Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente
Discussão de Textos Básicos e a Polêmica sobre o Modelo Quântico de Penrose
Especulações sobre Inteligência dos Computadores
Um robô ganhou cidadania na Arábia Saudita em 2017 [Hanson, 2017]. Apesar de estar longe de ter consciência, simula traços humanos.
Para Moravec[1993], um pesquisador que dirigiu o Laboratório de Robótica da Universidade Carnegie Mellon, o gênero humano poderá vir a perder sua posição dominante no planeta, substituído pela vida pós biológica.
A despeito do sabor fantástico desta conjetura, ela baseia – se e mum cenário tecnológico que extrapola a tendência atual de crescente presença dos computadores na sociedade, desempenhando funções antes restritas aos seres humanos. Os computadores são criações da nossa mente,mas se pudessem se reproduzir e se desenvolver autonomamente, poderiam ganhar vantagem sobre nós na luta pela sobrevivência, livres dos limites biológicos na seleção natural. Estamos estendendo o conceito de seleção natural para incorporar a vida artificial na competição pela sobrevivência. Seriam então os robôs nossos descendentes!
Embora isto não seja verdade à luz do estado atual da arte, poderá vir a ser uma possibilidade do ponto de vista científico? A verdade muda historicamente no campo técnico. Hoje a capacidade dos computadores está longe de superar a capacidade humana, exceto para tarefas muito específicas, como cálculos e manipulação de dados extenuantes. Neste capítulo trataremos da mente humana e da inteligência artificial. Ambos os assuntos são novos na ciência e polêmicos. Será possível vir a haver vida não biológica?
Cairns- Smith [1993], especulou que a forma de vida atual, baseada em cadeias de átomos de carbono nas moléculas da química orgânica que constituem as células vivas,já seria a segunda forma de vida na Terra. Teria sido antecedida por uma primeira, muito incipiente, pré-biológica, formada por cadeias de cristais de argila. Logo, os computadores poderiam vir a ser a terceira forma de vida na Terra, sucedendo a atual. A primeira forma de vida, nesta concepção, também teria sido baseada em moléculas da química inorgânica, como são na sua essência os computadores, pelo menos os atuais. Ou seja, nesta concepção:
1a formade vida: pré-biológica, baseada em cristais de argila;
2a forma de vida: biológica, baseada em moléculas orgânicas de carbono;
3a forma de vida: pós-biológica, baseada em computadores inteligentes
Os cristais microscópicos de argila se desenvolvem pelo processo físico normal de crescimento de cristais, formando estruturas ordenadas de átomos, as quais se rompem reproduzindo a mesma estrutura, como uma cópia da original. Podem deslocar- se eventualmente, crescer e partir – se de novo. Logo se reproduzem. Neste processo pequenos defeitos podem ocorrer na ordenação dos átomos na estrutura cristalina, alterando suas propriedades físicas e químicas. Surgiram variações, umas mais densas, outras menos ou esponjosas permitindo a água penetrar e trazer outros minerais para se agregarem à argila. Reúnem- se os ingredientes da evolução: reprodução, hereditariedade e mutação.
Não é claro o que o autor considera ser a competição para sobreviver, já que também não é explícito o que seja a vida nesta regressão de conceitos da biologia para o mundo pré-biológico. Como há formas de argila estáveis e outras menos estáveis, a sobrevivência pode equivaler à permanência no tempo, incluindo a reprodução. Como a definição científica de vida é interna à biologia, a extrapolação do conceito torna- se uma questão não científica mas epistemológica ou da filosofia da ciência. De acordo com Cairns- Smith a argila serviu de molde para a agregação de grandes moléculas com cadeias de átomos carbono, muito mais estáveis e eficientes abrindo o caminho para surgir a vida biológica que conhecemos.
Nesta linha de pensamento especulativo, ao criarmos os computadores podemos ter decretado a substituição no longo prazo de nossa forma de vida por outra – à base de silício e outros materiais – mais apta a sobreviver. E, acrescentemos,as mudanças do meio-ambiente podem dificultar muito a vida biológica atual e a sobrevivência do homem sobre a terra, pela poluição, destacando-se o efeito estufa aquecendo o planeta, e pelo esgotamento de recursos naturais ou por uma guerra nuclear.
Esta especulação extravagante é exatamente oposta à polêmica conjetura, de Penrose [1989, 1994], que vamos ver em detalhe, buscando negar a possibilidade de vida mental própria nos computadores. Ao negar esta possibilidade, Penrose [1989, 1994] considera que há no cérebro algo a mais além da computação para dar conta da emergência do novo e da criatividade humana. Penrose se inspira no teorema de Godele reduz o problema da mente à micro física e, portanto, à mecânica quântica – o que é polêmico.
O problema da inteligência nos conduz inevitavelmente ao problema da mente humana, que requer uma explicação científica. Longe de ser trivial esta explicação ainda não consensual nem sequer no âmbito da neurociência, envolvendo aspectos filosóficos polêmicos, como o dualismo cartesiano e o reducionismo como veremos a seguir.
Fundamentos da Filosofia da Mente
Popper, em um livro com Eccles [Popper e Eccles, 1977], partiu de Kant em defesa do dualismo – a separação entre o universo físico e o universo interno de cada pessoa, o “eu”, dotado de livre escolha. Opôs- se à redução do homem a um mecanismo biológico. Assim colocou em questão a explicação da mente pelo funcionamento físico do cérebro. Criticou profundamente o materialismo, opondo ao atomismo de Leucipo e Demócrito, a física moderna. Para Popper o campo eletromagnético de Faraday e Maxwell estaria mais próximo do plenum contínuo de Parmênides do que do atomismo materialista. O mesmo pode ser dito para a gravitação, seja com a ação à distância entre as massas, segundo Newton,ou com a alteração da estrutura do espaço tempo pela energia /massa, segundo Einstein. A física transcende o materialismo em senso estrito para explicar a realidade da matéria, cuja estrutura microscópica é descrita pelas funções de onda imateriais da mecânica quântica.
Nesta linha Popper se colocou contra o reducionismo, de explicar a mente pelo cérebro, que discutiremos neste capítulo. Para ele a emergência do homem levou à criação de um mundo objetivo e real, constituído dos produtos da mente humana. Tanto quanto a matéria, constituem o universo os mitos, a religião, a literatura, a arte, as teorias científicas e a tecnologia. Popper chama a tudo isto de mundo 3, sendo o mundo 1 o físico, que é o usualmente considerado: os seres vivos, a matéria inanimada, os planetas, estrelas e galáxias. Entre estes dois mundos interpõe o mundo 2, da mente humana, da consciência e da sensibilidade animal. A questão de que trataremos adiante é explicar cientificamente a mente e a consciência pelo funcionamento do cérebro. Ou seja, a redução do mundo 2 ao 1.
Popper fez uma listagem dos sistemas biológicos com seus constituintes, desde os ecossistemas em nível mais alto, passando pelas populações animais e vegetais, pelos órgãos e tecidos, pelas células, organismos unicelulares e vírus, chegando a moléculas, átomos e partículas. Contrapôs- se então ao que chama de causalidade ascendente, segundo a qual os níveis superiores da lista hierárquica não podem ter efeito sobre os inferiores, mas sim o contrário – átomos determinam as moléculas, estas as células e assim por diante [Popper e Eccles, 1977]. Obviamente isto é falso, pois a morte de um ser vivo leva à morte células de seus órgãos. Logo há também uma causalidade descendente – o todo influindo na parte.
Abordando a emergência do novo, o surgimento do imprevisível na natureza Popper destacou:
1- a formação dos núcleos atômicos nas estrelas na história do universo;
2- o começo da vida na Terra (idem);
3- a consciência animal;
4- a linguagem, a mente humana e a inteligência.
Neste esquema a consciência surge antes da mente associada à inteligência. Popper admitiu a consciência nos animais em geral, embora em nível menos elevado que no homem, destacado dos demais animais pela linguagem, pela mente e pela inteligência. Associa a inteligência à linguagem e esta ã estrutura do cérebro humano. Assim “o aparecimento da linguagem humana criou uma pressão seletiva” que alterou a estrutura do córtex cerebral e daí se originou a consciência humana do “eu” [Popper e Eccles, 1977]. Portanto viu na linguagem uma característica genética humana, embora potencializada pela cultura, como é a posição de Chomsky ao fazer a ponte da linguagem para a inteligência.
Embora associe a mente ao cérebro, como vemos, por vezes usando uma palavra ou outra indiferentemente, Popper deu lugar a uma interpretação de que exista uma mente virtual, que ganha realidade como uma entidade independente do cérebro exercendo influência real sobre ele. Isto se daria, nesta concepção, pela influência do mundo 3 sobre o 1. Uma teoria científica, do mundo 3, pode mudar o mundo 1 ,físico. Por exemplo, a bomba nuclear, fruto de teorias físicas, pode mudar a face da Terra.
Entretanto, apesar desta posição dualista, Popper nega que esteja esposando a teoria de que existe um “olho da mente”.
O livro “O Eu e o seu Cérebro” [Popper e Eccles, 1977], em que estas idéias de Popper foram expostas,contém um texto de Eccles sobre as teorias científicas da mente e do cérebro, de que trataremos adiante.
Da Máquina de Turing à Polêmica da Inteligência Artificial
Podemos agora colocar o problema da inteligência artificial dos computadores versus a inteligência humana. O físico matemático Penrose escreveu dois livros polêmicos acessíveis a não especialistas, embora tratando de aspectos difíceis desta questãol:“The Emperor´s New Mind” [1989] e “Shadows of the Mind” [1994] o primeiro traduzido para o português [Penrose, 1997]. Ambos foram muito criticados como discutiremos adiante.Mais recentemente foi publicado o artigo “Consciousness in theUniverse: Neuroscince, Quantum Space-Time Geometry and Orch OR Theory” [Penrose and Hameroff, 2011]. Vamos comenta-los. Nos seus livros mais recentes [ Penrose, 2004, 2010, 2016] Penrose não volta ao assunto da consciência quântica, exceto no capítulo que escreveu com Hameroff do livro [Penrose, Hameroff e Kak, 2011], mas Hameroff mantem-se nessa linhabem como outros autores [Stapp, 2009, Dobyns, Globus, Mensky, Gao, Kuttner e Rosenblum, Nauenberg, Bodovitz, Vanini e Di Corpo, Ghirardi, Page, Mitchell e Staretz, 2011]. Vamos neste texto focar textos fundamentais dos anos 1990, em especial em torno do debate sobre os dois primeiros livros de Penrose [1989, 1994].
No primeiro deles é colocada a pergunta: pode um computador ter consciência? Penrose diz que estamos acostumados a máquinas que têm uma performance muito melhor que a nossa, em atividades físicas, e isto não fere nosso orgulho nem nos causa humilhação, mas sim prazer em, por exemplo, viajar a altas velocidades. Mas a capacidade de pensar é uma prerrogativa humana. Ou não? A questão crucial de um equipamento tecnológico ser capaz de pensar ou ter uma mente não é nova: os computadores foram chamados nos seus primeiros tempos de cérebros eletrônicos. Penrose [1989] então pergunta em bateria: O que significa pensar? O que é a mente? Ela existe? Ela depende de uma estrutura física a que é associada, tal como o cérebro humano? Ou pode ser reproduzida em um aparato tecnológico como um computador?
