Os astrônomos Maias
Os Maias foram grandes astrônomos. Conheciam com precisão o ciclo de Vênus, astro que eles chamavam de Chak Ek’. Há seis páginas sobre o ciclo no Códice de Dresden, um dos raros livros Maias que não foram destruídos pelos espanhóis.
O planeta Vênus é o ponto luminoso mais brilhante no Céu depois do Sol e da Lua. Sempre despertou muita atenção. Por ser um planeta localizado entre a Terra e o Sol ele somente pode ser observado ou poucas horas antes do amanhecer ou poucas horas após o pôr-do-Sol. Nunca ambos ao mesmo tempo, ou surge como estrela matutina ou como estrela vespertina. Os Maias sabiam disso. Perceberam também que Vênus surge como estrela matutina, na madrugada antes do nascer do Sol, durante aproximadamente 263 dias, depois permanece aproximadamente 50 dias sem ser observado, retorna por aproximadamente 263 dias como estrela vespertina e depois desaparece por 8 dias, voltando novamente como estrela matutina fechando o ciclo. Chamamos esse ciclo de período sinódico. O período sinódico é o período orbital de um astro quando observado a partir da Terra, ou seja, é o período para o retorno do astro a mesma posição aparente no céu. Um fato interessante é que o período de 263 dias é aproximadamente o período de gestação das gentes. Por isso algumas vezes, e em algumas civilizações, o período que Vênus está visível no Céu é associado ao período de gravidez. Entre dois surgimentos como estrela matutina temos um período aproximado de 584 dias, para ser mais preciso são 583,924 dias. Os Maias perceberam também que após cinco ciclos de Vênus, que são 2920 dias (5 x 584dias = 2920 dias), temos oito anos terrestres (8 x 365 dias = 2920 dias). O planeta Vênus começa a surgir como estrela matutina no mesmo dia (com diferença de aproximadamente dois dias quando consideramos os anos bissextos).
Devido ao fato de que os Maias usavam um sistema de contagem de base 20, o mais próximo para eles do nosso século correspondia a 104 anos. Nesse período temos 65 ciclos completos de Vênus e há 13 períodos de 2920 dias. Vênus repete 13 vezes a sua posição no Céu quando surge como estrela matutina. Era o que eles chamavam de grande ciclo. O número 13 refere-se às grandes articulações do corpo humano que eram os locais de entrada das doenças: o pescoço, os dois ombros, os dois cotovelos, os dois pulsos, os quadris (dois), os dois joelhos e os dois tornozelos. O número 13 também representava os níveis do paraíso de onde os senhores sagrados governavam a Terra. Por isso, ao fim desse grande ciclo, existia a possibilidade de grandes tragédias. O aparecimento de um astro no horizonte antes do nascer do Sol é chamado de nascer helíaco. O nascer helíaco de Vênus e das Plêiades tinham grande valor para os Maias e também para inúmeras civilizações. Para os Maias o nascer helíaco das Plêiades representava o início do ano e o nascer helíaco de Vênus estava associado a conflitos, momento para guerras. Alcione, a estrela central do aglomerado aberto das Plêiades, era considerada pelos Maias o local de sua origem. Morada de seus antepassados.
Os Maias conheciam com precisão os períodos sinódicos dos planetas Mercúrio, Marte, Júpiter e Saturno. Com a utilização de dois ciclos para Marte conseguiam acompanhar o seu movimento retrógrado. (Os planetas exteriores, localizados depois da órbita da Terra, durante um curto tempo do seu período sinódico invertem o seu movimento aparente em relação às constelações, chama-se a esse fato de movimento retrógrado) Os ciclos lunares eram bem conhecidos. Os Maias faziam previsões dos eclipses solares e lunares. Conseguiam identificar o momento, das fases da Lua e dos eclipses, no passado e no futuro. A constelação de Órion também tinha papel de destaque em sua mitologia. A Via-Láctea, chamada de Wakah Chan, era considerada a árvore do Mundo. As nuvens de estrelas que formam a Via-Láctea eram a árvore da vida, local de onde surgiram todas as formas de vida.
Há muito mais dados relativos ao conhecimento dos Maias sobre o Universo e seus mistérios. Eram excelentes astrônomos. Uma civilização mesoamericana com conhecimentos fantásticos na área de Astronomia. A seguir é apresentado um relato sobre um fato curioso que fez despertar um grande interesse pela civilização Maia, quando em 2012 se fez uma análise de um calendário produzido. Foi divulgada ostensivamente que havia uma previsão Maia para o fim do Mundo no dia 21 de dezembro de 2012. Foi um momento especial que despertou muito interesse na civilização Maia. Para entender melhor a origem desta anunciada previsão é necessário conhecer um pouco da maravilhosa e misteriosa civilização Maia.
