas não reflexivas, um sistema matemático em que a propriedade de não idêntico a si não leva à contradição fundamental, especificamente no sentido em que as lógicas não reflexivas “levantam questões filosóficas complexas sobre a possibilidade de quantificar objetos sem pressupor sua identidade” (Costa & Bueno, 2012). Não há nada “misterioso” na afirmação de um múltiplo irredutível à unidade, como alegam Nirenberg e Nirenberg (2011), mas apenas uma atribuição: ao elemento, a propriedade de ser uma multiplicidade integralmente, e ao acontecimento, a propriedade de ser não idêntico a si.
Resultado: O múltiplo, não a unidade, apresenta a noção de elemento do universo conjuntístico.
TRANSFORMAÇÃO 2
UNIVERSO
Uma das maiores dúvidas sobre a filosofia de Badiou é entender por que o conceito de Ser deve se fundamentar numa ontologia cujas regras dedutivas seguem uma lógica clássica. Na medida em que o projeto de Badiou é uma análise da mudança radical no domínio do ser, uma lógica clássica parece determinar as circunstâncias da sua ocorrência. Porém, os princípios do universo conjuntístico no sistema, ou na ontologia de Badiou, são relativamente não ortodoxos. O significado de “elemento” é a primeira transformação, mas também é o caráter indiscernível do universo, no que diz respeito a sua abertura ou seu fechamento. Seu fundamento é verificado pela possibilidade de construir um conjunto genérico. Badiou levanta este conceito do método de forcing, de Paul Cohen, num desdobramento literal no contexto da ontologia, a partir da independência da Hipótese do Contínuo no que se refere aos axiomas da teoria dos conjuntos. Um conjunto genérico não tem propriedades distinguíveis que podem ser vistas no tempo presente, isto é, por dentro da situação ontológica. Porém, pelo forçamento, o genérico aceita propriedades nominais que são, no máximo, subconjuntos ou partes, cuja possibilidade depende das condições em que, e pelas quais, a ontológica se infere. A lógica é dedutiva, sim, embora integre operações à margem dessa lógica, tal como o silogismo hipotético.
Gödel mostrou que a Hipótese do Contínuo era verdadeira até o menor infinito. Pelo método do forcing e pela construção do conjunto genérico comprova-se que a Hipótese do Contínuo não é falsa. Esses teoremas, juntamente com o paradoxo de Cantor (de que a Classe universal é simultaneamente menor e maior do que o conjunto das suas partes), levam a uma conclusão mais abrangente: o absolutamente Outro não é. Badiou eliminará a tese de Cantor, segundo a qual o universo seria fechado por um absoluto.
Resultado: O universo dos conjuntos é clássico, mas indecidível quanto ao seu tamanho e limite.
TRANSFORMAÇÃO 3
ONTOLOGIA
Os campos de intervenção filosófica não são estáveis. Por isso, é legítimo arriscar a caracterização desses campos como intrincados e extensos a uma teoria do sujeito. É trivial que a teoria cartesiana do sujeito determina as condições de articulação de sua metafísica, tal como as determinam em Wittgenstein. Toda ontologia (inclusive a metafísica) reconhece uma barra separatória entre esferas do ser, mesmo que nem todas reconheçam uma diferença radical de natureza e forma entre essas esferas. O termo “ontologia” designa a ciência do ser enquanto ser, um domínio plano, sem forma nem temporalidade. É um domínio da inscrição e da consistência. “A universalidade real é matemática, e é a lógica que é o seu servente, ao passo que toda localização, portanto toda eficácia lógica efetiva, supõe a doação prévia, ou inteligível, ‘daquilo’ que é localizado (uma multiplicidade). De forma que é a matemática que pensa a generalidade do ‘há’, e a lógica que pensa os registros possíveis do particular, a saber, a localização do múltiplo” (CM, p. 32). Ademais, a tese de Badiou sobre ontologia não é uma tese histórica. Em vez disso, defende uma continuidade entre as categorias da ontologia antiga para com os axiomas da teoria dos conjuntos. Badiou salienta que se trata não de um discurso científico, mas de um domínio estruturante e independente do discurso enquanto tal. Pela integração imanente do seu referencial, o domínio do ser é independente da história.
Resultado: A tese ontológica de Badiou organiza um universo mais abrangente que o da filosofia analítica, porque inclui os descobrimentos fundamentais de Heidegger sobre ontologia fundamental a ponto de secularizá-los.
TRANSFORMAÇÃO 4
LINGUAGEM
A ontologia de Badiou é platonista (MP2, p. 35), o que implica que a matemática não seja concebida como linguagem. A matemática não depende para existir, ou seja, para ser, da existência das mentes humanas. Ela é atribuída com uma existência real de um logos autônomo de qualquer lógica de invenção. A consequência de rejeitar a virada linguística deveria influir sobre o formalismo, ou reorientar o formalismo para uma ontologia. Dessa forma, o formalismo deve atribuir à relação entre a mente humana e a matemática uma “intuição”, afirmada matematicamente por Gödel, tal como por Cantor (CT, p. 98). Conquanto não seja uma tese radical em princípio, ao defender que a matemática não é uma linguagem, supõe uma dimensão especulativa da qual muitos matemáticos preferem se afastar. Se o simbolismo e a grafia da matemática, seja na teoria dos conjuntos ou na topologia, se reduzem a uma linguagem ou não, afirmar a beleza à qual a matemática tem acesso é como defender uma tese platônica sobre a essência do universo. A beleza é a que a matemática, tal como a física, inscreve literalmente, e essa beleza é algo que a intuição especificamente matemática atualizaria da mesma forma, pela univocidade do real, pois a verdade é sempre a mesma para todos. Em outras palavras, a verdade não decorre de uma negociação, ou de um contexto argumentativo. Pela estrutura da regra de inferência dedutiva (EE, Meditação 24), a universalidade da verdade de uma conclusão é independente daquilo que realizar a inferência. Por isso, Badiou enfatizará que “a relação entre a matemática e a lógica não é mais aquela do particular ao universal, mas da univocidade do real (singularidade de uma universalidade, ou de uma verdade) e da equivocidade do possível (abstração das formas de ser-aí)” (CM, p. 33). A verdade não é única nem absoluta, apenas a mesma para todos no âmbito singular da dedução. A pluralidade é da ordem contextual dos mundos de ser-aí, não da verdade, pois até o conceito de conjunto genérico está desprovido de linguagem, mas não de verdade.