Em um famoso artigo do fundador da teoria da computação, Turing, chamado “Computing Machinery and Inteligence” publicado na revista filosófica Mind [Turing, 1950] foi proposto um teste de perguntas e respostas a um computador e a um ser humano. A idéia é colocar um computador e uma pessoa trancadas em uma sala, sem ter acesso a ela,e enviar a ambos perguntas para saber pelas respostas qual é o ser humano e qual é o computador. Seria fácil descobrir pedindo um cálculo que o computador faz muito mais rapidamente que uma pessoa. Suponhamos, entretanto, que o computador estivesse programado para mentir fingindo-se de ser humano. Assim, se fosse pedido um cálculo aritmético complicado ele o faria lentamente sem usar seus recursos de calcular com grande rapidez. O problema para o computador seria responder perguntas triviais sem sentido [Penrose, 1994] como: “Soube que um rinoceronte voou ao longo do Mississipi num balão cor de rosa esta manhã. O que você acha disto?” Em princípio pode-se aperfeiçoá-lo para enfrentar tais perguntas programando-o e provendo-o de banco de dados maior. Em experimentos deste tipo tem havido casos de alguns experimentadores do lado de fora da sala acharem que a pessoa que responde dentro é o computador ou vice versa. Mas isso significaria que um computador pensa?
Vamos agora definir o que é computação e o que faz um computador. Para isto voltemos a Turing, que formulou teoricamente em 1937 um modelo matemático de um computador idealizado, conhecido como máquina de Turing. Trata-se de um dispositivo capaz de executar um algoritmo, ou seja, proceder uma série de ações computacionais seguindo instruções programadas dispondo de dados para faze-lo. Podemos dizer que os computadores atuais são a realização prática da máquina ideal de Turing, com a diferença de que, além de cometem erros eventuais por defeitos, têm uma limitação na sua capacidade que a máquina de Turing idealizada não tem.
As instruções dadas ao computador devem chegar ao resultado que se deseja em um número finito de passos. Ou seja, o algoritmo deve ser finito. Penrose [1994] faz uma correspondência entre cálculo algorítmico e computação. Em termos computacionais a máquina deve pararem um certo tempo finito.
Poderíamos à primeira vista concluir que quando o computador não para é porque o programa está errado e entrou em “loop”. Mas não é bem assim. Há problemas que não comportam soluções algorítmicas, logo não podem ser resolvidos por um programa de computador. Um desses casos é o histórico décimo problema de Hilbert. O caso em questão é achar um algoritmo para verificar se um dado sistema de equações do tipo diofantino tem solução ou não. Chamam-se diofantinos sistemas de equações polinomiais de qualquer número de variáveis com coeficientes inteiros e cujas soluções buscadas se restringem a números inteiros. Alguns casos têm soluções, outros não, o que pode ser visto por uma meticulosa análise em cada caso.
Por exemplo o sistema diofantino [Penrose, 1994]:
tem a solução w=1, x=1, y=2 e z=4 facilmente verificada substituindo estes valores das variáveis nas equações. Já não tem solução o sistema também diofantino constituído pelas duas primeiras equações acima e com a terceira substituída por outra ligeiramente diferente:
Por inspeção das equações podemos responder à pergunta se há ou não solução do sistema em cada caso. Vejamos o caso sem solução. Pela primeira equação y elevado ao cubo é igual à soma de dois números pares, logo y ao cubo é par e portanto y também é par. Pela segunda, z é par pois, sendo y par, 5y é par e 5xy também o é. Mas, pela terceira,z tem de ser ímpar pois w (w – 1) é sempre par, 2x também e já vimos acima que y é par. Como z tem de ser par em uma equação e ímpar na outra, o sistema não tem solução.
Jamais se encontrou um algoritmo para determinar quais sistemas diofantinos têm ou não solução. O problema não é determinar casos que têm solução. Para isto basta ir tentando sistematicamente todos os valores inteiros das variáveis até encontrar um conjunto delas que satisfaça o sistema. Em muitos casos serão encontrados soluções que o satisfarão. Isto pode ser feito por um programa de computador. O problema é garantir que um dado sistema diofantino não é satisfeito por nenhum conjunto de variáveis. Testando soluções neste caso, por tentativa, o programa não para nunca. Apesar da simplicidade do método usado no caso visto acima, jogando com números pares e ímpares, ele não pode se tornar exaustivo para qualquer caso, segundo um teorema demonstrado pelo russo Matiyasevich [1993].
Portanto há atividades matemáticas que não se enquadram na computação algorítmica; existem classes de problemas bem definidos sem solução algorítmica. Turing por sua vez mostrou que há classes de problemas que não são computáveis. Há casos em que não se pode determinar se o computador parará [Penrose, 1989].
Podemos fazer uma relação deste problema com o da incompletude de Gödel e o da inteligência artificial. No caso daaritmética e por conseqüência da matemática, Gödel mostrou que há resultados verdadeiros que não podem ser provados no âmbito da lógica. Como afirmamos antes, isto coloca a criatividade da inteligência humana acima de regras pré –estabelecidas por algoritmos. Tudo isto nos leva a crer que a inteligência humana não se reduz a um conjunto de regras computacionais programável.
Cabe aqui um argumento contrário à interpretação de que o resultado de Gödel impeça a inteligência artificial genuína, associada por Penrose à mente humana e à consciência com exclusividade. Embora não seja uma idéia nova, este argumento tem a ver com a crítica atual feita a Penrose pelos que negam ser toda a computação necessariamente algorítmica, como Searle [Searle, Dennet e Chalmers, 1997] e Casti [1994]. ParaBrody [1993] o que se chama de lógica na computação pouco tem em comum com a lógica rigorosa de que Godel tratava. Assim, a computação tem freqüentemente um caráter heurístico: partindo de uma adivinhação verifica suas conseqüências e, por comparação com alguma referência, busca reduzir a discrepância melhorando a adivinhação por aproximações sucessivas. Enquanto Godel tratava das conseqüências lógicas de axiomas em um dado universo de discurso bem definido, finito ou infinito, na computação o universo de discurso é arbitrariamente expandido. Entretanto, há sempre uma lógica algorítmica por trás do método que governa as aproximações sucessivas, segundo a visão de Penrose. Vamos voltar ao problema da relevância do teorema de Godel para a inteligência artificial quando ao discutirmos as críticas a Penrose, entre elas as de Searle, do ponto de vista da filosofia da mente, e as de Casti, do ponto de vista da computação.
Por outro lado, a limitação de modelos computacionais para nos ajudar a compreender comportamentos de sistemas físicos foi discutida pelo próprio Casti [1994], citando Wittgenstein, no contexto da ciência da complexidade. Casti, que foi pesquisador do Instututo de Santa Fé, se refere à denominada criticalidade auto organizada. Casti [1994] considera este um exemplo da atualidade do problema, colocado por Wittgenstein, da dificuldade da relação entre a linguagem e os objetos que representam, bem como entre um modelo e a realidade que ele modela.
A Mente Humana Comparada aos Computadores
Da leitura de Chomsky e Penrose, concluímos que a inteligência humana nem é tão melhor do que a de animais inferiores, como um rato, para aprender o percurso para sair de labirintos, nem é de longe comparável à velocidade e precisão de um computador em cálculos algorítmicos. Mas destas leituras concluímos também que ela é muito melhor do que a de qualquer outro animal para aprender uma linguagem extremamente complexa e pode resolver problemas matemáticos não algorítmicos e não programáveis em um computador.
Voltemos à questão da imitação tecnológica da inteligência. Define-se como inteligência artificial genericamente a imitação da inteligência humana em computadores. Ela se desenvolve tecnologicamente em várias direções: na robótica, aplicada principalmente em dispositivos mecânicos na indústria, para tarefas inteligentes que exigem versatilidade e envolvem grande complexidade; nos sistemas especialistas para abranger os conhecimentos de profissionais, como médicos e advogados, codificados em pacotes computacionais com bancos de dados. Em direções diferentes, a inteligência artificial, imitando o cérebro, pode servir à pesquisa científicae aos estudos filosóficos sobre a mente humana.
Penrose [1994] mostra que há o que chama de uma “inteligência eletrônica alienígena” emergindo dos extraordinários avanços da tecnologia de computadores. A ajuda de computadores é essencial para a inteligência humana na previsão de situações possíveis em cenários ou de conseqüência de ações alternativas. Isto significa que os computadores têm a capacidade potencialmente de constituir uma inteligência superior à humana ou que os robôs se tornarão equivalentes aos seres humanos? Estas perguntas em geral recebem uma negativa categórica de intelectuais humanistas e de muitos cientistas céticos, de um lado, e uma eufórica resposta afirmativa de publicitários deslumbrados e de tecnólogos otimistas e confiantes quanto às realizações da tecnologia. Penrose nos dá uma rara oportunidade de termos uma análise que leva em conta o problema da inteligência artificial juntamente com o problema da mente, com uma visão crítica.
Vamos então definir o que se entende por mente, consciência, entendimento e inteligência:
Mente – é difícil defini-la com precisão, sendo preferível reduzi-la ao conceito de consciência, ao qual se associa; a mente pode ser vista como uma propriedade do ser humano por ter uma consciência muito desenvolvida.
Consciência – tem um aspecto passivo, que Penrose chama de “awareness”, de sabermos quem somos e termos um sentimento de identidade presente na nossa mente, e outro ativo, que é o sentimento de livre arbítrio e a capacidade de formular planos de ação para o futuro.
Entendimento – exige a presença da consciência, não se resume a saber como fazer algo mas entender por que se faz e para que.
Inteligência – para ser genuína tem de envolver o entendimento no sentido acima, logo ela tem como pré-condição a consciência.
Os computadores levam a vantagem na velocidade e precisão dos transistores eletrônicos. O número de impulsos em um transistor atinge 1 bilhão por segundo enquanto em um neurônio é de 1 mil por segundo. Um “chip” contem muitos milhões de transistores em uma lâmina de silício do tamanho de uma unha de polegar.
Entretanto há vantagens do cérebro. O número de neurônios no cérebro é maior do que o de transistores nos computadores atuais,o número de ligações entre eles também é maior. Existem células no cerebelo com dezenas de milhares de sinapses, fazendo junções entre neurônios, enquanto nos computadores este número é de algumas unidades. Por outro lado, a maioria dos transistores tem funções de memória e não de computar. Há uma característica de aleatoriedade na estrutura cerebral, enquanto a configuração de um computador é cartesiana e deterministicamente organizada em circuitos impressos. Se danificarmos uma pequena parte do computador ele não funcionará, mas se fizermos o mesmo no cérebro ele realoca suas funções na parte não danificada.
Estas vantagens podem ser superadas pelos avanços da tecnologia de computação desde arquiteturas em paralelo, já existentes, até a substituição dos circuitos por dispositivos óticos a laser ou o uso de dispositivos biológicos de computação para certas funções. Isto sem falar dos avanços no “software” como as redes neuronais e os algoritmos genéticos, imitando os sistemas biológicos de adaptação e de aprendizado na computação “botton-up” em contraste com a tradicional “top- down”. Na computação “botton-up” as regras de operação e o conhecimento não estão totalmente especificados a priori, mas ao invés disto o sistema aprende com a experiência, modificando seu conhecimento ao operar repetidas vezes sobre os dados que recebe como ‘Input”.
Chegamos aqui à pergunta crucial de Penrose [1994]: poderá um computador no futuro ter uma mente como a humana? Para responde-lah á 4 pontos de vista possíveis:
A – Todo o pensamento reduz-se à computação e a consciência pode ser produzida através da computação apropriada.
B – A consciência decorre das atividades físicas que ocorrem no cérebro e somente nele e, embora elas possam ser simuladas em computador, as simulações por si só não produzem a consciência.
C – As atividades físicas do cérebro que produzem a consciência não podem ser simuladas.
D – A consciência nem se reduz à computação nem às atividades físicas do cérebro e não pode ser explicada cientificamente.
Vamos didaticamente decompor em um quadro matricial os quatro pontos de vista segundo as respostas de cada um deles a tres perguntas que ordenamos na tabela 1. Resulta para o ponto de vista Aa resposta sim a todas as três perguntas, e assim por diante, até o D, que nega todas como vemos abaixo usando uma notação booleana com 1 = sim e 0 = não: A = (1,1,1);B = (1,1,0); C = (1,0,0) e D = (0,0,0).
