Darwin-Wallace e a mudança de pensamento causada pela evolução
Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light of Evolution
(Nada na Biologia Faz Sentido Exceto à Luz da Evolução)
Theodosius Dobzhansky
Por que precisamos de uma filosofia da biologia separada da filosofia da ciência? Basicamente porque, na biologia, a visão reducionista, que era encontrada na filosofia da ciência, exigia que todos os fenômenos vivos fossem analisados até os menores elementos e, dessa forma, tudo seria explicado em termos de física e de química ao invés de biologia. Com a evolução, que desafiou a redução por causa de seus componentes metafísicos, ao mesmo tempo que mostrou um agente causador da evolução, a biologia pôde reivindicar sua autonomia enquanto ciência.
Mesmo hoje em dia, Darwin e Wallace se mostram atuais e necessários. Embora seja submetida a revisões constantes, a Teoria da Evolução permanece sendo a pedra fundamental do pensamento biológico.
Quando forem admitidas as ideias que apresento nessa obra, ou as do Sr. Wallace, ou quando forem admitidas ideias análogas sobre as origens das espécies, podemos prever uma revolução considerável na história natural.
Charles Darwin
Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, 1859
Mas antes de chegar à teoria evolutiva, vamos analisar a história da biologia e a mudança do pensamento biológico ao longo do tempo. A biologia e sua filosofia têm seus primeiros registros na Grécia e nas colônias jônicas da Ásia Menor e do Sul da Itália.
Tales de Mileto (624 — 546 a.C) foi um dos primeiros filósofos a tirar dos deuses o papel de explicar os fenômenos naturais. Ele considerava que a água era a origem de todas as coisas. Seu discípulo Anaximandro (610 — 546 a.C) concluiu que a Terra passou por um período muito chuvoso e, por isso, os primeiros animais deveriam ser aquáticos e que alguns deles acabaram ocupando a terra depois. Já Empédocles (490 a.C. – 430 a.C.), que criou a teoria cosmogônica dos quatro elementos, dizia que os primeiros animais eram partes desunidas e que os animais atuais seriam a combinação desses animais anteriores.
O grego Platão (348/347 a.C.) dizia que cada objeto é a manifestação imperfeita de um tipo ideal. E seu discípulo Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C) acreditava na geração espontânea da vida, o que nem era tão errado assim, visto que as primeiras células surgiram de material abiótico. E Epicuro (341 a.C., – 271 ou 270 a.C), que se opunha a Platão e Aristóteles, dizia que muitas formas de vida haviam sido geradas no começo, mas que apenas as mais funcionais sobreviveram.
As ideias de Platão e Aristóteles influenciam até hoje a biologia. O ideal de Platão é usado até hoje, pois quando uma espécie nova é descrita, o pesquisador precisa determinar um tipo, que é o indivíduo onde a descrição vai se basear. E é por esse tipo que os outros pesquisadores vão se basear para analisar as características daquela espécie. Já Aristóteles disse que os animais são relacionados entre si e que podiam ser organizados em uma Scala Naturae ou escada da vida. Essa escada é um sistema de conjuntos e subconjuntos agrupados de acordo com a complexidade do organismo. E era uma escala estática, cada espécie surgiu e se manteve inalterada ao longo dos tempos. E ele também acreditava que os animais tinham uma razão de ser e a sua função determinava a forma. Ou seja, eram fixistas e teleológicas.
Agostinho de Hipona (354 – 430) acreditava que formas novas apareciam de forma gradual da decomposição de formas mais antigas e primitivas ao longo do tempo. Mas a igreja baniu os textos gregos que se opunham aos dogmas da religião e se baseou nos modelos fixistas de Platão e Aristóteles, com organismo classificados de acordo com a complexidade, sendo as mais simples mais próximas do inferno e as mais complexas mais próximas de Deus. Tomás de Aquino (1225 – 1274), que apesar de ser aristotélico, defendia que uma natureza por geração espontânea imutável estava em conflito com a existência de Deus. Baseado nas ideias de Empédocles, ele apoia uma ideia de espécies mutáveis por um propósito dos organismos de acordo com a intenção do Criador.
A revolução científica dos séculos XVI e XVII foi o início do que hoje é chamado de ciência. Porém, Deus ainda era considerado a causa última de tudo. E os cientistas lidavam primariamente com mecânica e astronomia. A física com fundamentação matemática era a ciência exemplar. Tal interpretação fisicalista dominou o pensamento dos filósofos da ciência. Kant consagrou essa opinião ao dizer que “só há ciência genuína [richtig], em qualquer ciência, na medida em que contêm matemática”. E os naturalistas da época não usavam matemática em suas pesquisas. Além disso, com o surgimento de lupas, com as grandes navegações e o contato com o oriente, criou-se uma necessidade de catalogar a natureza por meio de descrição e classificação. Foi o início da taxonomia. Os primeiros sistemas de classificação e nomenclatura eram baseados nos conjuntos e subconjuntos de Aristóteles. Nomear era quase descrever, já que os nomes eram enormes e em geral destacaram várias características do organismo.