A conjectura de Badiou diverge de maneira expressiva da concepção ontológica da lógica, encontrada, por exemplo, na tese de Oswaldo Chateaubriand. A posição de Chateaubriand é a de que a lógica tem uma ontologia, isto é, a lógica não tem como referência a gramática, mas formula diretamente as “leis da verdade”. Segundo Chateaubriand, “supondo o tipo de categorização da realidade que Frege usou, e que ainda subjaz à prática lógica padrão, a Lógica trata de objetos, propriedades (conceitos) de objetos, relações entre objetos, propriedades de propriedades de objetos, relações entre propriedades de objetos e objetos etc. Isto é, tem-se uma hierarquia de níveis começando com objetos (nível 0), continuando com propriedades e relações desses objetos (nível 1) e assim por diante indefinidamente” (Chateaubriand, 2006:253).
Portanto, o que Frege conseguiu mostrar é a conexão entre as leis da lógica e as verdades lógicas. Além disso, comprova que a “gramática não é uma fonte de verdade lógica – porque ela não é uma fonte de verdade” (Ibid., p. 254). De maneira semelhante a Badiou, Chateaubriand defende a tese segundo a qual a lógica não está determinada pela linguagem. Afasta-se, desse modo, de um logicismo, em que a matemática é reduzida à lógica. Igualmente crítica da redução feita por Quine da lógica à linguagem, ou à gramática, Chateaubriand defende, a partir de Frege, que “Lógica é Filosofia estudada e desenvolvida matematicamente” (Ibid., p. 257). Mesmo assim, Chateaubriand incluiu no âmbito da Lógica apenas a ciência e a epistemologia, tratadas de modo metafísico, mas sem incluir uma posição de sujeito ou de subjetivação na equação.
Nas suas declarações mais categóricas, Badiou elimina tanto a epistemologia quanto a “lógica matemática” como discurso autônomo. Ele apresenta a epistemologia como sutura da filosofia, com a condição científica de produção de verdades, que, conforme a teoria filosófica sobre as “condições” da filosofia, não são filosóficas. Por outro lado, Badiou está longe de ser o único a excluir a “lógica matemática”: Wittgenstein já a acusava, porém por razões pouco compreensíveis, de deformar o pensamento dos filósofos (Wittgenstein, 2011:48, IV). O que Wittgenstein entende pela lógica matemática corresponde apenas parcialmente ao que Badiou denomina ontologia, na medida em que o referente da ontologia em Badiou é o referente da lógica matemática, a saber, o projeto do fundamento das matemáticas desenvolvido por Russell por meio da teoria dos conjuntos. Embora Wittgenstein considere que a lógica matemática forneça um esquema transcendental a priori da experiência (Mendonça, 1991), Badiou salienta dois aspetos não ortodoxos no que diz respeito à lógica matemática, isto é, que a ontologia trata apenas da produção de verdades na qual a verdade é nova, e que a ontologia não tem uma relação com o aparecer. Outra maneira de afirmar que a ontologia não integra o transcendental do aparecer, ou que o transcendental é irredutível à ontologia.
A noção de existência será submetida a dois regimes irredutíveis, que não são fundamentalmente contrários aos níveis fregeanos, mesmo que sejam, em princípio, limitados a dois, salvo a própria existência do acontecimento. Isto é, uma existência em subtração e uma aporia em relação a como situá-la. O acontecimento não é pensável dentro da ontologia. Na teoria dos conjuntos (ou seja, na ontologia), o Axioma do Fundamento comprova a existência de apenas um conjunto, em que uma parte representa uma singularidade composta da propriedade C, em que C não pode ser ao mesmo tempo um elemento e uma parte de um conjunto maior A. Uma leitura deste axioma permite inferir que, se C for um subconjunto de A, não pode ter um elemento de B elemento de A.
Em outras palavras, o Axioma do Fundamento define um elemento não idêntico a si. O não idêntico a si é nada mais que a definição do acontecimento em Badiou. Portanto, o acontecimento não é da ordem da matemática (da ontologia); a filosofia não se reduz à ontologia; e a ontologia não se reduz à lógica, pois os objetos da matemática têm um cardinalidade superior aos da lógica – mesmo ao admitir que a lógica tem objetos em comum com a matemática.
Dessa perspectiva, a tese segundo a qual a lógica teria uma ontologia e que as leis da lógica são as leis da verdade é consequente a estender o teorema de completude de Gödel, de 1929, ao seu resultado sobre a Hipótese do Contínuo, em que a hipótese é verdadeira até o “menor” infinito que é maior que o da série dos números naturais. Ou seja, aplicar o cálculo proposicional de primeira ordem aos conjuntos construtíveis pressupõe a delimitação do contínuo ao menor infinito. O argumento de Gödel é reforçado pela integração do teorema Skolem-Lowenstein, segundo o qual qualquer sistema com um número infinito de modelos tem também um modelo de cardinalidade contável. Mas a tese de Badiou se justifica pelo teorema sobre a independência da Hipótese do Contínuo e a proliferação plausível de conjuntos não construtíveis pelo método do forçamento (EE, p. 36). Deve-se admitir, então, que não existe identidade entre os dois usos de “ontologia”, de Chateaubriand e Badiou, mesmo ao se considerar – como faz Chateaubriand – que a natureza da metalinguagem de Frege não é uma gramática. Toda a diferença se encontra na noção de “lei”: o conjunto genérico, tal como Badiou o considera, não é protocolado pela força legisladora da lógica, mas pela prodigalidade extralegal do ser enquanto ser.
Resultado: A matemática não é gramática nem linguagem, mas também não é subsumida à lógica.
TRANSFORMAÇÃO 5
AXIOMA DA ESCOLHA
Descartados os paradoxos de Cantor e de Russell (pelo Axioma da Separação), o Axioma do Fundamento indica uma exterioridade virtual do universo conjuntístico, mesmo que formulado apenas pelo limite que uma aporia, ou um múltiplo inconsistente, apresenta para a ontologia. Dessa forma, o fundamento é a condição necessária para permitir que um uso mais intensivo seja feito do Axioma da Escolha, especificamente no que diz respeito à determinação aleatória que ele proporciona na composição de um novo conjunto.
Além de ser uma ferramenta de uso comum na matemática, o Axioma de Escolha é implicado pela Hipótese do Continuo, isto é a prescrição do conjunto genérico. O Axioma da Escolha envolve a construção de um conjunto não vazio bem-ordenado a partir da “escolha” de um representante de cada elemento de um conjunto não vazio inicial. Na versão simplificada usada por Badiou:
existe uma função f tal que, se é o conjunto dado, e se pertence a , então f() pertence a [EE, p. 182].