Os Maias tiveram o seu período de grande desenvolvimento entre aproximadamente 250 A.C. e 900 D.C.. A civilização Maia em seu apogeu habitava o sul do México, a Guatemala, Belize, o Norte de El Salvador e o oeste de Honduras. Possuíam um sistema de escrita e eram excelentes matemáticos e astrônomos. Após 900 D.C. os Maias sofreram um grande declínio, mas nunca desapareceram. Hoje em dia há aproximadamente 6 milhões de Maias. A maior parte deles vive nas regiões em que habitavam durante o apogeu da civilização no passado.
Os Maias possuíam dois tipos de calendário. Um para o seu cotidiano e outro para registros de longos períodos de tempo, o calendário da longa contagem (ou, calendário da conta longa). Usavam um sistema de contagem com base 20, diferente do nosso com base 10. O calendário da contagem longa identifica uma data contando o número de dias desde a criação Maia. A maior parte dos pesquisadores especialistas na cultura Maia afirma que o dia 11 de agosto de 3114 A.C. do calendário Gregoriano (o que as gentes usam como referência hoje em dia) é a provável data da criação Maia. Ninguém sabe afirmar o que ocorreu nessa data e porquê os Maias a consideraram como o ponto de partida para sua civilização.
A unidade básica do calendário de contagem longa era o dia, que os Maias chamavam de K’in. Tendo o K’in como base eram definidos os outros períodos, como é apresentado na tabela abaixo.
Tabela de unidades da contagem longa
Tabela de unidades da contagem longa | |||
Dias | Período da contagem longa | Período da contagem longa | Anos solares aproximados |
1 | = 1 K’in | ||
20 | = 20 K’in | = 1 Winal | 0.055 |
360 | = 18 Winal | = 1 Tun | 1 |
7,200 | = 20 Tun | = 1 K’atun | 19.7 |
144,000 | = 20 K’atun | = 1 B’ak’tun | 394.3 |
É possível definir qualquer data com esse calendário. O Monumento 6 (Figura 1) localizado em Tortuguero (México) foi a fonte principal de toda a discussão, já que foi o local onde foi encontrada a primeira inscrição, e a única reconhecida por todos, representando o previsto fim do 13º Bak’tun em 2012. Os espanhóis destruíram a maior parte dos livros, conhecidos como códices, escritos pelos Maias. Dos poucos códices que ainda existem, o mais conhecido é o códice de Dresden. Nesse códice e nos outros conhecidos não há menção ao 13º Bak’tun. Na inscrição encontrada no Monumento 6 de Tortuguero há a seguinte informação sobre o fim do 13º Bak’tun:
“O décimo terceiro Bak’tun terminará (no) 4 Ajaw, o terceiro do K’ank’in ocorrerá. (Será) a descida(?) do Suporte Nove? Deus(es) para o ?.”
(tradução realizada para o inglês pelo pesquisador David Stuart. As interrogações se referem a hieróglifos destruídos e que não podem ser identificados. Os parênteses são complementações para tentar dar algum sentido ao texto)
O trecho acima é a única referência relativa ao fim do 13º Bak’tun e foi escrito provavelmente entre os anos 644 e 679. O máximo que se pode considerar desse texto é a citação do surgimento, descida ou aparecimento de uma ou mais divindades que os Maias cultuavam. O que pode se referir ao início de um novo ciclo. A maior parte dos pesquisadores considerou, ao fazer a conversão para o calendário gregoriano, que o fim do 13º Bak’tun ocorreria no dia 21 de dezembro de 2012. Há outras inscrições Maias, e citações nos códices existentes, de datas posteriores ao fim do 13º Bak’tun. O que se pode afirmar é que para os Maias era somente o fim de um ciclo. Nenhuma previsão de catástrofes foi encontrada. Não havia nenhuma previsão de um evento astronômico que colocaria em risco o planeta Terra.
Um fato inusitado e surpreendente era que A pedra do Sol (Figura 2), que foi insistentemente divulgada, não havia sido feita pelos Maias. Foi produzida pelos Astecas, que incorporaram em sua cultura o calendário dos Maias, a mais de 400 anos após o declínio da civilização Maia.
Na época houve uma intensa busca de algum evento astronômico que pudesse estar relacionado com esta pretensa previsão. Uma das hipóteses analisadas era que no dia previsto o plano da órbita da Terra em torno do Sol, que é chamado de eclíptica, estaria cruzando o equador da Galáxia. Devido a uma oscilação na direção do eixo de rotação da Terra, movimento conhecido como precessão dos equinócios, a data em que a Terra e o Sol se encontram alinhados com algum astro muda por um dia a aproximadamente cada 72 anos. A cada 25.772 anos esse alinhamento volta a ocorrer no mesmo dia. Esse período corresponde ao tempo que a oscilação do eixo de rotação da Terra completa 360 graus, uma volta completa.
A Via Láctea é observada como uma faixa brilhante no céu facilmente visível em locais com pouca iluminação artificial. Esta visão é possível porque fazemos parte da Via Láctea e quando a observamos de perfil há uma grande concentração de estrelas.