Para melhor organizar as espécies, Carl Linnaeus (1707 – 1778) publicou o livro Systema Naturae, onde ele criou o nome binomial que nós usamos até hoje. Ele também determinou as categorias hierárquicas que, na sua época, eram reino, classe, ordem, gênero, espécie e variedade. E ele separou o nome da descrição da espécie. O sistema binomial de Lineu deu um nome e um sobrenome para as espécies (como Homo Sapiens) e colocou os animais em uma hierarquia que foi atualizada para Reino, filo, classe, ordem, família, gênero e espécie, como aprendemos no colégio ainda hoje. Mas essa hierarquia é fixa. Lineu defendia o arquétipo de Platão/Aristóteles, de que existe um indivíduo ideal que define a espécie e os indivíduos poderiam ser um pouco diferentes do ideal. Essa ideia permaneceu de 1735 até 1930. O sistema lineano é pobre em filosofia e acredita somente na capacidade de taxonomistas profissionais, que usavam as características externas do organismo para realizar essa separação em espécies.
De forma oposta, Pierre Louis Moreau de Maupertuis (1698 – 1759) falava de um acúmulo de modificações em uma população ao longo do tempo, gerando variações dessas populações. Aqui começa a aparecer o conceito de populações de uma espécie, que vai ser importante daqui pra frente. Ele também falava de uma seleção de características, e os que não tivessem as características certas iam desaparecer.
Um marco importante nas teorias evolutivas foi Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o Cavaleiro de Lamarck (1744 – 1829). Lamarck acreditava em uma força inata, uma tendência aos animais a se tornarem mais complexos, e que essa força poderia moldar partes do corpo de acordo com o seu uso ou sua falta de uso. Dessa maneira, ao longo do tempo as espécies iam melhorando, numa evolução direcional.
Já Robert Edmond Grant (1793 – 1874) se inspirou em Erasmus Darwin (1731 – 1802), Étienne Geoffroy Saint-Hilaire (1772 – 1844) e alguns outros naturalistas da época que acreditavam no surgimento de espécies semelhantes a partir de uma forma de vida original e a ideia de plano corporal básico em animais de um mesmo grupo. Além disso, Grant teve como pupilo Charles Darwin.
A vida orgânica nos mares sem fim
nasceu e cresceu nas cavernas brilhantes das ondas;
primeiro formas minúsculas, invisíveis às lentes,
moviam-se na lama, ou atravessavam os oceanos;
Essas, na explosão de novas gerações.
Novos poderes adquirem e novos membros desenvolvem;
onde inúmeros grupos de vegetação aparecem
E os reinos de organismos de nadadeiras, e pés e asas.
Erasmus Darwin
The temple of nature, 1802.
As primeiras ideias evolutivas de Lamarck e daqueles que vieram depois dele ainda eram teleológicas, uma vez que eles imaginavam que existia um objetivo nas mudanças dos animais. Os primeiros a quebrar esse pensamento foram Charles Darwin (1809 – 1882) e Alfred Russel Wallace (1823 – 1913) que disseram que se o organismo está vivo, é porque está mais bem adaptado ao ambiente.
Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças
Charles Darwin
Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, 1859
O ponto fundamental do pensamento de Darwin e Wallace, que se desdobra em várias hipóteses e teses, é a desconstrução da visão teleológica do mundo – uma crença filosófica e religiosa. Na época de Darwin já se tinha a noção de grupos de espécies semelhantes e já se falava sobre a origem comum das espécies a partir de um ser primordial. Mas existia um conflito filosófico. Os primeiros taxonomistas acreditavam no fixismo das espécies, pois isso era demonstrado, visto que cada espécie teria sempre as mesmas características para distingui-la. Já os primeiros evolucionistas acreditavam na mudança, com um propósito final. E seria possível juntar visões tão aparentemente diferentes, como o fixismo e a mutabilidade? Esse foi o insight de Wallace e Darwin, unindo as várias ideias presentes na época. Eles observaram os padrões da natureza e sugeriram processos que os explicassem.
Além disso, a teoria de Darwin e Wallace não era sobre evolução, mas sim sobre qual o mecanismo pelo qual a evolução atua (Darwin dizia, inclusive, que ao invés de usar o termo ‘evolução’, que virou moda na época, preferia ter mantido o seu termo original da primeira edição, que era ‘descendência com modificação’). Lembrando que a ideia de evolução já estava razoavelmente estabelecida por aqueles naturalistas anteriores e a novidade trazida por eles era o mecanismo da evolução.