A transformação que Badiou opera sobre esse axioma procede mediante uma leitura literal de suas implicações. Um aspecto importante desse axioma é que sua aplicação é coerente, mesmo que o axioma não possa ser demonstrado. De fato, Paul Cohen mostrou que tanto o Axioma da Escolha quanto a Hipótese do Contínuo são independentes referente aos axiomas de Zermelo-Fraenkel. Na leitura de Badiou, diferentemente da que fizeram Fraenkel e Bar-Hillel, que consideram o axioma como tendo um “caráter puramente existencial”, o axioma é qualificado de “ilegal” e “anônimo”. Ilegal, no sentido que não há como legitimar sua validade por meio de uma demonstração. Anônimo, no sentido de estar frente a um conjunto cujos objetos não são completamente discerníveis.
Badiou aposta sobre o caráter excepcional do axioma por situar um ponto subjetivo cuja funcionalidade é a de marcar a participação em derivar outras verdades, isto é, teoremas conforme os axiomas da teoria dos conjuntos, ou não. Tal como no universo conjuntístico, a escolha é apenas “subjetiva” quando não segue no processo da derivação de outros teoremas. Trata-se de um ponto de subjetividade no que diz respeito à arbitrariedade do ato criativo pelo qual os elementos específicos do subconjunto estão escolhidos. Por isso, Badiou ressaltará a “hipótese que […] o Axioma da Escolha formaliza na ontologia os predicados da intervenção” (EE, p. 184). Por intervenção, temos que entender decisão latente para distribuir uma verdade numa superfície infinita, conforme a verificação do valor verdadeiro do acontecimento. Não se trata da denominação de um acontecimento, ou seja, o verdadeiro ato subjetivo na ontologia. Ao invés, implique a comprovação da necessidade para se manter fiel às condições inicias e aos axiomas sobre os quais a teoria é dependente para que o subconjunto-sujeito novo possa se realizar como conjunto-genérico. Em termos heurísticos, o Axioma de Escolha encapsula o ato pelo qual se analisa a relação entre aquilo que decorre do acontecimento e a criação de uma nova perspectiva subjetiva sobre as potencialidades do ser-no-mundo.
O que a potência “intervencionista” do axioma de escolha não representa de maneira alguma no sistema de Badiou, como alegam Nirenberg e Nirenberg (2011:596), é a “liberdade”. A intervenção força a convergência do ponto arbitrário com a necessidade derivativa da ontologia. De acordo com Badiou, “o axioma da escolha é um axioma que trata do infinito, porque não há problema para o Axioma da Escolha no finito. Na realidade, a forma do axioma trata com o infinito. Isso consiste em dizer que, dado um múltiplo infinito de uma multiplicidade infinita ou finita, poder-se-ia encontrar ou capturar um múltiplo composto por um elemento de cada uma destas multiplicidades. Portanto, pode-se decidir ou não [escolher o elemento no novo conjunto]” (Badiou & Tho:2007). Nesta definição do axioma, evidencia-se a diversidade do múltiplo, ou seja, sua infinitude. Porém, a consequência de aceitar o Axioma da Escolha é atribuir ao universo a seguinte estrutura fundamental: que sua “lógica” seja clássica.
Nessa perspectiva sobre a relação entre Um/Uno e múltiplo, enxergue uma decisão filosófica, a saber, a organização da relação entre Um e múltiplo pressupõe um espaço sem sujeito, se e somente se o sujeito for identificado como indivíduo incorporado ou como coletividade formada. Se este sujeito for cartesiano em sua estrutura, isto é, se ela for o que “self” denota nos princípios e nas teses constitutivas da filosofia analítica, ele é consciente. Ora, C. S. Peirce argumenta que o sujeito não é cartesiano, porque um elemento estrutural da representação do sujeito com o mundo está ausente em Descartes. Esse elemento fundamental é a dimensão do “intérprete” na sua semiologia. Ora, o intérprete é uma posição subjetiva formal, sem conteúdo, e sem consciência. Esta tese não defende uma redução, haja vista que o indivíduo com identidade singular acaba com a determinação formal dessa estrutura, operando assim uma redução. A posição de Badiou já participa da tradição estruturalista, em que o “sujeito individual” é submetido a uma crítica radical das condições históricas, psicológicas, semânticas e políticas nas quais foi constituído conceitualmente. O foco do “sujeito”, então, aceita uma expressão formal, retraída de pretensões a priori de livre escolha e de consciência plena de si. Ou seja, o caráter da figura do sujeito ilegal e anônimo em Badiou participa também da multiplicidade genérica, cuja criação é o resultado do Axioma da Escolha e da técnica de forçamento.
Ao contrário, o conceito de “pensamento” em Frege não é anticartesiano, mas permite entender que à dimensão puramente objetiva, pela qual o espaço lógico é constituído, falta uma forma que explicite a formação e a seleção de múltiplos consistentes. (Até Leibniz postulou que a mônada simples, sem exterioridade, tem uma dimensão apetitiva mínima.) Frege intensifica o dualismo cartesiano pela redução analógica entre da matemática à semântica. Desta forma, a genealogia do formalismo de Badiou se coloca em paralelo à linha indo de Frege a Russell e de Wittgenstein a Carnap. A dele é composta por Cantor, Cavaillès, Lautman e o estruturalismo. Ora, o estruturalismo realizou as primeiras teses formais pós-cartesianas em dois momentos: primeiro como formalização epistemológica das ciências humanas, e segundo pela determinação de um corte epistemológico abrindo numa perspectiva pós-humanista. Nas primeiras intuições, em Lévi-Strauss (1964), Foucault (1966), Althusser (1966), a tese de processos sem sujeito foi alvo de especulação. Badiou argumenta a partir de uma perspectiva pós-cartesiana segundo a qual o sujeito é um conjunto com cardinalidade expansiva, mas sem corpo biológico. No que diz respeito à lógica, no argumento sobre a multiplicidade de mundos possíveis em que sujeitos são incorporados e podem se tornar objetos, a posição formal do sujeito se identifica pelo conceito intuicionista de grau de aparecimento, mas já não mais se limitando a uma figura intervencionista do sujeito da verdade. O sujeito se pluraliza conforma às condições de possibilidades que se definem, também formalmente, pela álgebra de Heyting, em que se articula o sentido de um “transcendental imanente a um mundo” (LM, Livros I e II; MP2, p. 150-151).
