O outro onírico
Conto inédito no mesmo universo de “Pulsares”, romance de Nelson Job lançado recentemente pela editora Mondru. O conto se situa entre os capítulos 09 e 10 de “Pulsares”.
Sinopse: Em um futuro próximo sob um Governo Único opressivo, a humanidade enfrenta misteriosas pulsações cósmicas que transformam a realidade e concedem novas habilidades a alguns indivíduos. Acompanhamos as jornadas de Aion, um enigmático manipulador de bioluz, Mixa, uma artista tecnobrega em ascensão, e Kyra, uma jovem que manifesta poderes extraordinários devido a essas pulsações. Juntos, eles buscam compreender a natureza dessas mudanças cósmicas, enquanto tentam se proteger de forças secretas, como os Darkstone, que desejam controlar o poder emergente das pulsações e seus portadores. A narrativa explora as consequências dessas alterações universais em múltiplos níveis, desde o individual ao social, em um cenário de incertezas e transformações.
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O outro onírico
– Vô falar pela milésima vez, pessoal, não dá pra dar esse mole, não dá! Vocês já entenderam o mundo que a gente vive. Existem pulsações…
– “Cósmicas que alteram as leis da física”, tô cansada de saber, chefinho.
– Então ótimo, Mixa, porque hoje de tarde você cantou alto e, devido as pulsações cósmicas que potencializam e materializam suas ondas sonoras, você rachou a parede do seu quarto de novo!
– Tudo pela arte, chefinho.
Não sei quanto tempo eu aguento isso mais. Liv passa com o chá e cochicha em meu ouvido.
– Tentar pegar leve, Aion, não tá fácil pra ninguém.
Suspiro. Concentro.
– Olha, eu sei que tudo isso é muto difícil, é um mundo novo, com regras que mudam o tempo todo e a gente tá tentando se entender e se virar nisso tudo. Mas precisamos ter um pouco de discipl…
Um pokémon ou algo assim pula no meu ombro e desaparece.
– Kyra! Pelamor!… Você se desconcentrou de novo!
– Desculpa, Aion! Tô com esse animê na cabeça…
– Tá vendo, ela simplesmente ficou pensando no animê e materializou a desgraça do personagem!
– Ah, não fala dele assim…
– Chefinho, dá um tempo. Vamos relaxar. Bora assistir um filme.
– É, pelo visto não consigo mais nada com vocês hoje, a gente recomeça amanhã de manhã sem falta, ok? Só não assistam filme de terror, por favor. Só me falta aparecer o Monstro da Lagoa Negra na minha banheira…
Nós assistimos o filme, sem grandes decorrências, a não ser uma nave espacial que passou no corredor, eu acho. Estão todos dormindo na sala. Não vou acordá-los pra irem pros seus quartos porque vão até me xingar. Vou deixá-los aí e tomar um uisquinho pra relaxar.
Pego meu puro malte quase no fim. Coloco no copo de requeijão, porque nem copo de uísque temos por aqui. Dou uma golada e deixo o sabor se esvair lentamente em minha língua. Contemplo a noite lá fora, quase silenciosa. Kyra tá com sono agitado. Isso não vai dar certo. Deixa eu vigiar mais um pouquinho.
– Dá um gole aí.
– Quem é você? Como entrou aqui?
– Sou Aion, quem mais?
– Não, Aion sou eu.
– Ah, você também?
– Cara, olha, não sei como você entrou aqui, mas é melhor você sair agora senão…
– Senão o quê, vai usar as variações das pulsações cósmicas pra criar um campo que vai me repelir?
– Como você sabe que eu faria isso? Você é um telepata?
Ele dá uma leve desaparecida, Kyra se move vira pro outro lado no sofá. Ele volta. Putz…
– Esse uísque até que é bom, mas já tomei melhores. E cá entre nós, esse campo que você ia fazer não ia dá nem pro cheiro.
Ninguém merece! Acho que Kyra tá sonhando comigo e materializando a merda do sonho!
– Vamos treinar esse campo seu. Vou te ensinar um bem melhor.
– Olha aqui, hã… Aion, eu sei que você… sabe tudo, é muito bom líder e tal, quer o bem de todo mundo, mas não tô a fim de aprender campo nenhum, não.
– Como assim? Você sabe o risco que você tá correndo? Sabe que os Darkstone, uma família poderosíssima tá atrás da gente e quer controlar todos que têm essa sensibilidade com as pulsações cósmicas?
– Se sei, meu chapa. Fiquei preso anos com eles.
– Ora, que coisa, eu também! Posso te ensinar como escapar de uma prisão de segurança máxima dos Darkstone e…
– Ei, Aion.
– O quê?
– Cara, você é insuportável.
– Você tem que entender, tá tudo em jogo aqui!
– É, mas as pessoas têm seus limites, um verdadeiro líder tem que saber dosar as exigências com um descanso, com momentos de leveza. Cara, o mundo tá cada vez mais instável, as pessoas precisam desenvolver um senso de comunhão e camaradagem. Relaxa.
– Você… acha…
A minha versão onírica evanesce. Kyra acorda. Ela olha pra mim, ainda meio grogue. Eu pego o cobertor e a cubro. Dou um beijo em sua testa. Sussurro “dorme bem”.
Dou uma última golada no uísque. Olha pra Kyra, Mixa e Liv. Ok, o mundo tá de cabeça pro ar, mas amanhã a gente vai ao shopping. Eu odeio, mas elas adoram. Que as pulsações cósmicas expressem uma tarde minimamente agradável.