Wallace era contemporâneo de Darwin, só um pouco mais novo, e eles chegaram à ideia de seleção natural de forma independente. Enquanto Darwin estava mais focado na competição entre os indivíduos, Wallace estava mais preocupado com a influência do ambiente (tanto que ele ganhou a alcunha de pai da biogeologia). Ambos trocaram várias cartas e nelas discutiram bastante suas ideias, e obviamente perceberam que estavam indo no mesmo caminho. Em 18 de junho de 1858 Darwin recebeu uma carta de Wallace, que pedia que este lesse um artigo que tinha escrito sobre plantas. Wallace, que começara sua vida de naturalista no Brasil (foi o primeiro europeu a percorrer o Rio Negro, no Amazonas), viajava pela Malásia e chegara a conclusões muito parecidas às que Darwin já possuía, sem saber. Assim, em julho do mesmo ano, um trabalho conjunto de Darwin e Wallace foi lido na Sociedade Lineana de Londres com título “Sobre a tendência das espécies de formar variedades”. A ideia central do trabalho da dupla era que todos os seres vivos vieram de um único ancestral comum, e que as diferenças entre eles só podiam ser fruto do acaso. Como Darwin era mais bem-nascido, ele ganhou mais notoriedade ao longo da história. Hoje em dia tentamos corrigir esse erro chamando de teoria de Darwin/Wallace.
Em suas viagens ao redor do mundo, tanto Darwin como Wallace perceberam que as espécies não estavam distribuídas no planeta de forma igual, em que um mesmo ambiente, seja na Europa, na América ou em qualquer outro lugar iria apresentar espécies diferentes. E, ao mesmo tempo, espécies em ambientes diferentes, mas próximas em distância, eram similares umas às outras. Darwin e Wallace extrapolaram essa ideia de forma mais temporal e postularam que isso ocorre para todas as espécies, então em algum momento da história da vida, todas as espécies foram uma única espécie, que chamamos hoje de ancestralidade comum. A ideia que as espécies são relacionadas entre si em uma árvore genealógica (que segundo o próprio Darwin deveria se chamar coral e não árvore) é tão importante como a seleção natural. Assim, eles contemplavam os taxonomistas ao agrupar espécies atuais semelhantes em um mesmo grupos (com o mesmo ancestral) e aos evolucionistas ao explicar como aconteciam essas mudanças.
A viagem do ‘Beagle’ foi de longe o mais importante evento da minha vida, e determinou toda minha carreira. Sempre senti que devia aquela viagem o primeiro treinamento real ou educação da minha mente; fui levado a lidar com vários ramos da história natural, e assim minha capacidade de observação melhorou, embora sempre tenha sido bem desenvolvida…
Charles Darwin
A viagem do Beagle 1839.
Como os outros naturalistas de sua época, Wallace e Darwin perceberam que mesmo dentro de uma espécie, os indivíduos não eram exatamente iguais entre si. Dependendo do ambiente onde se encontravam, uma variação seria favorecida e as demais eliminadas. Mudando o ambiente, mudam as premissas e outros indivíduos são selecionados. Uma das bases do raciocínio de Darwin foi a domesticação dos animais, em que as mudanças eram observadas de forma mais rápida ao longo do tempo, e a análise de fósseis.
Darwin também escreveu sobre seleção sexual, onde as condições não são determinadas pelo ambiente, mas sim pelo parceiro sexual potencial. Nessa seleção, as regras não são mais determinadas pela sobrevivência, mas por demonstrar ao parceiro a capacidade de sobreviver e gerar uma prole saudável.
A seleção natural não foi muito aceita na comunidade científica e muita gente se opôs. Boa parte era alinhada com a teoria de Lamarck e eram chamados de neolamarquistas. Eles colocavam um peso maior na hereditariedade das características adquiridas que na seleção pelo ambiente, e vale lembrar que não se conhecia os mecanismos genéticos na época, embora Gregor Mendel (1822 – 1884) já estivesse experimentando com os cruzamentos de ervilhas na Áustria. Mas a história da Teoria da Evolução não termina aqui.
Em 1900, são redescobertos os trabalhos em ervilha de Mendel. Ele mostrou que é através do cruzamento que os pais passam suas características para os filhos, mas na época ninguém sabia como. Os trabalhos de Mendel contavam que existiam dois fatores que contribuem para a formação das características do indivíduo e cada fator vinha de um dos pais. Esse fator é chamado de gene. Formou-se um novo grupo de evolucionistas. Para os mendelianos, a mutação era o principal mecanismo da evolução, e ela era benéfica ou deletéria. Para eles a mutação era uma mudança discreta e direcionada, que dava origem a uma nova linhagem. Já para os saltacionistas, as mudanças nas espécies se davam em pequenos pulos depois de acumular algumas mutações. E os darwinistas acreditavam que as variações ocorriam de forma lenta e contínua pela seleção natural.