Resultado: No sistema de Badiou, a filosofia não é reduzida à ontologia, pois a filosofia organiza a relação entre a ontologia e sua discernibilidade por meio de uma teoria do sujeito pós-cartesiano, referenciada a uma ordem do discurso produtor de multiplicidades, correlato do Axioma da Escolha.
TRANSFORMAÇÃO 6
CANTOR
O nome próprio “Georg Cantor” denomina o início da tese segundo a qual a ontologia é a matemática. No que diz respeito à conjuntura da filosofia francesa nos anos 1980, Badiou tem razão em considerar que se trata do grande esquecido na narrativa nietzschiana e heideggeriana sobre a finitude radical do Dasein e a morte de Deus. Dessa forma, Cantor ocupa não apenas uma posição fundamental no que se refere à crítica “ontoteológica” sobre o Absoluto, mas desarma o vínculo teológico entre o Uno e o infinito. O transfinito participa de secularizar tanto a filosofia quanto a ontologia, isto é, a matemática.
Ao inserir Cantor na trama da ontologia heideggeriana, Badiou terá um efeito sobre a narrativa do desenvolvimento da lógica moderna. Neste sentido, não é um cavaleiro solitário. Existia na França, nos anos 1960, uma verdadeira retomada do logicismo que acompanhou o estruturalismo, cujo objetivo era fornecer não a metalinguagem da matemática, mas sim uma linguagem de dimensão sistêmica. Nesta dimensão, os modelos e as relações entre composições sociais se mostraram independentes da consciência e da vontade da figura do “homem”.
Costuma-se estabelecer a genealogia da lógica moderna, e cada vez mais da fenomenologia, com o trabalho de Gottlob Frege. Esta linhagem se tornou a história vernácula da filosofia, tal qual apresentada pela filosofia analítica. Nessa medida, não está desprovida de fundamento. Frege iniciou de maneira mais avançada a tradução da aritmética numa linguagem simbólica, a Begrifftschrift, por um lado. Por outro lado, estabeleceu os argumentos fundamentais de uma nova teoria da referência e do sentido, vinculada ao valor de verdade de uma proposição. Frege ainda estabelece de maneira definitiva a tese do “contextualismo”, em que palavras (ou “termos”) adquirem seu significado no contexto de uma proposição. Nesse sentido, ao pensarmos, antes de Kripke, numa definição autônoma e específica dos substantivos (exceção deve ser feita aqui dos termos que Aristóteles chamava “singulares”, ou que chamamos “nomes próprios”), estaríamos numa epistemologia “pré-fregeana”. Além disso, Frege será o primeiro grande matemático a iniciar a série de números naturais com o zero, operando, assim, após a adoção dos chifres árabes, a convergência entre a aritmética grega e árabe.
Badiou reconhece a importância de Frege. No período de seus trabalhos iniciais sobre a “lógica matemática”, ele aborda com relutância a maneira em que o zero era definido na heurística. Trabalhando na linha de reflexão epistemológica de Louis Althusser, aberta na França por Alexandre Koyré, um dos objetivos da reflexão filosófica sobre lógica matemática era firmar uma teoria de modelos que romperia tanto com o empirismo quanto com o platonismo. Aí entra o ponto determinante na sequência do formalismo francês, isto é, o papel do grupo de pesquisadores trabalhando em torno do psicanalista Jacques Lacan e a publicação do periódico Cahiers pour l’analyse, pois a tese da referência do símbolo do zero é vinculada à categoria psicocognitiva da falta (MMPZ, p. 151-173). Para Badiou, considerar a ausência apenas como falta revela a dinâmica de uma lógica da dominação, mesmo que seja a do capital, para esmagar a força de transformação radical, criada de certa forma pela própria dominação. Por meio das categorias lacanianas, a geração “estruturalista” de epistemólogos franceses levantou a suspeição sobre a participação da lógica em manter um status quo cognitivo em que a ciência exerce um papel de manutenção da boa ordem da racionalidade.
Portanto, o zero significa menos o que falta, que afirma o modo “por-vir” (recursivamente engendrado, tal como nos números naturais) da “não existência”. Aí encontramos a diferença entre o pensamento de Georg Cantor e o de Frege. Cantor introduz um novo “objeto matemático”, o Mannigfaltigkeit, embutido num “paraíso” sem corpo, alma, finito ou infinito. Em vez de reduzir a matemática ao artifício da linguagem – para qualquer sentido de “símbolo” que quisermos dar –, Cantor descobriu um objeto irredutível ao número, ou seja, à “conta”. Para Badiou, Cantor efetua o que a filosofia apenas imaginou quando pondera sobre qualias (fenomenologia), “subsistência” (Meinong) ou o invisível. De uma perspectiva filosófica, Cantor realizou o projeto filosófico de uma ontologia não representacional, e apontou a possibilidade de articular uma ontologia do múltiplo sem Um/Uno.
Resultado: No sistema de Badiou, a genealogia da lógica é parcialmente divergente daquela proposta pela filosofia analítica.
TRANSFORMAÇÃO 7
INTUICIONISMO
A doutrina iniciada por L.E.J. Brouwer constituiu mais uma revolução na matemática. Suas duas contribuições mais importantes para a filosofia e a lógica são a demonstração de um sistema que funciona apesar da ausência do princípio do terceiro excluído e a teoria de que a origem dos objetos da matemática é a mente humana.
Badiou reconhecerá a coerência do intuicionismo não para a ontologia, mas para a fenomenologia, isto é, para a ciência do ente enquanto ente, para a ciência da existência, que, naturalmente, deve acompanhar a ontologia, se for a sua ambição aumentar e aperfeiçoar o sistema. Até a matemática precisa de corpo. O reconhecimento não passa sem impor-lhe uma restrição fundamental: o intuicionismo será destituído do âmbito da matemática. A tese afirmada por Badiou é a seguinte: ao contrário da teoria dos conjuntos, o intuicionismo, especialmente a álgebra de Heyting, legifere o domínio do aparecer. O aparecer é definido nos termos mais triviais: o sistema é do múltiplo, mas a dimensão da existência trata das aparições dos múltiplos em mundos, ou em localizações específicas, numa pluralidade de possíveis modos de ser-aí. A álgebra de Heyting é alocada com um papel regulador e recebe o nome próprio de “transcendental” T. O conceito T regula o campo de incorporação num mundo m a partir de uma base formalista: o que Badiou denomina a “Grande Lógica” (LM, Livros II e IV). O conceito T governa uma relação de ordem, definida em terminologia conjuntística, que determina os graus possíveis do aparecer. A relação de ordem é transitiva, reflexiva e assimétrica, e os quatro teoremas de base determinam o contexto intensivo de aparecimento de corpos e objetos (LM, p. 618; MP2, p. 150-151).