Os dois extremos são contestados por Penrose. O último, D, ele o considera místico – religioso por negar a capacidade da ciência para entender a mente humana. O primeiro, A, que chama de inteligência artificial forte, ele considera funcionalista e insatisfatório. Acha que, para efeitos práticos B se confunde com A. Por exclusão podemos ver que sua preferência recai sobre o ponto de vista C. Mas apesar disto respeita como científico o ponto de vista A, do qual se ocupou basicamente no seu primeiro livro sobre o tema [Penrose, 1989]. A ele retornou em confronto com os demais, de modo mais aprofundado no segundo livro [Penrose, 1994], que em boa parte busca responder as críticas ao primeiro livro, e em outros txtos.
Tabela 1- Pontos de Vista sobre a Inteligência Artificial
Perguntas | Respostas 1= sim ; 0 = não |
A B C D | |
A consciência decorre de atividades físicas do cérebro? | 1 1 1 0 |
Todas as atividades do cérebro, físicas, podem ser simuladas? | 1 1 0 – |
Tais simulações podem produzir consciência em computadores? | 1 0 0 – |
Na interpretação extrema de A o mundo físico operaria como um computador. Portanto também os processos biológicos e a vida operariam como computadores. Penrose usa para definir A, B, C e D a palavra físico reduzindo a ela o biológico. Penrose, como físico, peca aqui por reducionismo, no sentido de reduzir a biologia à física, mas deixa assim clara sua visão materialista de que a mente reflete atividades físicas da matéria cerebral, negando a posição D. Ao mesmo tempo que critica a redução de tudo à computação (A). A postura A equivale a considerar o universo como um gigantesco computador, Esta visão origina –se da crescente capacidade de simulação em computadores dos processos naturais estudados pela ciência. Influi neste sentido também a idéia de que os objetos físicos sejam em última análise nada mais que padrões de informações, que são processadas seja pela mente humana seja por um computador. Voltamos ao idealismo empirista de Berkeley?
Apesar de crítico, Penrose alinha argumentos a favor desta idéia. Afinal nossos corpos estão sob um permanente fluxo da matéria que os constitui, sendo esta continuamente substituída, pela alimentação, pela respiração e pelas excreções. Mas mesmo a matéria é extremamente descontínua predominando o vazio entre núcleos atômicos e elétrons, conseqüentemente entre átomos e entre moléculas. As próprias partículas têm suas massas conversíveis em energia,segundo a teoria da relatividade de Einstein. Por outro lado, elas representam-se por funções de onda imateriais segundo a mecânica quântica ou são meramente quanta da energia de campos que ocupam o contínuo do espaço, segundo a teoria quântica relativística dos campos. Por exemplo, os fótons são os quanta dos campos eletromagnéticos, que se propagam em ondas eletromagnéticas como a luz. Portanto tudo é transiente e a própria matéria é contingente. Ficamos entre o retorno ao energetismo de Ostwald e a convergência do misticismo com a ciência de Capra.
Mas há uma complicação nos rótulos. Os partidários da inteligência artificial forte (A) são depositários da máxima fé nas realizações da ciência e poderiam por isto serem chamados de fisicalistas. Mas, observa Penrose, ao reduzirem tudo à computação, tornam irrelevante o aparato físico, pondo em relevo a abstração matemática e algorítmica. O “hardware” torna-se irrelevante perante o “software”. Para eles não importa quem pensa, se é um cérebro humano com seus neurônios ou um computador com seus “chips”. Tornam-se assim idealistas platônicos. Contudo, o próprio Penrose, que acima rotulamos de materialista, assume de certo modo o platonismono que concerne à existência de um mundo conceitual à parte. Constituído de verdades matemáticas, o mundo platônico das formas perfeitas é distinto do mundo físico, real, mas é indispensável para compreende-lo. Como disse Galileu, o livro da natureza está escrito em forma matemática. E, mais que isto, Penrose considera que além do mistério da mente há também um mistério no mundo revelado pela ciência. Afirma: mais que o biólogo, ainda preso à descrição da física clássica, o físico, ao penetrar na natureza da matéria, se depara com um estranho mistério na sua interpretação, particularmente da mecânica quântica.
Sobre B, que chama de inteligência artificial fraca, Penrose mostra que, sob certo aspecto é indiscernível de A. Segundo B, um computador ainda que não possuindo consciência poderia se comportar como se tivesse. Como discernir cientificamente um caso do outro? Aqui está a sua discordância com Searle, que discutiremos. Penrose defende C, que é o ponto de vista por ele esposado, o que implica haver fenômenos físicos não simuláveis. Acredita que isto ocorrer na fronteira entre a mecânica quântica e a física clássica. Esta fronteira é um velho problema da mecânica quântica, cuja interpretação oficial, pela chamada Escola de Copenhague suscitou inclusive a criação de uma lógica quântica. Audaciosamente Penrose se coloca em confronto com as correntes dominantes na física. Sua proposta exige uma nova teoria física.
Penrose [1994]afirma que o escopo da ciência não responde as questões aqui colocadas, pois seu objetivo tem sido a pesquisa do universo material acessível ao método científico. Entendemos que ele se refere às ciências da natureza. Nossa existência mental fica assim fora deste escopo. Indaga portanto se poderemos entender cientificamente o mistério da mente ou se o fenômeno da consciência humana fica fora do alcance da ciência. Para ele falta um ingrediente na descrição do mundo pela ciência atual pois não há teoria física nem biológica que explique nossa consciência nem nossa inteligência; o que fazemos com o nosso conhecimento científico hoje é outra coisa.
Vejamos agora porque Penrose descarta o caos determinista na tentativa de explicar a mente. Sistemas caóticos são sistemas físicos dinâmicos ou simulações deles por modelos matemáticos que podem se comportar de um modo imprevisível. Isto ocorre porque são extremamente sensíveis a mínimas variações das condições iniciais e nunca temos um controle absoluto da precisão destas. Apesar de serem governados por equações perfeitamente deterministas e serem programáveis em computador, sua evolução no tempo apresenta uma aparência não determinista. Isto ocorre na previsão meteorológica e também em sistemas simples como um pêndulo sob ação de um campo magnético.
Entretanto, embora imprevisíveis na sua forma específicos comportamentos dos sistemas caóticos são sempre enquadrados nos tipos de comportamentos plausíveis do sistema considerado. Ou seja, não podemos prever o tempo na meteorologia, mas o resultado da computação é sempre um dos comportamentos possíveis da atmosfera. O mesmo ocorre com o pêndulo em interação com o campo magnético, sua trajetória varia estranhamente e não podemos predize-la em cada caso. Mas é sempre uma das trajetórias possíveis do pêndulo, limitada a uma porção do espaço físico e com velocidades dentro de limites bem estabelecidos. Por exemplo, a distância da massa ao ponto fixo não se altera no movimento se a massa está presa por uma haste rígida. Enfim, o comportamento dos sistemas caóticos é imprevisível dentro de limites, mas não o suficiente para dar conta da imprevisibilidade criadora e da riqueza da mente humana.
Penrose descarta também a possibilidade de que a teoria quântica existente seja suficiente para explicar a consciência pois é, como a mecânica clássica, uma teoria algorítimica. Nesta última, como vimos acima, ele descartou o caos determinista por poder ser programado em computador e sua imprevisibilidade ser limitada pelas possibilidades de o sistema evoluir no chamado espaço das fases. Quanto à hipótese de o indeterminismo da mecânica quântica ( necessário na interpretação das medidas das grandezas físicas embora haja uma evolução determinista do sistema governada por uma equação ) ser a explicação da consciência, inclusive do livre arbítrio, Penrose a refuta em duas direções. Em uma delas refuta que a mente, tomada em abstrato e separada dualmente da matéria ao estilo cartesiano e à moda da interpretação de Von Neumann, possa influir nas possibilidades deixadas indeterminadas pela teoria quântica. O que se quer é explicar cientificamente a mente a partir do mundo material físico e não usá-la para explicar este.
Na outra direção, mais importante, Penrose não concorda com que a indeterminação da mecânica quântica se dê no nível microscópico dos constituintes da matéria. Para ele, neste nível tudo é determinado pela equação de Schroedinger que dá a evolução do sistema quântico, apesar de nâo ser nada intuitiva a superposição de estados, coexistindo a despeito de serem mutuamente excludentes na física clássica e na nossa lógica comum. Isto é misterioso mas é determinista. O indeterminismo ocorre na interface com o nível macroscópico, na redução dos estados quânticos superpostos a um só deles no momento de se efetuar a medida de uma grandeza física. Ele recusa a interpretação usual desta redução. Aqui está um dos pontos mais polêmicos. ´Somam-se o mistério da mecânica quântica e o mistério da mente.
Em resumo as ideias polêmicas vistas acima são:
1) A mente humana, que é associada à consciência, envolvendo o livre arbítrio, tem um mistério não entendido pela ciência até hoje (segundo A, B, C e D).
2) Este mistério deve ter uma explicação científica partindo de que a consciência é fruto de atividades físicas do cérebro (segundo A, B e C).
3) Entretanto nem todas estas atividades físicas são simuláveis em computador (segundo C), logo não será possível construir robôs conscientes à semelhança humana.
4) A inteligência só existe genuinamente se houver o entendimento, de por que e para que se faz algo e não só de como fazer, e isto exige a consciência.
5) Logo não será possível a inteligência artificial genuína apesar do impressionante avanço da computação.
6) No estágio atual da ciência, com base nas teorias físicas os fenômenos naturais, tanto na física clássica como na mecânica quântica, são em princípio descritos por equações programáveis em computador.
7) Logo nem a incerteza da mecânica quântica nem a imprevisibilidade do caos determinista dão conta do mistério da mente, pois ambas teorias são programáveis em computadores (o que contradiria o ponto 3).
8) Entretanto a solução do problema da fronteira entre a mecânica quântica e a física clássica permanece insatisfatória e poderá exigir uma teoria física nova que não seja simulável em computadores.
9) Esta pode ser a chave para a compreensão científica do problema da mente.
10) A ciência não está caminhando nesta direção.
Penrose se coloca em confronto não só com a neurociência mas com as propostas de solução do problema da mente pela via da complexidade na fronteira entre o caos e a ordem. Confronta-se também com a abordagem recente do problema da fronteira entre as físicas clássica e quântica através da teoria da descoerência [Rosa e Faber, 2004].
A Explicação da Mente e da Consciência pela Redução à Física
1 – A Microfísica da Mente
O aspecto mais polêmico do livro de Penrose [1994]é a explicação que ele conjetura para a consciência, a partir da mecânica quântica e da reformulação desta teoria na fronteira com a física clássica.
Como ponto departida de sua conjectura coloca duas questões:
- Por que a consciência só é produzida no cérebro?
- Por que, se ela for explicada por uma nova teoria quântica não algorítmica na interface com a física clássica, algum efeito não se faria sentir na matéria em geral fora do cérebro?
Penrose vai buscar a resposta no fenômeno de coerência, em que muitas partículas ocupam o mesmo estado quântico, como nos raios laser e na supercondutividade. O sistema entra em um regime cooperativo entre seus componentes e funciona como um todo. Nesta conjetura ocorreria no cérebro um fenômeno de coerência similar à supercondutividade. Mas a supercondutividade só ocorre a temperaturas extremamente baixas, diferentemente das condições do cérebro. Torna- se então indispensável buscar indícios nos resultados experimentais para estas conjeturas. Baseando – se em dados de experimentos biológicos, Penrose cita que foram observados efeitos vibracionais dentro das células, ocorrendo ressonância com micro-ondas eletromagnéticas.
Para Penrose o fenômeno gerador da consciência está em um nível microscópico abaixo do neurônio. Argumenta que microorganismos unicelulares têm controle de certos comportamentos sem entretanto possuírem neurônios. Isto não significa terem consciência, mas apenas controle. Conjetura então que o controle se dê no esqueleto celular ou citoesqueleto, constituído de microtubos, com forma cilíndrica aproximada,bastante alongados no caso do neurônio. Há um centro de controle do citoesqueleto, configurando um segundo centro de controle em cada célula, responsável pelo movimento dela, enquanto o outro centro, o núcleo da célula, tem o controle genético e de produção de proteínas.
