Entrevista com Vladimir Belinski
ENTREVISTA /
Vladimir Belinski //
por Eduardo Bittencourt ///
Cosmos e Contexto entrevista o físico russo Vladimir Belinski. Autor de inúmeros trabalhos de grande relevância no cenário científico atual. Belinski foi aluno da famosa escola russa de física-matemática, orientado pelo físico E. M. Lifshitz (colaborador de L. D. Landau). Belinski apresenta sua visão do cenário atual da Física e sua relação pessoal com a ciência.
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Cosmos e Contexto – Existem muitas propostas de novos tipos de matéria que visam explicar a expansão acelerada do Universo. Esta aceleração está associada à interpretação dos dados de supernovas. O que você acha sobre desta associação e dos resultados que daí decorre?
Vladimir Belinski – Eu acho que toda essa atividade é o resultado de uma interpretação incorreta dos dados observacionais e nada mais. É difícil dar um sentido para noções como ‘Universo acelerado’ ou ‘energia escura’, como são tratados hoje. Esses fenômenos não vieram da experiência direta, mas são resultados de teorizações sem embasamento de primeiros princípios. A maneira correta de interpretar a luminosidade observada das supernovas distantes ainda precisa ser encontrada. Agora, um estudo promissor foi iniciado por Thomas Buchert (Universidade de Lyon, França), David Wiltshire (University of Canterbury, Christchurch, Nova Zelândia), Andrzey Krasinski (Copernicus Astronomical Center, Varsóvia, Polônia) e outros. Estes autores propuseram uma explicação no contexto de uma física bem estabelecida, no entanto, levando em consideração a inomogeneidade local do nosso Universo, que pode mudar a prescrição convencional do cálculo de distâncias e da idade dos objetos astrofísicos remotos. Esta é uma abordagem científica plausível para o problema.
C&C – Recentemente, houve uma enorme publicidade referente a grandes modificações na Física – que vêm a partir da observação da velocidade de neutrinos mais rápido que a luz, a existência (ou não) de uma partícula (bóson de Higgs) que pode dar massa a todas as partículas e, finalmente, como na questão precedente a observação de que ‘o Universo está se acelerando’. Qual a sua opinião sobre estas questões e sua aparição nos jornais em todo o mundo?
V. B. – Não há necessidade de qualquer discussão séria desta ‘grande modificação da Física’. Nenhum tipo de matéria pode se propagar mais rápido do que a luz. Os relatos de ‘neutrinos mais velozes do que a luz’ são típicos materiais inúteis que aparecem devido a erros não controlados nas medidas. Já o caso do bóson de Higgs, não tem nada a ver com as experiências com neutrinos mencionadas acima e qualquer resultado experimental confiável sobre sua existência, ou não, terá consequências de fundamental importância para a física teórica contemporânea. Nós ainda temos que esperar por esses eventos.
C&C – Na última Brazilian School of Cosmology and Gravitation (XIVth) houve uma discussão entre você e outros participantes sobre a radiação Hawking e o efeito Unruh, onde você disse que não há efeito Unruh no espaço-tempo de Minkowski. Você poderia nos dizer mais sobre este assunto? Qual é a sua posição com relação à gravitação análoga procurada nesses efeitos?
V. B. – Os efeitos Unruh e Hawking são um e o mesmo fenômeno. Ambos são artefatos produzidos através da utilização do processo de quantização, que na verdade é inaplicável, tanto no buraco negro, quanto nos espaços de Minkowski. Este procedimento pode ser válido se, e somente se, existe um obstáculo físico escondido equivalente a uma condição de contorno nula para o campo quântico no horizonte de eventos. No entanto, tais construções hipotéticas não têm nada a ver com sistemas de buracos negros e sistemas acelerados, os quais têm horizontes livres de quaisquer obstáculos. O mesmo é válido para qualquer gravitação análoga. No entanto, no último caso toda esta matéria não tem sentido também, devido a uma outra razão de natureza física usual. Por exemplo, as ondas sonoras no modelo hidrodinâmico de buraco negros não representam um campo fundamental e que, em princípio, não pode ter frequências arbitrariamente grandes (não se pode falar em um comprimento de onda muito menor que as distâncias intermoleculares), as quais são necessárias até mesmo para iniciar uma discussão sobre o assunto.
C&C – Você poderia nos dar alguma visão de como era fazer física nos tempos da União Soviética e compará-lo com os dias de hoje?
V. B. – Para mim é difícil fazer esta comparação, porque eu saí da União Soviética há 22 anos e não sei bem o bastante como as coisas estão na Rússia de hoje. Na União Soviética, a educação e a pesquisa em física estavam no mais alto nível, mas a Rússia perdeu, principalmente, devido à fuga de cérebros. A escassez de grandes pesquisadores e o capitalismo ganancioso sem precedentes (o qual é, talvez, uma compensação para a pobreza prévia do povo) tornaram a situação com a ciência triste o suficiente. Eu acho que um renascimento vai demorar pelo menos um século, mas passo a passo, ele virá.
C&C – Você acha que o método BKL (Belinski-Khalatnikov-Lifshitz) de se aproximar da singularidade pode ser usado até mesmo para a gravitação não-convencional, como, por exemplo, no caso de teorias f (R) e assim por diante?
V. B. – O método BKL pode ser usado em qualquer ramo da ciência em que temos de lidar com equações diferenciais. Este método foi concebido para responder a questão de quão geral pode ser esta ou outro tipo de singularidade (se existir) na teoria sob consideração. Em outras palavras, que tipo de singularidade é estável (isto é, pode sobreviver sob as condições iniciais gerais) e quais não (ou seja, que podem aparecer apenas num ‘ajuste fino’ especial de situações). Tecnicamente, no entanto, a aplicação prática do método pode ser uma tarefa muito complicada dependendo da teoria sob investigação. Felizmente, para a gravitação de Einstein e suas generalizações alternativas, o método funciona.
C&C – Qual é a relação entre a física e a realidade para você? O que é fazer física para você?
V. B. – Parece-me que a realidade não é outra coisa senão matemática e nossa percepção, o que chamamos de física. A física nos forçou na direção do trabalho intelectual, que traz uma profunda satisfação. Esta satisfação é o que a física tem feito para mim.
C&C – O que você espera de uma teoria física ‘alternativa’, a saber, quais são seus critérios de preferência a uma dada teoria que outra?
V. B. – Eu acho que não existe uma teoria única da Física, que deve preferir às demais. Qualquer teoria que é simples, bonita e livre de contradições realiza-se na natureza. Obviamente, os dois primeiros critérios são bastante subjetivos e necessitam de definições. Também a questão de porque vemos a nossa volta algo definitivo e não uma mistura de todas as possibilidades, de modo ‘simples’ e ‘bonito’, precisa ser respondida. Esta é a pergunta crucial, mas deixo para o leitor pensar sobre o assunto.
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Vladimir Belinski atua nas áreas de Astrofísica, Teoria Quântica de Campos e Cosmologia. Atualmente é pesquisador pelo Instituto Nacional de Física Nuclear (INFN, Roma, Itália) e membro do International Center for Relativistic Astrophysics Network (ICRANet, Pescara, Itália).