Portanto, o conceito de transcendental é o divisor de águas no sistema de Badiou, sendo que T regula como se fosse um limite interno das possibilidades do aparecer, pois é um subconjunto de um mundo. Desta forma, é irredutível à ontologia. De acordo com Badiou, “esta estrutura é, portanto, tão fundamental em filosofia quanto aquela dos conjuntos. De fato, ela tem o mesmo papel para a lógica do aparecer quanto à axiomática dos conjuntos para a ontologia das multiplicidades” (MP2, p. 150, nota 8). Talvez essa distribuição de domínios não corresponda à visão de Brouwer no que se refere à potência fundadora do intuicionismo, mas não muda nada no que diz respeito ao que ele defendia literalmente. Brouwer desqualificava o realismo, Badiou atribui ao intuicionismo o domínio que dele foi reivindicado.
Numa perspectiva filosófica, a coerência do sistema logo tem um efeito sobre a teoria da verdade. Até o advento do intuicionismo, o formalismo filosófico não considerava os meios-termos entre verdade e falsidade como pertencentes ao domínio do inteligível. O intuicionismo fará com que uma opinião ou uma ficção participe de forma mais estrita da razão, de modo que o vínculo da verdade com o absoluto passa a ser a extensão de apenas uma teoria de verdade possível, não de todas. Os modelos de prova e demonstração do intuicionismo terão um impacto grande, na segunda metade do século XX, sobre o crescente discurso axiológico da ética, em que análises de casos envolvem a necessidade de flexibilizar uma lógica que já é essencialmente indutiva.
Assim, decorrendo dessa relativização da categoria da verdade, no que se refere a sua função como valor de verdade, o intuicionismo vai ainda mais longe ao abraçar um nominalismo radical sobre os objetos matemáticos. Estes objetos não existem de modo independente da mente do sujeito intuicionista, sendo que o intuicionismo implica o contrário da estratégia fundacionalista da teoria dos conjuntos, cuja “ontologia”, para citar esta palavra no seu uso na filosofia analítica, é realista.
Haja vista a centralidade ontológica alocada por Badiou ao conceito de sujeito, comentadores de sua obra (Fraser, 2006; Badiou & Tho, 2007) defendem que a ontologia deveria ser intuicionista em vez de platonista. Ora, em 1948, Brouwer apresenta o conceito de “sujeito criador”, a posição filosófica segundo a qual a origem da matemática é a mente, e implica também que a matemática não é uma linguagem, pois a linguagem pressuporia a matemática, e não o inverso. Na visão de Brouwer, é fundamental que a matemática seja uma pura intuição do tempo (interior). A interioridade desse sujeito submete a verificação de uma proposição à experiência, único caso em que pode ser determinada como falsa. Assim, poder-se-ia defender que Brouwer atribuísse um espaço excessivamente importante à filosofia sobre a matemática.
Apesar do seu platonismo, Badiou não rompe nem desqualifica Brouwer. Mais uma vez, Badiou executa o que segue necessariamente de uma decisão ontológica, mas reconhece que a decisão em si não atesta necessidade, a não ser a existência de algo necessário na ordem do ser, enquanto ser que força a inscrição do surgimento do radicalmente novo nela. Ademais, existe uma recusa constante em Badiou em reduzir a filosofia à matemática e, por conseguinte, a matemática à filosofia. A tese de Badiou mantém separadas as duas áreas.
Levando-se em consideração o agrupamento consequente feito por Badiou das lógicas não clássicas na ordem fenomenal das verdades incorporadas, poder-se-ia perguntar: será que esta solução é satisfatória? Longe de ser um ato arbitrário, Badiou demonstra a tese segundo a qual as lógicas expressam pelo menos o domínio do aparecer. Já uma associação da fenomenologia com o aparecimento será uma simples repetição do platonismo mais banal. O interessante no gesto de Badiou não é isso, pois ele visa à fundamentação do aparecer, não do aparecimento. Mesmo assim, um problema mais grave surge, e tem a ver com o conceito de verdade. Será que o conceito de verdade é o mesmo entre a ontologia e a fenomenologia? Quando começamos a indagar de maneira mais rigorosa a questão, reaparecem alguns velhos fantasmas. Não seria o caso de Badiou estar meramente relocando o conflito entre realismo (ou platonismo) e “construtivismos” (intuicionismo ou antirrealismo)? Como Michael Dummet questiona: se uma pessoa aceita que uma boa demonstração (de um teorema, por exemplo) é aquela cujos critérios de verificação existem independentemente dos nossos, será que deve aceitar a “imagem platonista da matemática”? Para ele, a resposta é não: “[A pessoa] pode bem aceitar a objetividade da demonstração matemática sem dever acreditar também na objetividade da verdade matemática” (Dummett, 1959:87). Assim, voltamos à convicção de Chateaubriand: existem plausivelmente “leis lógicas”, e uma discussão filosófica interna à lógica pode, pela tradição, se remeter a uma ontologia. Porém, Badiou se inscreve também na tradição romântica alemã, em que se separa o ser do existir. Desta perspectiva, o conteúdo da proposta de Heidegger cumpre as condições de assertabilidade necessárias para entender a imagem, a “intuição”, pela qual encontramos os objetos matemáticos.
Resultado: O intuicionismo fornece ao formalismo um pensamento centrado no sujeito criador, já constituído. Portanto, o intuicionismo se situa numa fenomenologia existencial das verdades, e não na ontologia stricto sensu.
TRANSFORMAÇÃO 8
NÚMERO
A base dos conjuntos serve para que Badiou se situe aquém da aplicação da aritmética na imensa versatilidade contábil e computacional que conhecemos e, no caso, para servir a outros fins além de incorporar o Capital. “Quem pode duvidar de que o número reine e que o imperativo é ‘Conte’?” (Badiou, 1998b). Portanto, o desafio de definir o número está envolvido num ato de separá-lo de suas aplicações contáveis. Demonstra também o compromisso realista de Badiou com o ser do número com dimensão independente dele. Mas a afiliação com Cantor em vez de com Frege é esclarecida pela limitação da fórmula geral avançada por este último: “o número que pertence ao conceito F”.