A nossa galáxia possui aproximadamente 100.000 anos-luz de diâmetro e aproximadamente 1.000 anos-luz de espessura. O sistema solar está localizado a aproximadamente 26.000 anos-luz do centro da Galáxia e leva entre 225 e 250 milhões (há ainda uma grande imprecisão em relação a esse valor) de anos para completar uma volta em torno do centro da galáxia. É possível observar várias faixas escuras no plano da galáxia, elas são largas e com bordas não muito bem definidas. Essas faixas escuras correspondem a enormes nuvens de poeira e gás onde novas estrelas estão se formando. Existe uma quantidade tão grande dessas nuvens entre o planeta Terra e as estrelas localizadas atrás delas que a luz dessas estrelas distantes é bloqueada. No dia 21 de dezembro de 2012 a Terra e o Sol estavam alinhadas com o eixo central da Galáxia. Muitas gentes anunciaram que era um fato impressionante esse alinhamento ter ocorrido nesta data… O fato era que em 2012 a Terra e o Sol não estavam alinhadas com o centro da Galáxia, mas sim com uma faixa escura localizada a 6,4 graus, aproximadamente a largura aparente de 13 luas cheias, de afastamento do centro da Galáxia. O alinhamento da Terra e do Sol com o equador Galáctico ocorre duas vezes por ano desde o momento da formação do Sistema Solar, há aproximadamente 4,5 bilhões de anos. Devido à largura da faixa o alinhamento do Sol e da Terra com essa faixa escura no dia 21 de dezembro teve início no ano 1.800 e continuará a ocorrer nessa data até pelo menos o ano 2.100! Somente daqui a 4 milhões de anos ocorrerá o alinhamento com o centro da Galáxia. Além desses dados, mesmo que ocorresse um alinhamento com o Centro da Galáxia em 2012 a partir de uma observação tendo como referência a Terra, não ocorreu nenhum efeito catastrófico dos eventuais previstos.
O sistema solar se move em torno do centro da Galáxia cruzando com frequência o plano central da Galáxia. O norte-americano Michael Rampino propôs a hipótese Shiva após analisar os períodos em que ocorreram grandes extinções de espécies no planeta Terra e o momento no qual o sistema solar cruza o plano central da Galáxia. Um grande número de pesquisadores considera que grande parte das extinções podem ter sido causadas pelo impacto de um grande asteroide ou cometa com a superfície da Terra. De acordo com a hipótese Shiva a passagem do sistema solar pelo plano central da Galáxia causaria perturbações gravitacionais que seriam suficientes para perturbar a órbita de cometas localizados na nuvem de Oort, uma região localizada nos limites do Sistema Solar, a cerca de 50.000 vezes a distância média entre a Terra e o Sol. Esses astros, devido a essa perturbação, poderiam adquirir uma órbita que cruzasse a órbita da Terra, aumentando a possibilidade de grandes impactos. Nos últimos 540 milhões de anos ocorreram grandes extinções com uma frequência entre 26 e 30 milhões de anos. Essa é aproximadamente a mesma frequência que o sistema solar cruza o plano central da Galáxia. A última grande extinção ocorreu há aproximadamente 65 milhões de anos. De acordo com dados divulgados em 1985 por John Bachall e Safi Bahcall na revista Nature, o sistema solar provavelmente cruzou o plano central da Galáxia há 3 milhões de anos e atualmente se encontra afastado do plano na direção norte da Galáxia em movimento ascendente a uma distância entre 71 e 105 anos-luz. É importante ressaltar que há muitas dúvidas em relação a esses dados e sobre a hipótese Shiva. De qualquer forma é um fato que a passagem do sistema solar pelo plano central da Galáxia ocorreu há pelo menos 3 milhões de anos. Não ocorreu no dia 21 de dezembro de 2012.
Esta discussão que ocorreu em 2012 foi muito interessante por ter levado a que ocorresse uma redescoberta da fantástica civilização Maia. É uma pena que grande parte dos seus registros tenham sido destruídos.
Céu limpo para todos
A seguir apresento algumas referências sobre a Astronomia dos Maias:
- Sokol, Joshua, The stargazers, Science, Vol 376, Issue 6597 https://www.science.org/content/article/what-did-ancient-maya-see-in-stars-their-descendants-team-with-scientists-find-out
- Giacomo, Carmin Rae. 2021. Astronomy of the Ancient Greeks and Mayas: A Comparison of Scientific Observations and Innovation. Master’s thesis, Harvard University Division of Continuing Education. https://dash.harvard.edu/handle/1/37367695
- Saturno, William A., et al., “Ancient Maya Astronomical Tables from Xultún, Guatemala.” Science 336 (2012): 714–17
- Milbrath, Susan, Star Gods of the Maya: Astronomy in Art, Folklore, and Calendars, University of Texas Press, 2000
- Ancient Maya: The Tools of Astronomy – documentário no History Channel
- Bricker, Harvey and Bricker, Victoria , Astronomy in the Maya codices, Memoirs of the American Philosophical Society, Volume 265