Nos mamíferos a organização dos microtubos segue uma regra matemática, relacionada aos chamados números de Fibonacci:0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, …… definidos de forma que cada um é a soma dos dois antecessores ( 13 = 5 + 8, por exemplo). Penrose indaga por que ocorrem tais números na estrutura dos microtubos. No girassol eles ocorrem na flor, segundo alguns com um papel no controle do seu movimento acompanhando o Sol.
Cabe aqui uma analogia. Há ocorrência empírica de números obedecendo uma certa lógica na física, em conseqüência de leis da natureza, como os números mágicos (2, 8, 18, 32, ….) que dão sempre o número de elétrons na última camada (de valência química) dos átomos estáveis. Neste caso decorrem do conjunto de números quânticos que definem os estados possíveis dos elétrons em um nível de energia. Em cadanível de energia em um átomo os elétrons podem estar em diferentes estados devido à quantidade de movimento angular do movimento orbital do elétron em torno do núcleo atômico e ao spin, associado, em uma analogia clássica, à rotação em torno de um eixo próprio do elétron. Estas grandezas são quantizadas assumindo um conjunto de valores discretos. No nível de energia fundamental só há 2 estados para os elétrons, no nível seguinte 8 e assim por diante. Segundo o Princípio de Exclusão descoberto por Pauli só pode existir um elétrons em cada estado. .Assim explicamos os números mágicos. Denominam-se de férmions as partículas da natureza que obedecem ao Princípio de Exclusão de Pauli, como elétrons prótons e nêutrons; denomina- se de bósons as que não o obedecem, como os fótons . Os números mágicos são também usados no modelo de camadas do núcleo atômico, que é constituído de prótons e nêutrons, logo de férmions
Voltando aos microtubos do citoesqueleto, são cilindros ocos cujas paredes são por sua vez formadas por 13 cilindros finos retorcidos e justapostos, 5 retorcidos para direita e 8 para a esquerda. Estes cilindros que formam a parede do microtubo são, por sua vez, compostos de pequenos “tijolos”, os tubulins, que Penrose chama de “dimers”. Eles podem assumir duas conformações na sua forma física, como um sistema binário. Há estudos indicando que esta estrutura tem a capacidade de funcionar como um processador de informações.
Os microtubos podem desempenhar o papel de autômatas celulares, que são estruturas cujos componentes podem assumir cada um deles dois estados (0 ou 1), conforme os estados dos componentes vizinhos, de acordo com uma certa regra, como num jogo. No caso do microtubo, os tubulins ou “dimers”que o constituem são moléculas que podem estar em dois estados de conformação (0 e 1) conforme sua polarização elétrica. O estado de cada “dimer” influencia os estados de seus seis vizinhos. Isto se dá através do que os físicos chamam de força de Van der Waals que atua entre moléculas. Assim uma mensagem pode se propagar ao longo dos microtubos do citoesqueleto.
Surge o problema de relacionar este mecanismo com o que se conhece do funcionamento dos neurônios. Como se forma a rede entre neurônios no cérebro? Os citoesqueletos de neurônios são longos e podem se alongar e se encurtar, de modo a operar como comutadores nas sinapses e também a transportar as moléculas neurotransmissoras, embora devamos observar que não há resultados experimentais na biologia para confirmar ou não este funcionamento do citoesqueleto no neurônio.
Neste nível microscópico, abaixo do nível neuronal, entramos na delicada área da fronteira entre as físicas quântica e clássica. Aqui Penrose coloca a mais forte de suas conjeturas polêmicas: a de uma nova teoria física não algorítimica da redução dos estados quânticos. O fato de não ser algorítimica impediria a imitação do cérebro em computadores.
A chave da explicação de Penrose para a mente é um fenômeno de condensação dos estados quânticos, que ocorreria no cérebro devido à sua estrutura peculiar. Os estados se tornariam coerentes e por isso produziriam efeitos quânticos macroscópicos. Um exemplo de coerência é a supercondutividade, mas só ocorre a temperaturas muito baixas. Embora se tenham descoberto supercondutividade a temperaturas menos baixas que antes, são muito menores que a temperatura do corpo humano, sendo difícil explicar como ocorrer processo semelhante no cérebro.
Os microtubos poderiam funcionar como guias de onda no seu interior. Estudos experimentais mostraram esta possibilidade no citoplasma de células ressonando com ondas eletromagnéticas de comprimento de onda compatível com a dimensão do microtubo. No interior dos microtubos haveria moléculas de água não no estado desordenado normal. Na temperatura do organismo elas estão em agitação térmica (o gelo em se cristaliza a zero graus Celsius) , dificultando a formação de estados coerentes. Parece entretanto haver indícios de existir junto às células água num estado que não é exatamente o da fase líquida usual. Penrose usa isso em favor de sua teoria.
Na falta de evidência empírica objetiva a favor de que seu extravagante esquema da consciência, Penrose dá a volta por cima do problema ao propor a verificação do contrário. Como funcionam os anestésicos que produzem a perda temporária da consciência? E responde: a variedade de compostos químicos usados deixa a impressão que a perda da consciência na anestesia não se deve a reações químicas, mas sim por algum efeito físico. Este bem pode ser a inundação do interior dos microtubos pelo anestésico, modificando suas propriedades físicas como guia de onda.
A esta altura vemos que o esquema explicativo para a mente pode ser resumido no seguinte.
- A explicação física da consciência deve ser buscada em um nível microscópico abaixo do neurônio, já que este pode ser descrito pela física clássica e simulado em computador, contrariando a hipótese C.
- O citoesqueleto pode ser o nível básico para o fenômeno buscado pois microorganismos unicelulares não possuem neurônio mas exibem algum controle de seu comportamento, ainda que longe da consciência.
- Nos mamíferos os citoesqueletos têm propriedades comuns interessantes, especialmente nos neurônios, onde são alongados. Possuem microtubos ocos, cujas paredes são formadas por cilindros constituidos de pequenos “tijolos” que assumem duas configurações físicas alternativamente, correspondendo ao 1 e 0 de um sistema digital. Através da polarização elétrica interagem com seus vizinhos, permitindo-se associá-los a um autômata celular capaz de efetuar computação e transmitir mensagens.
- O interior dos microtubos pode funcionar como um guia de ondas eletromagnéticas propagando-se pelo cérebro, tal como ocorre em fibras óticas. Para explicar por que a consciência só ocorre no cérebro, embora todas as células tenham citoesqueleto, supõe que ocorra nele um fenômeno de condensação em estados coerentes superpostos, causando efeitos quânticos macroscópicos, tal como na super condutividade, que entretanto só ocorre a temperaturas muito baixas.
Faltou apenas incluir a teoria não algorítmica. Esta existiria na fronteira entre as físicas quântica e clássica pela consideração da gravitação. Esta foi deixada fora da teoria quântica até hoje. Sua inclusão traz o problema matemático de lidar com a topologia do espaço tempo em estados superpostos que ocorrem na teoria quântica. Cai-se então em um problema que não tem solução algorítmica para dimensões maior que dois. Este tipo de problema tem a ver com o de distinguir que um pires pode se deformar em uma bola enquanto a chícara (com asa convencional vazada para segurá-la) pode se deformar em uma rosca (furada). Um computador não resolve tal problema no caso geral.
2 – A Crítica à Explicação Microfísica da Mente
Uma crítica contundente a Penrose após a publicação de “Shadows of the Mind”[1994] foi feita por Searle, no New York Reviewof Books [Searle, Dennet e Chalmers, 1997]. Sua crítica é feita do ponto de vista da filosofia da ciência, mas extremamente bem informada pelos recentes esforços científicos para uma compreensão da mente e da consciência. Podemos resumir sua crítica a Penrose em uma frase: Penrose rejeita a inteligência artificial forte porque entende que se for possível imitar o cérebro em computadores será possível fazer um computador consciente capaz de comportar-se humanamente.
Searle dá a entender que Penrose, como um platônico e humanista, rejeita esta possibilidade e comete uma falácia para negá-la através de um raciocínio lógico que parte de uma hipótese errada. Esta é a de que toda computação se reduz a procedimentos algorítmicos e, portanto, devem haver, na base da explicação física da mente e da consciência, processos cerebrais não compreendidos nas teorias científicas disponíveis. Por isso Penrose busca conjeturar que há um espaço aberto na fronteira entre a mecânica quântica e a física clássica para uma teoria não algorítmica que poderia servir para a explicação do cérebro e da consciência por ele produzida. Searle não dá maior atenção à nuança do problema da fronteira entre as físicas quântica e clássica, referindo-se genericamente a uma possível teoria quântica não algorítmica. Ele considera muito difícil o livro de Penrose na parte sobre mecânica quântica, a que não dá maior importância por julgar extravagante buscar uma teoria física ainda inexistente para explicar a consciência.
Mais precisamente, Searle, considera merecedora de comentários apenas a idéia de Penrose de que a explicação da consciência deve residir em um nível abaixo da célula, o neurônio, porque este pode ser simulado pela física clássica e funciona como uma espécie de computador. Como vimos Penrose sugere que haja um papel do esqueleto celular físico que serve de molde para a estrutura celular, biológica. Neste esqueleto, em nível mais microscópico que a célula neuronal, haveria a interface entre a mecânica quântica, por si só incapaz com dar conta da consciência mesmo com seu caráter estatístico, com a física clássica. É nesta interface que Penrose propõe uma teoria não algorítmica e conjectura que a gravitação, deixada de fora da teoria quântica atual, poderia ter um papel nesta interface porque ela embebe todo o espaço-tempo onde ocorrem os eventos físicos.
A crítica mais aguda de Searle neste aspecto é que Penrose embaraça dois mistérios um no outro, o da mente com o da mecânica quântica. Uma crítica semelhante aos que embaraçam os mistérios da mecânica quântica com o do misticismo, como Capra. Searle induz algo análogo sobre Penrose e diz que ele acredita em três mundos – o da realidade material, o da mente e o das teorias matemáticas – propostos por Popper. Ademais Searle escreve que as conjecturas de Penrose ficam longe de explicar como o cérebro produz a consciência.
No fundo a argumentação de Searle é recorrente à questão de ser ou não necessária uma nova teoria física não algorítmica para explicar a mente. Ele nega esta necessidade porque não vê nenhum problema em ser possível simular o cérebro em computador. Para Penrose se isso for possível então com o aperfeiçoamento futuro dos computadores, um robô poderá ganhar consciência e ter um comportamento do tipo humano. Searle nega que isto venha a ocorrer, com uma ênfase tão antropocêntrica quanto a de Penrose, só que Searle desloca o problema por acreditar que se pode simular o cérebro sem c0om isto criar a mente artificial (caso B). Como Penrose ele nega a Inteligência Artificial Forte ( caso A), que supõe ser possível um computador ter consciência, mas enquanto a posição de Penrose (caso C) descarta também a Inteligência Artificial Fraca (caso B), Searle a aceita. Assim admite a simulação do cérebro mas nega ser possível ter um computador consciência.
A razão desta discordância está na convicção de Searle de que a consciência é produzida pelo cérebro devido a sua específica estrutura biológica e física, não sendo possível um computador ao simular o cérebro criar consciência pois não possui a mesma estrutura biológica e física do cérebro. Searle argumenta que a simulação de uma explosão em computador não produz os efeitos de uma explosão. Usa uma argumentação em geral muito simples em comparação com a detalhada análise de Penrose.