No que diz respeito às necessidades da decisão ontológica que Badiou realiza, o “conceito” de Frege deixa de abordar a mais ambiciosa consequência da nova fundamentação operada sobre os números, que é a de que não devem se passar pela pressuposição de outros números. Afirmar a solidez do modo cantoriano para definir um número significa estabelecer (i) um novo objeto matemático que não se reduz necessariamente à unidade, nem consequentemente à totalidade; (ii) um novo pensamento da “intuição” para pensar o real do número. Em outras palavras, essa combinação apresentada por Cantor livra a filosofia da necessária afiliação com a virada linguística, que decorre das pesquisas de Frege. Porém, Frege merece não ser despedido brutalmente, pois a definição que fornece de “identidade” – “que a identidade é a relação existente entre objetos, denotados por termos singulares” – sugere que encontramos dentro a forma do contexto proposicional, entidades sem identidade. De acordo com Kim (2013), tais objetos podem ser justamente números cardinais. Não obstante esse gesto de caridade com Frege e a tradição que iniciou, na esteira da filosofia pós-fenomenológica, o conjunto, tal como Cantor o concebeu, corresponde a uma coisa não idêntica a si que escapa também da unidade.
Na abordagem da numeração que Badiou realiza existe uma operação fundamental que os filósofos pareciam negligenciar, pelo menos no âmbito da filosofia francesa contemporânea. Trata-se do conflito, por assim dizer, entre os nominalismos. O estruturalismo francês extirpou e integrou o conceito heideggeriano de Ereignis, de “acontecimento-apropriador”, como condição de possibilidade para que a categoria de identidade pudesse se formar. Para realizar essa retração da identidade, sem pressupô-la, havia necessidade de pensar por meio de outra categoria mais fundamental. Mesmo que as ambições por trás da realização de Heidegger implicassem uma reestruturação da teologia, a noção de acontecimento abriu caminho para encerrar a ontoteologia por meio de um nominalismo de uma abrangência inusitada para além da substância. A ontologia fundamental de Heidegger acarretou num realismo restrito, porque se recusou a pressupor as categorias da metafísica. Porém, Heidegger não levou a mesma reflexão ao número.
A crítica do número, e especificamente do número inteiro, justamente desencadeia uma ontologização do contínuo, na medida em que o número inteiro demonstra uma força para reduzir o infinito à unidade. Portanto, a crítica da unidade, do “Um/Uno”, tem um efeito de vê-la como uma redução nominalista da cardinalidade à ordinalidade, e o conjunto como uma composição de unidades nominativas das multiplicidades. Ao mesmo tempo, o conceito da entidade “número” não pode ser reduzido aos números naturais. Todo o esforço de Badiou, referente à ontologia e às discussões sobre a matemática, como uma das ciências enquanto condição da filosofia, é mostrar o que denomina a própria multiplicidade neste conceito. “O Número é uma forma do ser-múltiplo. […] É um gesto no ser. Antes de qualquer objetividade, antes de qualquer apresentação ligada e na eternidade desligada do seu ser, o Número abre-se ao pensamento enquanto recorte formal na estabilidade máxima do múltiplo. É cifrado pelo emparelhamento desta estabilidade, com o resultado o mais das vezes impredicável do gesto” (Badiou, 1998b:146-147). O macrocorpo dos Números é uma imagem, talvez a melhor possível, do universo. A definição deste macrocorpo é (a, X), em que X é uma parte do ordinal x, ou ainda X é um subconjunto de a.
Resultado: O universo é povoado de números, cuja essência comum é a multiplicidade.
TRANSFORMAÇÃO 9
SINGULARIDADE
Entre O ser e o evento (EE) e Lógicas dos mundos (LM), a categoria de acontecimento sofrerá uma transformação expressiva, veiculada pelo conceito de singularidade. Em O ser e o evento, o evento apresenta o conceito não idêntico a si como “fundamento” do gesto de pensar, que efetua um corte na multiplicidade infinita do universo como intervenção subjetiva sobre a matéria. Já vimos como Badiou articula essa exterioridade por meio do paradoxo “isolado” da impossibilidade que um elemento de um conjunto faça referência a ele-mesmo como objeto que lhe pertence. Apenas um subconjunto ou um conjunto pode se enumerar numa autorreferência entre seus subconjuntos.
Em Lógicas dos mundos, o evento já vem designando quatro tipos de surgimento de subjetividades, ou seja, quatro tipos gerais de mundos em relação ao conceito de base, o transcendental T. A singularidade age aqui na forma de um conceito de surgimento. Ela organiza, portanto, a terceira tese sobre o Universal em Badiou, segundo a qual “todo universal se origina de um evento, e o evento é intransitivo às particularidades da situação” (OTU, tese 3). A singularidade vem denominar mais especificamente a gama segundo a qual a transformação surgirá na forma de um mundo. Ela varia entre singularidade “fraca”, em que um ponto de inexistência se torna existente, mas apenas numa intensidade mínima para se destacar, e, ao contrário, uma singularidade forte, que designa o evento quando se manifesta como grau máximo de transformação da inexistência em existência. No caso da singularidade forte, trata-se do evento.
Resultado: A singularidade refere-se a um escopo de condições de aparecimento de entidades existenciais.
TRANSFORMAÇÃO 10
TEORIA DAS CATEGORIAS
Em [1989] Badiou podia muito bem afirmar que a orientação geral da sua filosofia era a do sistema, mas, apenas com a tese sobre a ontologia e sua imanência às quatro condições, estava longe de realizar essa promessa. O momento da verdade do sistema virá de maneira provisória em [1998] e completa em [2006]. Os termos e as conjecturas de Badiou dizem respeito à ontologia, e receberam a aprovação do filósofo das matemáticas, Jean-Toussaint Desanti [1990]. Mas Desanti levantará a questão: e que tal as teorias rivais sobre a fundamentação da matemática, especialmente a teoria das categorias?