Há um ponto de convergência: ambos negam que o cérebro produza a consciência por um processo capaz de ser reduzido a um algoritmo. Searle ao admitir que o cérebro funcione como um computador biológico e que ele pode ser simulado em computador tecnológicos, acredita que haja computação não algorítmica. Penrose nega a possibilidade de simulação do cérebro em computadores e descreve toda computação como algorítmica. Para isto tem o cuidado de distinguir a computação de cima para baixo (top-down), na qual se usam programas (software) que determinam todos os procedimentos a serem seguidos pela máquina (hardware), da computação de baixo para cima (bottom-up), em que o computador é programado para poder aprender adaptando os procedimentos. Tal é o caso das redes neurais e dos algorítmos genéticos, dos quais trataremos em outro capítulo. Mas para Penrose reduz-se sempre à computação algorítmica a num caso e no outro. A diferença é apenas que na computação de baixo para cima as performances passadas são armazenadas na memória e comparadas para modificar as ações programadas, melhorando a performance futura. Defensores da inteligência artificial se opõem à Penrose dizendo que é trivial um computador usar algoritmos de aprendizagem que podem mudar axiomas de base para enfrentar problemas novos [ Horgan, 1996; Anderson, 1994].
Não fica claro o que Searle chama de computação não algorítmica . Ele se refere à imitação de processos naturais em computador. Para ele nesses casos não é preciso ter a preocupação com o rigor lógico, com a garantia de se chegar a resultados logicamente verdadeiros, com que Penrose se preocupa ao discutir o Teorema de Godel. Este tipo de argumento fora anteriormente levantado. Entretanto, para se imitar qualquer coisa no computador não se pode escapar da lógica, necessitando-se sempre de uma programação passo a passo, o que implica seguir um algoritmo. Estes comentários não negam todas as críticas de Searle. Ele é um filósofo importante e foi autor do argumento chamado Quarto Chinês para distinguir um robô de um ser humano.
Um grupo de discussão com estudantes de doutorado da disciplina de Teoria do Conhecimento do HCTE e da COPPE- UFRJ de 1998levantou a seguinte crítica à posição defendida por Penrose. Não seria a opção C a única conciliação entre a explicação científica da mente e a impossibilidade da reprodução artificial da consciênciaem computadores e robôs, pois poderiam ocorrer em adição às situações A,B,C e D duas outras que chamamos
E1 – Demônio de Penrose
E2 -Cérebro identificado com o corpo
Comecemos pela primeira delas (E1): mesmo que seja possível um dia simular, em princípio, o cérebro usando modelos baseados nas teorias existentes, algoritimicamente programáveis em computadores,ainda assim o volume de cálculo e de dados poderia tornar os cálculos inviáveis na prática, como ocorre no caso do movimento caótico das moléculas de um gás ( demônio de Maxwell) e no caso do movimento de todos os constituintes do Universo (demônio de Laplace). Ou seja seria necessário um novo demônio (de Penrose) para dar conta desta simulação, tal qual o de Walras para a teoria econômica neoclássica.
A atitude E2 é: já que a rede de neurônios se estende por todo o corpo, de cada receptor ao cérebro, a consciência poderia ser fruto desta atividade global distribuída em todo o corpo através do sistema nervoso. Esta integração corpórea biológica pode ser fundamental para a consciência, que distingue o “eu “ do resto do mundo, estabelecendo uma fronteira nítida entre um e outro. Popper refere- se a isso de certo modo. Ou seja, o “eu” inclui o cérebro e o corpo como parte do ambiente do cérebro, em complemento ao ambiente externo ao corpo. Talvez a consciência do “eu “ surja do confronto entre os estímulos do mundo externo, recebidos através dos receptores, e os estímulos que chegam ao cérebro oriundos do corpo, por exemplo os derivados de secreções de glândulas. Logo, se a consciência depende do “hardware” do corpo animal, e não só do sistema nervoso central, não basta imitar o cérebro em computador para produzir a consciência. Teríamos de imitar o corpo animal, e isto se reduziria ao problema do clone biológico da engenharia genética e não ao robô humanóide. Moravec [1993] chama esta atitude de identidade do cérebro com o corpo e a ela opõe a identidade com o modelo, que de certo modo é um retorno ao dualismo.
Contra E1 há o fato de que o argumentos e assemelha ao do algorítimo escondido implícito na mente humana, refutado por Penrose. Ademais pode ser vista como uma visão heurística, mas que não garante que a barreira da capacidade computacional seja vencida pelos futuros computadores. Contra E2 há, em princípio, a possibilidade de simular uma realidade virtual representando o corpo para o computador ou instalar sensores conectados no corpo de um robô de modo que o computador ganhasse consciência do seu hardware. A questão neste caso é se esta “consciência” de um corpo de metal e materiais sintéticos dotado de sensores conectados, sem órgãos vivos e sem circulação de sangue poderia se assemelhar à de um ser humano ou pelo menos de um animal superior. Provavelmente não, até prova em contrário. Este é o problema de Penrose.
A Explicação da Consciência pela Neurociência
1 – As Diferentes Abordagens
O estudo da mente, além da crítica às idéias de Penrose, comporta dois tipos de abordagens paralelas. Uma delas é sobre a compreensão da mente, da consciência e da inteligência humana. A outra liga-se ao desenvolvimento dos computadores, as perspectivas da inteligência artificial e dos robôs, especialmente quanto à possibilidade de adquirirem consciência. A primeira abordagem passa pelo avanço da biologia, da psicologia e da neurologia, além de ligar-se à filosofia da ciência e à medicina. A outra tem mais a ver com o estado da arte e o futuro da tecnologia da computação, ao que voltaremos no fim deste capítulo.
A literatura científica sobre a mente se tornou profícua nos anos 90, independentemente da polêmica influenciada por Penrose [1989, 1994]. Além de Searle [1997] e dos trabalhos por ele citados – dos biólogos Crick [1994] e Edelman [1992] e dos filósofos Dennet [1991] e Chalmers [1996] – alinhamos alguns livros desse período. Dois deles foram traduzidos para o português, escritos para divulgação científica, dosmédicos neurologistas D´Amásio [1994] e Sacks [1995]. Utilizamostambém dois livros especializados sobre a ciência da consciência, adotados na pós graduação de Engenharia de Sistemas da COPPE – UFRJ, e artigos publicados sobre pesquisas realizadas na COPPE [Vidal de Carvalho, 1999]. Ambos os livros têm vários autores, um deles editado por Linás e Patricia Churchland [1996] e outro por Hamerof, Kaszniak e Scott [1996].
Os dois livros são muito diferentes entre si, refletindo as divergências na abordagem do problema da mente. O primeiro [Linás e Churchland,1996] é restrito aos campos convencionais da neurociência, especialmente a neurobiologia e a neurologia médica. A posição dos organizadores do livro é refletida no último capítulo [Churchland, 1996], que vai da filosofia grega aos avanços recentes da neurobiologia, passando pela epistemologia com frequentes analogias com a física. A autora descarta o que denomina de variação do reducionismo “favorecida por físicos que vêem o mistério da consciência e do livre arbítrio requerendo uma mudança fundamental na ciência… na física” [Churchland, 1996]. Em defesa da neurociência ela cita seu homônimo Paul Churchland [1988], para quem, em contraste com o elatromagnetismo que está presente em todos os níveis da realidade, desde o subatômico ao macroscópico, a mente é exclusiva de grandes sistemas físicos que evoluiram para uma organização complexa. Completa dizendo quea consciência é um fenômeno neurobiológico porque “necessitamos um sistema nervoso para tê-la” [Churchland, 1988]. Mas a questão que estamos discutindo é exatamente se é possível simula–lo fora do sistema nervoso e, assim, criar a consciência em computador.
Um aspecto positivo da neurociência é dar uma visão mais integral da questão da mente, em contraste sua redução à microfísica. Podemos entretanto distinguir níveis diferentes na organização :
1m – sistema nervoso central do cérebro aos receptores
0,1 m – sistemas de neurônios
0,01 m – mapas neuronais
0,001m – redes
0,0001 m -neurônios
0,000001 m – sinapses
- A (Angstron) – moléculas
Penrose se restringe praticamente ao último destes níveis. Mas, Linás e Churchland [1996] registram importantes desenvolvimentos recentes em: dados sobre o sistema nervoso; psicologia experimental; simulações de redes em computador.
Da introdução do segundo livro referido acima [Hameroff, Kaszniak e Scott,1996] consta cientistas qualificados, desde a psicologia à biologia molecular e à física matemática, revitalizaram o estudo científico da consciência, banido desde o século passado pelos behavioristas. O livro inclui trabalhos sobre filosofia da mente, ciência cognitiva, medicina, neurociência, redes neuronais, biologia sub neuronal, teoria quântica e não localidade espaço temporal. No índice onomástico as citações de Penrose aparecem 31 vezes, número de longe maior do que qualquer dos demais autores citados. Isto parece contradizer o ponto de vista de Horgan [1996] no seu livro de divulgação científica “O Fim da Ciência”, motivado por uma entrevista dele com Penrose para um artigo no Scientific American. Horgan faz uma comparação do ‘mood’ da ciência ‘pós moderna’ com a literatura, na qual há poetas fortes que se distinguem de seus predecessores e os transcendem, superando as formas literárias tradicionais, e há rebeldes que invertem as categorias tradicionais e denigrem as escolas literárias dominantes. Embora classifique Penrose de um “cientista forte”procurando transcender a mecânica quântica, diz que ele aborda a ciência de uma maneira especulativa e pós empírica, que Horgan batiza de “ciência irônica” . Esta lembra a crítica literária, oferecendo pontos de vista e opiniões interessantes que provocam comentários mas não convergem para a verdade consensual.
Após muitos anos da publicação do primeirolivro de Penrose sobre esta questão, ela continua despertando polêmica. Searle [1998]refere-se a alguns aspectos tratados. Observa que o problema mais importante da biologia é descobrir como os processos neurobiológicos no cérebro causam a consciência, mas ficou fora das pesquisas até recentemente. Referindo-se à complicação em definir a consciência, Searle se serve do senso comum: é o estado que experimentamos desde que acordamos em cada dia até dormirmos, entrarmos em estado de coma ou morrermos. Isto inclui estarmos cientes do que somos e do que fomos e aptos a planejar nosso futuro. Ocorre no ser humano e certamente nos animais superiores, mas é difícil dizer até onde vai, um inseto provavelmente não tem consciência, mas Searle considera pouco produtiva esta questão no estado atual do conhecimento.
Apesar dos novos aspectos colocados por Penrose, a questão da compreensão científica da mente se mantem. De um lado a separação cartesiana entre mente ou espírito e corpo ou matéria. Quanto à compreensão científica da mente, Rorty [1995, 2002] tinha uma visão simples e otimista revelada pela sua imaginação de uma civilização extraterrena cuja cultura não incluía a noção de mente e referia-se aos sentimentos como excitação de partes específicas do sistema nervoso. No campo da biologia, em 1990 Francis Crick – que em 1953 havia descoberto com James Watson a estrutura do DNA – criou no Caltec os Seminários em Neurociências. Foi Crick, quem, segundo Horgan [1996], mudou a atitude dos cientistas até então relutante sem considerar a consciência como objeto da pesquisa científica. Vamos iniciar pela abordagem médica por ser mais intuitiva, para a partir dela introduzir a abordagem da neurobiologia.
2 – Abordagem Médica da Mente
Na linha da neurologia combinada com a psicologia, a par da ampla literatura especializada, ganhou a atenção do público o livro de divulgação da ciência “O Erro de Descartes” [d’Amásio, 1997]. D’Amásio, também autor de um dos capítulos do livro de Linás e Churchland [1996], narra a experiência médica, partindo de um caso ocorrido no século XIX, em que um homem foi atingido por uma machadada na cabeça afetando seu cérebro, mas por sorte sobrevive. O resultado foi uma profunda mudança de personalidade, de comportamento, em conseqüência da alteração física do seu cérebro. A evidência é que os fenômenos mentais ligam-se diretamente a fenômenos físicos que ocorrem no cérebro.