Se a teoria das categorias virá a ser uma teoria dos fundamentos da matemática, é uma questão que ainda não chegou a um consenso, principalmente porque as definições de base pressupõem a existência de conjuntos. A teoria das categorias é teoria geral da estrutura e da relação entre grupos. Marquis afirma (2010) que a “definição mesma de uma categoria não é sem importância filosófica, pois uma das objeções à teoria das categorias como um fundacional é a afirmação que, como categorias são definidas como conjuntos, a teoria das categorias não pode fornecer uma fundamentação esclarecida pela matemática”. A teoria das categorias se distingue da dos conjuntos a partir do princípio inicial de o que seriam suas definições. Como indicam historiadores da teoria, a noção de categoria surgiu para definir o conceito de “transformações naturais”, isto é, surgiu para entender melhor a noção de relação entre estruturas. A teoria dos conjuntos se focaliza mais na questão de saber o que é uma estrutura e o que são os “objetos” matemáticos. A teoria das categorias visa entender como funcionam as estruturas matemáticas. Por meio desta apresentação, o “problema” de Badiou já está parcialmente resolvido: nem tem uma pretensão geral na teoria das categorias de ocupar o espaço dos conjuntos, nem sugere que aquele espaço continua sendo visto como necessário ao entendimento, ou ainda menos à operação, da matemática.
A diferença fundamental entre conjuntos e categorias é o modo em que um “objeto” é definido. Na teoria dos conjuntos, um elemento x que pertence a um conjunto y estabelece um princípio unitário sem definir o conteúdo específico de um elemento como tendo minimamente a propriedade de fazer parte de tal conjunto. Desta forma, um conjunto sempre tem uma identidade intrínseca em função do elemento que lhe pertence, ou o conjunto é vazio. Já vimos que na ontologia de Badiou a estrutura do conjunto-múltiplo tem um significado específico para um processo de subjetivação, fundamentado pelo Axioma da Escolha, mediante a deslocação da figura do Um/Uno. A teoria dos conjuntos passa especificamente a fundamentar uma teoria da produção de verdades compossíveis no espaço imanente das quatro condições, no que diz respeito a como verdades que respondam a um acontecimento fazem parte da definição de uma nova subjetividade, cuja chance para reverter a normalidade em algo que busca o ideal necessita, para manter a sua fundamentação, de uma figura da multiplicidade radicalmente nova.
A lógica categorial examinará a natureza dos espaços em que a figura de novas subjetividades pode se articular. A relação entre lógica e matemática, então, é complexa, não obstante, a resposta fornecida por Badiou respeita a distribuição escrupulosa de definições e localizações. Existe uma separação irredutível, mas uma codependência, entre o domínio da ontologia e a fenomeno[lógica]. A relação entre lógica e matemática segue a transformação de seus componentes ao passo de ser, ela mesma, transformada. Visto a atenção metodológica para atrelar a dimensão escrita da álgebra com a exposição visual da geometria, e visto a abrangência fundacional da teoria dos topoi de A. Grothendieck, Badiou é levado a postular que a teoria das categorias exerce um efeito retroativo sobre o intuicionismo, isto é, ela o fundamenta. Nesta medida, o intuicionismo é afastado da matemática, na medida em que executa a tese segundo a qual as verdades são sempre em mundos objetivos, pois a teoria gradativa da verdade sempre se determina a partir de um confronto com instâncias empíricas de avaliação. Em outras palavras, o intuicionismo é sempre uma lógica fenomenal, o que o interesse de H. Weyl para a fenomenologia apenas confirma.
O que é necessário perceber na distribuição dos domínios que Badiou desenvolve é que o surgimento do sujeito e a produção da verdade pertencem à ontologia, enquanto as regras que legiferam sobre os objetos, corpos e mundos pertencem à fenomenologia. O conceito de categoria é nada antes da organização, isto é, sua “composição” de pontos-objetos e as flechas (ou morfismos) determinam as suas propriedades. Uma composição se expressa como diagrama e como equação algébrica.
Desta forma, resumidamente, uma categoria:
-
apresenta-se em exterioridade até formar “composições” e “diagramas” maiores;
-
vem definir a noção de functor e transformação natural;
-
define a identidade dos objetos numa composição sem pressupor a noção;
-
presta-se a uma representação;
-
em composições mais complexas responde a lógicas não clássicas;
-
define abstratamente a noção de grupo e de espaço topológico, mas numa projeção em que o empírico não é barrado por definição;
-
permite, além de respeitar a transversalidade, a identidade e a comutatividade, demonstrar sua “dualidade”, isto é, manifesta fenômenos de dinâmica não irreversível.
A teoria das categorias fornece as principais demonstrações desenvolvidas na “Grande Lógica”, em Lógicas dos Mundos, em que as noções de mundo, objeto e relação entre objetos são apresentadas com novas definições. O que interessa a Badiou especialmente na Grande Lógica é articular uma fenomenologia “calculada”, em que o aparecer, como resultado de atos intencionais, é entendido como inscrito nas induções lógicas que operam “sem sujeito”. Ao contrário da ontologia, que examina as decisões de pensamento de um porte muito geral, a lógica rastreia as “consecuções” de quatro tipos de transformação, formalizando-as e exemplificando-as.
Resultado: As lógicas ditas não clássicas articulam a criação de mundos específicos à fenomenologia das verdades.
TRANSFORMAÇÃO 11
O CONJUNTO GENÉRICO
O conjunto genérico resulta de uma derivação técnica tão complicada que seu uso fora deste âmbito levanta suspeição entre lógicos cuja formação, em princípio, considera a lógica como o âmbito da clareza. Porém, proibir o uso de um conceito da lógica em outros contextos, ou alegar que esse conceito lógico é demasiado complexo para ser entendido apenas por recursos heurísticos, indicará uma falha considerável no compromisso da lógica, que é o de buscar na maior simplicidade expositora o que podem parecer os enigmas de certo universo. No seu mais complexo, então, o conceito de conjunto genérico é articulado por Paul Cohen numa indagação sobre a Hipótese do Contínuo. Gödel demonstrou que a hipótese era decidível, pois era demonstrável, no que diz respeito ao menor número transfinito maior que a série de números naturais. A questão que sobrava era saber se não existiam outros números maiores desse infinito e menores do infinito dos reais. Cohen conseguiu provar que a questão é indecidível, e que a Hipótese do Contínuo é independente dos axiomas da teoria do conjunto. A maneira com que provou foi pela articulação de um conjunto genérico, decorrendo da articulação do método de forçagem. Por qualquer modelo de base e por qualquer conjunto P de condições de forçagem em M, um conjunto genérico G existe.