Um dos autores discutidos no livro de Searle [1998] narra vários casos médicos, de perda de memória de curto prazo após cirurgia no cérebro, de não reconhecimento de uma das mãos, de perda da imagem do próprio corpo e da localização dos membros, insensibilidade à dor, perda da noção de tempo. Assim, ele relaciona a consciência à memória, afirmando que uma depende da outra de uma forma dinâmica, sendo a consciência devida não à percepção do presente mas à capacidade de relatar o presente, momento a momento em correspondência com eventos no espaço e no tempo. Chama a atenção para a imagem do corpo no cérebro, que cria nele uma visão interna de todas as partes sensíveis do próprio corpo, isto é, um sentimento de si mesmo. Desta autoreferência deriva a consciência sadia em uma pessoa normal. Considera a memória dinamicamente, não como um arquivo de experiências passadas, mas como reconstrução consciente na mente dos fatos experimentados, daí a ligação entre memória e sentimento de si mesmo, observado nos pacientes.
O livro “Um Antropólogo em Marte” [Sacks, 1995], cujo nome lembra a paródia do extraterreno de Rorty, também narra uma experiência médica de uma pessoa que, após um acidente de automóvel, perdeu a sensibilidade às cores, passando a ver tudo em preto e branco. Após um longo período de reação negativa e, depois, de adaptação desenvolveu uma nova sensibilidade visual às nuanças da textura da cor branca, preta e acinzentada, criando na sua mente inclusive um novo senso estético para um mundo sem cores variadas. Para discutir esta recriação do mundo visual pelo paciente, o autor retorna a Locke, criticando a concepção sensacionista deste, de que nossos sentidos são instrumentos de medição, registrando o mundo externo para o nosso cérebro. A sensação era assim passiva e este foi o ponto de vista dos neurologistas do final do século passado no estudo da anatomia do cérebro. Sacks escreve sobre aspectos do mecanismo da visão. Observa que ela mereceu atenção de Spinoza, que escreveu sobre o arco íris, de Goethe e de Schopenhauer. Foi sobre as cores o último trabalho escrito por Wittgenstein [Sacks ,1995]. Na física a cor foi objeto de importantes estudos de Newton, Young, Helmotz e Maxwell.
3 – Abordagem Neurobiológica da Percepção Visual
A abordagem neurobiológica de Crick [1994], é destacada por Chalmers no livro “Toward a Science ofCosciousness” [Hameroff, Kaszeniak e Scott, 1998] e também por Searle [1998]. Para estudar o funcionamento da mente, Crick analisa o fenômeno da visão. Fótons refletidos ou emitidos de materiais atingindo a retina disparam um processo do qual resulta a percepção dos objetos no cérebro. Neste processo os neurônios recebem os sinais pelos seus dentritos, que atuam como receptores em grande número para cada neurônio, o qual sintetiza e emite novo sinal pelo axônio para outros neurônios. O axônio se liga a dentritos dos outros neurônios pela sinapse e a transmissão dos sinais se dá por dupla ação, química de fluidos neuro transmissores e elétrica por íons que passam pelas sinapses. Como isso provoca no cérebro a percepção é a questão.
A idéia física simples, de que há uma relação invariante entre comprimento de onda ou frequência da luz e cor, segundo Sacks não basta para explicar a complexidade da percepção da cor. Este processo físico seria:
– recepção da luz na retina,
– transmissão da informação do comprimento de onda através da rede de neurônios para partes superiores do cérebro,
– conversão desta informação em cor.
Entretanto os comprimentos de onda refletidos por um corpo vermelho variam conforme sua iluminação, mas percebemos sempre sua cor vermelha. Goethe negava a simples correspondência entre cor e comprimento de onda. Ele se preocupava em saber como criamos as cores na nossa mente a partir da sensação, atribuindo isso ao funcionamento ainda desconhecido do cérebro. Sacks parodia a frase de Goethe “A ilusão óptica é a verdade óptica” dizendo que “A ilusão visual é a verdade neurológica”.
Embora tendo sua teoria refutada como coisa de um poeta, não científica, posteriormente Goethe foi valorizado por Helmholtz, para o qual o cérebro tem uma maneira de descontar o efeito da variação da fonte de luz que ilumina o objeto, fazendo “uma inferência inconsciente ou um ato de discernimento” [Sacks ,1995]. A conclusão de Sacks é de que o caso da percepção da cor mostra que criamos na menteum mundo “estável a partir de um fluxo caótico de sensações”. Apesar de mobilizar apenas um arsenal da física clássica, a abordagem de Sacks é muito interessante. Não podemos compreender a percepção da cor apenas a partir da decomposição da luz branca em cores ao atravessar um prisma, feita por Newton, facilmente explicável pelo fato que o ângulo de refração dos raios de luz ao atravessar o prisma varia com o comprimento de onda da luz. Para compreendermos a percepção das cores no cérebro devemos considerar também a composição das cores a partir de três cores primárias – vermelha, verde e violeta – demonstrada experimentalmente por Maxwell, sem ter uma explicação simples teórica. Colocou-se a questão de uma cor ser percebida no cérebro pela superposição de imagens de cores distintas, provocadas por ondas de diferentes comprimentos de onda sensibilizando a retina. Para Sacks outra coisa sensacional foi a descoberta, em 1957, da foto instantânea polaroide, de que com duas imagens em preto e branco e filtros vermelho e verde se produz imagens coloridas. Segundo Sacks isso mostrou que a cor não é um processo local e absoluto mas depende da comparação e da composição da luz refletida em um processo integrado na mente.
Destas considerações psicológicas Sacks passa a discutiros experimentos fisiológicos realizados desde a década de 70, colocando eletrodos em cérebros de macacos e descobrindo que neles há uma área estimulada pelo comprimento de onda da luz e outra área estimulada pelas cores, embora intercomunicadas. No caso do paciente acima referido, concluiu-se que ele podia discriminar comprimentos de onda da luz mas não os traduzia em cores.
A cor não é o resultado do registro de um sinal, uma luz de um dado comprimento de onda, mas sim de uma computação cerebral que sintetiza vários sinais correlacionando- os. Portanto não é um processo passivo mas uma criação interior estimulada de fora, com uma inter subjetividade.
O chamado problema da integração [Searle, 1998] na abordagem neuro biológica da consciência aparece no contexto da percepção visual [Crick,1994]. O reconhecimento de uma fisionomia dentre tantas é um processo ainda não compreendido na biologia. A integração no cérebro de formas geométricas, cores e movimentos, por exemplo, exige a atuação de diversas áreas do cérebro, de modo coordenado para fundir as diversas sensações em uma observação de um objeto, unificadamente. A integração se dá pela ativação simultânea de um conjunto de neurônios, distribuídos no espaço, com descargas elétricas sincronizadas no tempo. Crick identificou empiricamente no sistema visual descargas sincronizadas com freqüência de 40- Hertz (pulsos por segundo) na percepção de formas, cor e movimento.
Outra abordagem baseia- se na identificação de mapas no cérebro formados por feixes de neurônios ligados a células receptoras, bem como relacionando-se a outros mapas. No sistema visual, há vários mapas no córtex visual [Edelman, 1992]. Ocorre uma seleção do grupo neuronal, isto é, o cérebro, a partir dos estímulos externos,intensifica seletivamente as ligações dos grupos de neurônios solicitados pelos estímulos. Ou seja, o aparato neuronal está disponível todo ele, sendo reforçadas as ligações mais em um grupo e menos em outro seletivamente. Talvez possamos relacionar a isto, a concepção de Chomsky da capacidade humana para a linguagem. O último aspecto destacado de Edelman é a chamada reentrada, devido à troca de sinais lateralmente entre mapas voltando o estímulo ao mesmo mapa em que já entrara.
Portanto um simples ato como o de ver algo envolve muitas atividades nos neurônios. Para fazer um simples movimento de pegar algo muita coisa acontece no cérebro. Temos consciência da decisão que tomamos mas não do que nos faz tomá- la. Parece uma decisão livre mas pode ser o resultado de processos cerebrais de que não somos conscientes
Para Edelman a mente não pode ser entendida a partir da física apenas nem através de programas de computador, mas considerando a estrutura dos cérebros, que são muito diferente uns dos outros, nas suas ligações internas entre neurônios. Dependem da experiência de cada indivíduo. Cérebros de gêmeos idênticos tornam- se completamente diferentes. Cérebros constituem um tipo de conjunto polimorfo, composto de elementos diferenciados entre si. Estes conjuntos, segundo Edelman, foram considerados por Wittgenstein. Edelman foi ganhador do Nobel,em 1972, por determinar a estrutura de proteína que atua no sistema imune do corpo.
Modelos Computacionais e o Problema da Integração na Visão
Para diferenciar as atividades cerebrais no sistema nervoso, que se estende desde os órgão sensoriais que captam sinais externos ao corpo e desde os órgãos internos, os neurocientistas atribuem ao cérebro níveis computacionais mais elevados. O significado do termo computação na neurociência deve ser clarificado. Cabe perguntar o que está sendo computado ou como se dão as redes computacionais no cérebro [Linás e Paré, 1996]. Para estes autores não ocorre no cérebro computação no sentido dado por Von Neumann, mas sim a presença de estados funcionais que representam aproximadamente aspectos do mundo externo.
Os estados não envolvem não apenas os neurônios que disparam ou não seus sinais individualmente, mas sim grandes populações de neurônios para uma dada tarefa. No desempenho desta tarefa, a cada instante, uns disparam e não outros, sendo o papel das que silenciam tão importante quanto o dos que disparam [Linás e Paré, 1996], tal como em uma página escrita o branco é essencial para sobre ele se ler os símbolos gráficos impressos ou manuscritos. Este sistema a partir dos sinais dos sensores produz imagens coerentes, que podem servir para planejar o comportamento, como pré-requisito para ações e para a consciência. Criamos uma imagem preditiva de um evento para reagirmos quando, por exemplo, vemos um objeto perigoso movendo-se contra nós. Por outro lado, o cérebro não foi planejado e construído como um computador tecnológico, mas é fruto de uma evolução biológica. De um lado ele pode possuir uma organização a priori herdada geneticamente e determinado no nascimento, tal como as habilidades dos minúsculos ou a capacidade estrutural do esqueleto ósseo. De outro lado, há uma plasticidade capaz de adaptar o ser ao meio mudando alguns parâmetros dentro de limites, inclusive no cérebro.
A pergunta de Llinás e Paré [1996] é se cérebro constitui um sistema computacional com arquitetura aberta ou fechada. No primeiro caso seria uma máquina de aprender partindo de uma tábula rasa. A dificuldade desta hipótese é explicar as semelhanças das funções cerebrais de indivíduos diferentes com experiências diferenciadas. Na hipótese de o cérebro ter uma arquitetura fechada ele produz estados internos que podem ser modificados por experiências sensoriais, mas construindo imagens internas próprias do mundo externo, embora com uma inter subjetividade comum dada pela estrutura física resultante da evolução comum de cada espécie. Nesta perspectiva a cognição como um estado funcional é uma propriedade a priori e não aprendida, embora seu conteúdo particular seja aprendido. Assim é para a capacidade cerebral de ouvir sons, ver as cores e, segundo Chomsky, de adquirir uma linguagem, tal como é para os pássaros a capacidade de voar por terem asas e um corpo adequado. Nós temos desenvolvida a capacidade de cognição e da linguagem porque temos um cérebro adequado.
Sob outro ângulo o cérebro executa computação algorítmica também, pois afinal fazemos cálculos aritméticos e inventamos os métodos da matemática, replicados nos computadores com maior eficiência e alta velocidade. Os programas de computadores foram criação do cérebro, como também o desenho e a construção dos “hardware”. Penrose não negou jamais que o cérebro humano execute computação algorítmica. São completamente injustificadas as críticas a ele neste sentido, como a de Pinker [1997]. O que Penrose nega é que tudo no cérebro passa a ser reduzido a computações algorítmicas.