Este conjunto apresenta características de interesse para qualquer especulação quanto à indeterminação de uma entidade anônima físico-cognitiva. Em primeiro lugar, g é um conjunto cujo conteúdo não é concebível a partir do momento presente, mas que deve responder a critérios estritos se a afirmação quanto a sua existência puder ser racionalmente aceitável. Este raciocínio demonstra semelhanças com o Axioma da Escolha. Para uma proposição A na linguagem de forçagem, se todas as condições podem ser estendidas até uma condição que C’, então uma condição C no conjunto genérico G força A, sendo que A é verdadeiro no modelo de G recursivamente (Jech, 2008:693). Uma primeira observação é a seguinte: o critério da verificabilidade de A é assegurado, mesmo que existam apenas em G traços indecidíveis que poderiam vir a ser compostos e organizados, tal como a própria Hipótese do Contínuo. Isto leva à segunda observação: apesar de atestar um caráter não real, o todo não vale em G, isto é, certas proposições nos conjuntos de G poderiam ser provadas como excluídas de G. Para formalizar em termos gerais: cada conjunto parcialmente ordenado P pode ser considerado o conjunto das condições de forçamento, e quando G subconjunto de P é um conjunto genérico, então o modelo M[G] representa a versão ZF da teoria dos conjuntos (aquela que está sendo usada neste artigo) “com C”, isto é, com reconhecimento do Axioma da Escolha.
No mínimo, a aplicação do método de forçamento e a inclusão da noção de conjunto genérico significam que não é o caso de que tudo possa valer na criação de circunstâncias bem-ordenadas, nas quais a proliferação de infinitos de tamanhos múltiplos possa, teoricamente, ser imaginada. Badiou não busca aplicar Cohen para fazer bonitinho ou impressionar. E se G for uma expressão abstrata de liberdade, então não é nada mais eufórica nesse sentido que o imperativo categórico.
Contra as divagações do pós-modernismo, Badiou necessitou de um conceito de disciplina e exclusão de possibilidades. Na ótica da ontologia imanente às práticas discursivas, são genéricos apenas aqueles conjuntos que verificam a perpetuação autocriadora de um processo de produção de verdades, o que é a marca de uma subjetividade revolucionária em qualquer contexto que desejamos representar. É curioso que, na aplicação do conceito de novidade à área da técnica e da informática, não cansam de comemorar a potência da matemática e da lógica, mas, quando surge uma tentativa para salientar sua dimensão revolucionária para uma filosofia política, nem como filosofia seus detratores querem admiti-la (Nirenberg e Nirenberg, 2011).
Principalmente por essa razão, num gesto de precaução, Badiou avança um sentido duplo em que o forçamento se interpreta na ontologia. Um sentido positivo: o forçamento prevê, estruturalmente, a restrição da dimensão genérica e expansiva da verdade subjetivada em criação. Mas o sentido negativo nitidamente reconhece uma maior tentação, no que diz respeito às condições empíricas e históricas de novas formações subjetivas: decretar o fim do processo, eliminar o jogo ardiloso pelo qual a nova subjetividade é encaminhada a sua realização na história. Por isso, o conjunto apenas é, e sua verdade é altamente especulativa, pois nada está decidido antes de ser levado pela correnteza da luta histórica.
Resultado: A constelação de operadores matemáticos introduzidos por Paul Cohen acaba coincidindo com os projetos filosóficos de transformação radical dos estados de situação em que a verdade se torna ora a função do sentido, ora o contrário da criação.
INFERÊNCIA: A POTÊNCIA REVOLUCIONÁRIA DO SUJEITO GENÉRICO É INSCRITA MATEMATICAMENTE, EM VARIAÇÕES QUE PODEM SER VERIFICADAS POR MEIO DE PHENOMENO-LÓGICAS.
Badiou orquestrou, por meio da tese que identifica ontologia e matemática, uma reconstrução do materialismo por meio da crítica imanente da categoria de “objetividade”, numa desobjetivação para emancipar as formas múltiplas de uma nova teoria do sujeito. O que decorre dessa posição são duas vantagens específicas para a filosofia: (i) o afastamento da ideia da ciência para com uma naturalização cujo modelo deixa a dimensão interpretativa ocultada; e (ii) a configuração da relação entre ciência e ontologia, em que o potencial da filosofia se mostra truncado ao não incluir também a arte, a política e o amor. O custo dessa rearticulação, em que a filosofia rende-se mediante a independência das práticas discursivas que são suas condições compossíveis de existência, é a eliminação das designações “filosofia da ciência” e “epistemologia”. Desta forma, o projeto de Badiou representa a prolongação do estruturalismo, retomando o projeto fundacional dos anos 1960 antes do acontecimento de maio-junho de 1968. Seu projeto recapitula também as linhas diversas do pós-estruturalismo, cujas finalidades são a negociação entre a dualidade imprescindível das posições e dos conceitos fundamentais da filosofia ocidental e a convergência rumo à transcendência desta arquitetura. Porém, é uma negociação sem concessão, pois o objetivo principal é impedir que se instale a reversibilidade pregada do infinito afastado da unicidade e da multiplicidade suspensa à redução à unidade. Neste sentido, não há como continuar com conceitos de liberdade, que fingem ser possível ignorar as estruturas e precondições da existência. Não que estas sejam deterministas em natureza, uma afirmação tão forte não é necessária. É suficiente salientar apenas que, nas condições atuais de racionalidade social, a liberdade é tão restrita que deixa a impressão de ser indesejada. Não se pode olvidar que, da filosofia de Badiou, poder-se-ia inferir que, de modo geral, o caminho da pesquisa científica à frente se atualiza cada vez mais pelo aprofundamento do que se deve entender como um subjetivismo materialista, cuja fundamentação depende de uma relação de submissão da lógica à matemática, e não o contrário.
Seja como for, a revolução científica não é da ordem da ontologia, mas de uma prática discursiva condicionante da filosofia. Além de ser independente da filosofia, a ciência é um discurso irredutível ao da arte, da política e do amor. Se ela se relaciona estruturalmente com os outros discursos, numa relação de compossibilidade, e se torna uma condição pelo surgimento histórico da filosofia, não é pelo discurso ou pelas verdades produzidas em si, mas pela constituição diacrônica, em comum com as outras condições, de um local subjetivo distinto, heterogêneo, mas isomorfo. A matemática fundamenta o argumento sobre a estrutura deste conjunto comum, o G autorreferencial; a lógica fundamenta as variabilidades às quais as formas subjetivas são submetidas quando encontram seus mundos. Uma relação sem dependência, porém, sem separação. Em outros contextos, Badiou diria que se trata de uma relação de amor.
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*Norman Madarasz é filósofo (PPGFIL-PUCRS).