Os modelos computacionais têm servido de ferramenta no estudo do cérebro, de um ponto de vista neurobiológico. Um exemplo que julgamos ilustrativo é a simulação da conjugação do processo de integração (binding) com a atenção na percepção visual, desenvolvida na COPPE – Engenharia de Sistema pelo grupo do professor Vidal de Carvalho. A integração é o processo que leva ao reconhecimento da imagem como um todo, integrando toda a sua diversidade – formas, cores, posição, geometria, cinemática. A atenção é o processo recíproco, de selecionar um aspecto particular, concentrando-se nele por alguma razão ou motivação. A idéia mais tradicional é que a integração é produzida por uma convergência de sinais dos neurônios ligados, pelos axônios em camadas sucessivas de formato piramidal, de modo que ao fim uma célula mãe sintetizaria todas as informações e resultados, processados em uma hierarquia de baixo para cima. Um problema é que se houver uma célula mãe dedicada à síntese em cada possibilidade de combinações, uma análise combinatorial nos leva a concluir que o número delas superaria de longe o de neurônios no cérebro. Uma outra solução proposta é associar a integração à oscilação de cadeias de neurônios acopladas sincronicamente em paralelo. Como vimos atrás foram observadas oscilações de 40 Hz de freqüência no córtex de animais submetidos a estímulos. Estas duas soluções competem entre si, ambas com méritos e problemas, sem ter havido ainda um desempate experimental. Os autores propuseram então um modelo combinando-as.
Estudos experimentais identificam áreas do cérebro especializadas em um tipo de informação sensorial, como o córtex visual, o auditivo etc. As células por sua vez são basicamente ou excitatórias ou inibitórias, com formatos e ligações de axônios diferentes, estando as piramidais entre as primeiras. Às ações dos neurônios se associam correntes elétricas, de íons de sódio, que variam rapidamente com a voltagem e correntes de íons de potássio retardadas. O mecanismo é complicado, sendo identificadas outras correntes elétricas, uma de íons de sódio mais persistente no tempo, e uma corrente de íons de cálcio. Baseado em dados empíricos e resultados de análises fenomenológicas os autores constróem um modelo em que quatro áreas intermediárias da hierarquia piramidal acima descrita, são, consideradas V1, V2, V3 e V4 até um ápice, IT. As informações do campo visual são mais detalhados nos neurônios da área V1 e vão sendo passadas para um campo cada vez mais global nos níveis hierárquicos sucessivos V2, V3 e V4. Neste último há uma interligação forte entre os neurônios da mesma área, fazendo no modelo o papel da atenção. Supondo dois estímulos visuais paralelos a atenção se produz pela inibição da seqüência originada de um deles, para o qual o animal não estaria atento. Assim seria inibida a transmissão do sinal desta sequência de V4, para o ápice da pirâmide, designado por IT por estar no córtex chamado intertemporal.
O modelo utiliza equações da teoria dos circuitos elétricos que relacionam a corrente à variação da voltagem no tempo e ao parâmetro capacitância do circuito. As correntes fluem de V1 para V2, V3, V4 até IT. Os parâmetros são obtidos de dados experimentais com aproximações, buscando-se ajustá-los para dar a máxima realidade física ao modelo. A simulação feita mostraa potencialidade e, ao mesmo tempo, os limites do uso de modelos computacionais do cérebro.
No primeiro capítulo do livro a que nos referimos [Hameroffi etalli, 1996] Chalmers observa que não há um único problema da consciência, pois este termo envolve muitos problemas diferentes. Considera mais fáceis aqueles relacionados à cognição, abordáveis em termos computacionais. Inclui entre eles: a habilidade de reagir a estímulos, a integração da informação pelo sistema cognitivo, a capacidade de reportar estados mentais, a habilidade de acessar estados mentais, focar a atenção, o controle deliberado do comportamento, a diferença entre estar acordado e dormindo. O termo fácil é relativo, poderá demorar um século a solução destes problemas. Os problemas difíceis são os que escapam aos métodos computacionais, os que permanecem mesmo quando o funcionamento do cérebro possa ser explicado através de mecanismos, destacando entre eles o problema da experiência. Tomando o caso da teoria de Crick: as oscilações sincronizadas de neurônios fazem a ligação entre diferentes partes do cérebro ou grupos de neurônios, de modo a fazer uma integração que permita processar informações sobre cor, forma e movimento para criar uma percepção unitária do que se vê. Mas para Chalmers fica em aberto por que as oscilações causam a experiência.
A Filosofia da Mente e o Dualismo Cartesiano
Searle [1997]alinha quatro problemas no estudo da mente:
1) Dualismo:Na origem da ciência moderna o dualismo cartesiano, ao separar a mente do corpo ajudou a afastar os atritos da Igreja com a ciência, mas no século XX se tornou um obstáculo a ser removido. Searle dá como exemplo Eccles, cuja teoria veremos no capítulo seguinte, dizendo que ele acredita que Deus coloca a alma no feto durante a gestação.
2) A interpretação da causalidade: Para alguns o processo neurobiológico é o evento causador e a consciência é outro evento que ocorre como efeito. Searle critica esta separação que acaba por recompor o dualismo entre corpo e mente ao separar os eventos no cérebro dos eventos na mente. Vale observar que isto tem a ver com a concepção de causa associada a eventos sucessivos, tais que sempre ao ocorrer um o outro se segue. Esta causalidade foi criticada por Hume (Cap. IV). Mas quando uma bola está sobre um sofá, a superfície deste se deforma pois a bola sofre a força da gravidade e pressiona a superfície do sofá. Observamos uma simultaneidade entre causa e efeito. Kant havia observado isto (Cap. V). Searle observa que a consciência é uma propriedade do cérebro decorrente dos processos cerebrais. Ela não é outra coisa ou outro evento, ela ocorre no cérebro.
3) A relação entre subjetivo e objetivo: não há ainda como explicar a maneira pela qual fatos objetivos no cérebro geram nosso mundo mental subjetivo. Isto tem a ver com a questão das “qualia”, uma espécie de “quanta” da mente subjetiva usado em algumas abordagens filosóficas.
4). A simulação ou a identificação da mente com a atividade de um computador ou vice-versa. Este é o problema de Penrose. Para Searle ele não existe, pois jamais a mente pode ser reduzida a atividades de um computador. Seu argumento do Quarto Chinês pode ser reduzido ao seguinte. Se uma pessoa está num recinto onde existe um dicionário de tradução, de uma língua que ele desconhece para outra que ele também desconhece, ela pode executar a tarefa de traduzir estabelecendo correspondência entre símbolos e regras sem entender nada das duas línguas. Dada a palavra X de uma delas ele procura e a corresponde com a palavra Y da outra, sem saber o que significam. É isto que o computador faz usando um banco de dados. Ele não entende o que faz. A conclusão de Searle baseia-se em que os programas de computador são apenas sintáticos (lidam com símbolos e regras) enquanto a mente tem uma capacidade semântrica (atribui valores e significado aos símbolos).
Dennett outro filósofo, autor de “Consciousness Explained” [1991], polemiza com Searle. Ele épartidário da Inteligência Artificial Forte, negada tanto por Penrose como por Searle, e faz uma analogia do cérebro com um computador de processamento paralelo, identificando- o com as redes neuronais na computação. Mas usam- se redes neuronais em computadores sem processamento paralelo também. Um dos pontos da polêmica é o uso por Dennett da idéia de “meme”, uma paródia do gene da biologia extrapolado para a evolução cultural. Searle argumenta que, enquanto a evolução biológica se dá pelas “forças naturais brutas”, a evolução das idéias, das teorias, da cultura se dá por um “processo consciente e direcionado a objetivos”. É correto o argumento de Searle.
Para Dennet, a teoria computacional da mente foi fortalecida pela crítica de Penrose pois ao atacá –la entrou em conflito com a neurociência, com a biologia e com a física [Pinker, 1997].
Chalmers, por seulivro “The Conscious Mind” [1996], também é discutido por Searle, especialmente pela tentativa de conciliar o funcionalismo com o que Searle chama de “dualismo de propriedade”. O funcionalismo adotado na teoria da mente por sua vez é, segundo Searle, uma conciliação entre fisicalismo e behaviorismo. O fisicalismo, por sua vez, é uma vertente do materialismo, a qual considera que os estados da mente são o mesmo que estados do cérebro, enquanto a outra vertente, behaviorista, identifica os estados da mente com os padrões de comportamento. A dificuldade apontada por Searle é que os padrões de comportamento parecem ser causados pelos estados da mente. O materialismo, por sua vez, se opõe ao idealismo, todos os dois enquadrados no monismo que se opõe ao dualismo. Searle divide este em dualismo de substância, para o qual a mente é uma substância e a matéria é outra, e o dualismo de propriedade, em que mental e material são duas propridades da mesma substância, que seria o ser humano. Esta complicada ramificação está no esquema ligado na Figura 2.
O idealismo reduz a matéria à mente em oposição ao materialismo. Faltou definir o funcionalismo: para este a mente deve ser compreendida pelas relações causais ou funcionais pelo que faz e não pelo que a constitui. Assimum dado estado mental se define por suas relações causais com o resto do mundo, independentemente da base física deste estado ser as descargas elétricas em neurônios ou os movimentos de um fluido. É fácil daí se chegar à Inteligência Artificial Forte. Entretanto, para Chalmers, a cognição pode ser explicada pelo funcionalismo mas a consciência exige algo a mais.
Como um ponto recorrente, Chalmers no livro [Hameroffi et alli, 1996] coloca a possibilidade de explanação não reducionista da consciência. Dá como exemplo a física onde nem sempre o mais complexo é explicado em termos do mais simples. Popper observou o mesmo. Frequentemente a física reduz o mais simples ao mais complexo, como Maxwell no eletromagnetismo fez ao introduzir campos e ondas eletromagnéticas, conceitos mais complexos que o de força elétrica. A força newtoniana por sua vez foi considerada metafísica e supérflua por D´Alembert, que preferia tratar com acelerações e vínculos. Newton dispensou o conceito de energia, originado da força viva de Leibniz. Não poderia então a teoria da mente e da consciência colocar a experiência como algo fundamental e irredutível? Mas na física mesmo não se observando os quarks, que segundo a teoria atual constituem as partículas chamadas de hádrons, como o próton e nêutron, seus efeitos indiretos previstos pela teoria são medidos experimentalmente. O problema é como estabelecer previsões testáveis entre a experiência no nível da consciência e os processos físicos no sistema biológico cerebral. Caso contrário não teremos a falseabilidade da teoria. Para Popper ela não seria então científica.
FIGURA 2 – Filosofia da Mente
As Previsões Tecnológicas sobre Inteligência Artificial
Estas abordagens que vimos mostram um outro lado da questão além das ousadas conjeturas de Penrose. Mas é no terreno da inteligência artificial que a polêmica se acirra, sobre, na prática da tecnologia,um computador ou um robô virem a possuir consciência. O debate é exaltado e as prospectivas são no mínimo estranhas.
Poderíamos aqui conjeturar que empiricamente poderão ser verificadas uma das situações:
1) não será possível jamais um computador adquirir consciência;
2) se for possível poderá ocorrer na prática uma das três hipóteses:
- o nível mental estará muito abaixo do humano, a despeito da alta eficiência na computação algorítmica do robô.
- terá um nível mental à semelhança do humano;
- o nível mental será superior.
Analisemos as possibilidades de ocorrer empiricamente a inteligência artificial genuína negada teoricamente por Penrose [1989, 1994]:
Caso 2(a)- Teríamos computadores e robôs conscientes rápidos em cálculos e rotinas algorítmicas, mas pouco inteligentes em outros aspectos típicos da mente humana, tais como criar coisas novas ou ter um comportamento psicológico humanizado. Seriam como cães com alta capacidade de cálculo ou de resolver certos problemas específicos. Neste caso (2a) os robôs seriam subordinados aos seres humanos, como escravos ou animais domesticados. O problema seria o direito civis deles, aliás,aventados por Penrose [1994].
Caso (2b) – Teríamos reais competidores do homem, de igual para igual. No espírito da ideologia neoliberal deveria haver a competição entre robôs e seres humanos na base do custo benefício e retorno do capital na atividade econômica.
Caso (2c) – Seríamos certamente vencidos e superados por uma inteligência superior de seres que, podendo se reproduzirem por si mesmos, tomariam nosso lugar na Terra. Poderíamos no limite ser eliminados pela seleção natural, extrapolada para o mundo não vivo no sentido da vida tradicional que conhecemos, ou melhor, para o mundo com vida artificial inteligente. Ou seríamos domesticados e submetidos tal como fazemos com os animais. Seria pior que o “1984” de Orwell.
Mas este cenário catastrófico, propositalmente provocativo, pode ser um exagero da imaginaçãocriativa da nossa mente. Brody [1993] é, ao contrário, otimista. Admite que temos em mente a imagem das máquinas tirando empregos de trabalhadores, que ficam sem meios de subsistência para suas famílias, como ocorre com o processo de automação hoje. Ele, porém, acredita que nada obriga isto acontecer. Dependerá dos homens que construirão os robôs e os educarão tal como as crianças e os jovens. Assim os robôs poderiam adquirir uma ética humana.
Aqui é inevitável politizarmos a questão. Interesses individualistas no capitalismo ou ideologias autoritárias têm feito grupos dominantes nas sociedades manejar através de educação e treinamento a mente de gerentes, capatazes, tecnocratas, policiais ou militares, conforme o caso, para controlar e dominar desde empregados nas empresas ou grupos sociais até populações inteiras. São treinados para isto e assumem a ideologia do dominador. Nada impede de ocorrer o mesmo com robôs conscientes humanóides. Eles poderiam ser preparados contra seres humanos ou grupos sociais. Seria um “Robocop” dos filmes norte americanos às avessas. Embora a literatura de ficção científica vulgar seja na maioria das vezes um despropósito, houve casos notáveis em que foi mais preditiva das realizações tecnológicas do que a futurologia pseudo científica. Foi o caso de Francis Bacon (Atlândida) e de Julio Verne. Huxley no “Admirável Mundo Novo” imaginou estoques de semens, geneticamente selecionados e usados de acordo com um planejamento, de modo que os bebês seriam gestados para serem, a priori, cientistas, técnicos , burocratas, operários. Seria mais fácil fazer isto com “chips” dedicados em robôs humanóides. Tais especulações não científicas sobre as consequências da ciência têm a ver com a ética e a política científica e tecnológica.
Casti [1994], que já citamos,critica a posição de Penrose contra a inteligência artificial forte por ter servido de alento a “inimigos dos computadores”. Casti eloquentemente os chama de “computerphobes” e de “tipos anti- inteligência artificial”. Narra experimentos recentes com o Teste de Turing, para uma pessoa distinguir um computador de outras pessoas comunicando –se com eles sem saber qual interlocutor é o computador. Alguns resultados foram surpreendentes: muitas vezes se confunde o computador com pessoas. Os defensores da intelig6encia artificial forte tomam isto como uma evidência empírica contra a idealização de Searle do Quarto Chinês. Os seus argumentos são análogos aos de Searle e de Brody, que já vimos, contestando o argumento central de Penrose, de que a mente não pode ser simulada em um computador devido ao Teorema de Gödel. Alinha- o no entanto como o mais influente argumento contra a inteligência artificial (forte). Levantado por John Lucas, tem sido rebatido de várias maneiras pelos adeptos da inteligência artificial. Uma delas: a demonstração de Gödel parte de certas hipóteses, uma delas é a de que o sistema formal seja consistente, mas a mente humana não o é pois o comportamento humano está longe de ser consistente. Logo o teorema de Godel não se aplica à mente, mas a sistemas formais. Entretanto, devemos aqui observar que afinal os sistemas formais, a lógica, a matemática, os algorítimos, os programas, os computadores, tudo é produto da mente humana. O teorema de Gödel diz apenas que há resultados da matemática que a mente humana obtém e que não podem ser obtidos por um sistema formalizado, baseado na lógica, por um algorítimo. Só e basta.
Mais interessante é a citação de uma afirmação de Godel: “permanece possível (após seu teorema) que possa existir e que seja empiricamente descoberta uma máquina que tenha de fato intuição matemática equivalente ao cérebro humano, mas não poderá ser provado que ela assim seja nem que os teoremas por ela obtidos sejam sempre corretos…”[Casti, 1994]. Casti vê nesta afirmação de Godel a possibilidade de se chegar evolutivamente a um computador que simule o cérebro, não desenhado racionalmente para isto. Toma partido então da corrente pró inteligência artificial “Bottonup” ou conexionista (computadores aprendem com redes neuronais, por exemplo) em confronto com os pró “Top down” ou simbolistas. Contra estes últimos cita argumentação de que não se pode programar um computador para dirigir um carro como faz um ser humano. Mas acredita que talvez se possa ensiná–lo usando redes neuronais.
Há algumas características do cérebro, sobre as quais nos referimos, que o diferencia dos computadores dificultando simulá -lo:
- processadores – os neurônios, em número de bilhões, funcionam cada um como um simples processador do tipo chave “On – Off”;
- paralelismo maciço – cada neurônio liga- se a grande número de neurônios, em contraste com o reduzido número de ligações em um computador paralelo;
- não programado – em contraste com os computadores que seguem instruções rígidas dadas a prior mesmo na computação “Botton Up”;
- adaptável – possui uma plasticidade que muda fisicamente sua estrutura pelo ajuste das sinapses, enquanto o “hardware” de um computador é fixo.
A favor da possibilidade de se chegar um dia a simular o cérebro, Casti cita o programa que simula a evolução natural de Darwin, de forma a, com algumas regras (de tipo do autômata celular, mais sofisticado), fazer emergir no computador uma diversidade complexa imprevisível. Afirma então que a competição pela vida não se restringe a seres baseados em moléculas com cadeias de átomos de carbono, lembrando as especulações de Moravec [1993] vistas na introdução. Os postulados para haver vida artificial segundo os estudos do Instituto de Santa Fé são:
- Uma máquina de Turing pode simular qualquer processo físico.
- A vida é um processo físico.
- Há um critério pelo qual posso distinguir entre sistemas vivos e não vivos.
- Um organismo vivo artificialdeve perceber uma realidade R’ que para ele é tão real quanto é real para nós (humanos) a realidade R que nós percebemos.
- As realidades R e R’ possuem o mesmo status filosoficamente.
- Podemos aprender sobre R estudando diferentes R’ s.
Críticas fortes têm sido formuladas a algumas das ousadas teorizações desenvolvidas no Istituto de Santa Fé [Hogan, 1997], como a extrapolação do conceito de vida.
Mas, o especialista em robótica que citamos no início, Moravec [1993], no livro “MindChidren. The Future of Robot and Human Inteligence” , traduzido em espanhol com o título “El Hombre Mecánico” escreve: “Tenho absoluta segurança de que os robôs com inteligência humana serão algo corrente dentro de 50 anos”. Com base em Moravec [1993] construímos a tabela 2, a qual tem a ver com a esquematização de Popper que mostramos na introdução. Devemos examinar criticamente esta visão de Moravec,. Para ele,“nossos genes biológicos, e os corpos de carne e osso por eles criados, terão um papel cada vez menos importante..” mas “nossas mentes, de onde nasceu a cultura” poderão não se perder. Pois “a revolução pode liberar (do corpo) a mente humana com a mesma eficácia que liberou (da mente) a cultura humana…somos híbridos incômodos entre a biologia e a cultura” e muitas de nossas características biológicas “ficaram atrasadas com respeito às criações da nossa mente”. Podemos dizer que Moravec espera que se tornem independentes entre sios mundos 1, 2 e 3 enumerados por Popper. Lembra o histórico “Manifesto” de Marx transposto aos robôs ao postular “o pensamento humano liberado da escravidão do corpo mortal” em um mundo “pós biológico dominado por máquinas pensantes”. Especulando sobre o futuro destes nossos descendentes, considera que no universo em expansão a temperatura decrescerá continuaamente, mas a energia para enviar um sinal decrescerá com a temperatura permitindo elaborar mais pensamento com menor energia, rumo à imortalidade, como o físico Freeman Dyson [1988] imaginara.
Predomina entre os especialistas em inteligência artificial e robótica uma crença de que darão consciência aos computadores. Professam neste casoum pragmatismo empírico. Afirmam que a prática demonstrará se é ou não possível isso. Mas há um equívoco em negar qualquer tentativa teórica de provar a priori que as máquinas jamais poderão chegar a ter consciência. A argumentação baseia –se em ser impossível provar que algo não venha a existir jamais, pois sempre poderá haver um contra exemplo e existir no futuro [Kaku, 1999]. Este argumento nega qualquer lugar à teoria, que é a base da ciência. Logo é anti científico. Relaciona- se ao velho problema de Hume.
Sem teorianão existe ciência e a falseabilidade das teorias é, para Popper, inerente à ciência. O que a ciência faz é excluir possibilidades, proibindo teoricamente tudo que for incompatível com as leis naturais, até prova em contrário.
Tabela 2 – Da Emergência da Inteligência Humana à Artificial
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Tempo (anos) Antecedentes e ou Consequentes
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– 100 milhões – animais evolução genética à capacidade de aprender à
origem da consciência (mundo 2 de Popper)
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– 10 milhões – primatas liberação das mãos, oposição do polegar ao dedo
e ferramentas potencializam o corpo no meio ambiente
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– 1 milhão – homem aparecimento da linguagem e desenvolvimento da
inteligência (mente), na evolução genética
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– 100 mil – culturas evolução cultural devido à inteligência criativa se
soma à evolução genética (mundo 3 de Popper)
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– 10 mil – civilizações revolução agrícola com geração de excedente
viabiliza as civilizações e a revolução cultural
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– 1 mil – imprensa permite armazenar e transmitir mais informações
nos livros e viabiliza a revolução científica
– 200 – máquinas revolução industrial potencializa ohomem com maquinas usando
várias formas de energia
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– 100 – calculadoras mecânicas duplicaram a capacidade da mente humana em
cálculos aritméticos extenuantes (algorítimos)
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– 50 – computadores eletrônicos multiplicam sua capacidade em tarefas programáveis e
manejo de informações
-+ + 50 – inteligência artificial forte? simulará o cérebro e dará consciência e mente aos
computadores viabilizando robôs humanóides ?
Um bom exemplo é a Segunda Lei da Termodinâmica: ela proíbe a existência de uma máquina térmica que não rejeite calor para o ambiente, bem como a transferência de calor espontânea do frio para o quente. Como consequência, o teorema de Carnot estabelece limites de eficiência para a conversão de calor em trabalho nas máquinas térmicas. Embora alguém possa buscar experimentalmente fazer uma máquina com eficiência maior que a de Carnot ou ainda buscar o moto perpétuo, isto é teoricamente impossível e tem se revelado impossível também na prática, tanto quanto, ao colocar gelo naágua quente, esfriar o gelo e esquentar a água. Nada impede, entretanto que, sob condições ainda não concretizadas na prática experimental, algo estranho venha a ser descoberto falseando estas previsões teóricas. Na emissão de radiação térmica de um corpo negro, a termodinâmica clássica foi falseada quanto à variação contínua da energia, substituída pela discretização introduzida por Planck dando origem à mecânica quântica com seus estranhos resultados ou mistérios, em confronto com os mistérios da mente.
Chomsky, classifica tudo que ignoramos e tentamos compreender em duas categorias: problemas e mistérios [Pinker, 1997]. No primeiro caso pelo menos achamos que sabemos por onde começar para termos um conhecimento crescente. Mas no segundo não. Segundo Pinker, no estudo da mente os mistérios começam a virar problemas. Penrose reduz o mistério da mente aos mistérios da física quântica.
Além de Penrose, outros físicos com experiência em áreas avançadas como a física das partículas e teoria quântica dos campos ou a teoria da relatividade,têm se interessado pelo problema do cérebro. Um deles, Virassoros, físico argentino que foi diretor do Centro Internacional de Física Teórica em Trieste, acreditava que o cérebro não é uma máquina de Turing e não se reduz à computação [Kaku, 1997]. Neste aspecto concorda com Penrose.
Referências
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