Ronald Fisher (1890 – 1962) conciliou os darwinistas, mendelianos e saltarianos com seus trabalhos de genética de populações. Ele determinou que características contínuas, como a altura, não são determinadas por um único gene e sim pela combinação conjunta de vários genes. Os seus trabalhos falam sobre a frequência que esses genes aparecem na população. Se um gene tender a zero após várias gerações, ele está sumindo daquela população, sendo extinto, e o contrário seriam genes sendo selecionados.
Assim, surgiu a Teoria Sintética Evolutiva (ou Neodarwinismo). Mas o que sobrava de filosofia na escola evolutiva, faltava em metodologia. Essa escola não desenvolveu nenhuma maneira de organizar o conhecimento da diversidade biológica. Tanto a taxonomia lineana como os neodarwinistas usavam a intuição como ferramenta para estabelecer a familiaridade de grupos. Dessa forma, juntar a evolução de Darwin com a classificação de Lineu se mostrou uma forma inadequada de fazer taxonomia, já que a evolução não funciona de forma hierárquica ou arquetípica. Mas esse ainda é o formato ensinado nas escolas e presente nos livros didáticos que usamos.
Em mais ou menos 1960, nasce a Escola Fenética, que diz que a evolução é fato, mas nunca chegaríamos próximo da realidade dela, então devemos esquecer dela quando trabalhamos com taxonomia. Eles negavam que a classificação deveria seguir uma ordem de evolução natural e usavam métodos matemáticos para juntar espécies por semelhança. Só que semelhança pode não indicar parentesco, causando principalmente erros de convergência, como um tubarão e um golfinho, que são semelhantes, mas não são aparentados.
Em 1950, surgem os primórdios da Sistemática Filogenética, mas só em 1965 que esta se torna conhecida. Ela é cada vez mais adotada pelos cientistas atuais. É fundamentada na evolução de Darwin e Wallace e é compatível com ela. Os grupos são formados por relações de parentesco a partir de um ancestral comum. Se baseia em estudos genealógicos com hipóteses testáveis entre grupos naturais. Desenha uma árvore da vida com um ou mais ancestrais que deram origem a todos os fósseis e animais viventes hoje, ou seja, o princípio de ancestralidade comum da vida, que é um dos pilares da evolução.
E essa teoria da Evolução continua sendo atualizada, sem perder sua capacidade preditiva. Antes não conhecíamos as partes fundamentais que formam um ser vivo. Um passo importante se deu com a descoberta do DNA, a molécula responsável pela hereditariedade. Vimos que o DNA era uma dupla hélice e que a leitura era feita pelo código genético, traduzindo os códons em aminoácidos de proteínas, e essas regulam as funções biológicas dos seres vivos. As mutações, descritas anteriormente, são mudanças nas bases do DNA, e muitas destas mudanças são neutras em relação ao produto final. Assim, pode-se acumular um grande número de mutações sem que isso afete o organismo. Então, boa parte das mutações não é nem benéfica nem maléfica. Também se achava que as mutações eram todas randômicas e que a seleção natural ia determinar se aquela mutação ia se manter ou não. Hoje a gente sabe que não é bem assim. As mutações não são exatamente aleatórias e sim tem um certo padrão. Novas mutações ocorrem próximas a antigas mutações e também entendemos melhor como os genes interagem entre si. Também entendemos que fatores não genéticos podem influenciar na geração de biodiversidade, como diferentes conformações do DNA interferindo na leitura ou não de um trecho do DNA. E, mais recentemente, que fatores ambientais ligam e desligam genes em certos momentos e que esses fatores podem ser passados para a prole.
Porém, taxonomicamente, entramos em outro problema filosófico da biologia, até hoje não resolvido. O que é espécie? Na escola, aprendemos que são “Grupos de seres vivos capazes de cruzar e gerar descendentes férteis em condições naturais, estando reprodutivamente isolados de indivíduos de outras espécies”. Mas qual é o conceito mais usado atualmente? O de que não existe espécie. As espécies não são, as espécies estão e dado o devido tempo, outras espécies serão.
Muito desse pensamento vem de como diferenciar certos grupos de organismo. Os seres assexuados apresentam diferenças morfológicas muito pequenas e também não poderíamos classificá-los pelo DNA, visto que existe troca horizontal de genoma entre eles. É tão difícil que na árvore da vida a parte de baixo tem poucas linhas separadas.
E quanto aos descendentes férteis entre espécies diferentes? Conhecemos vários híbridos que são férteis, tornando o conceito de espécie ainda mais fraco. Como exemplo, podemos usar as espécies em anel. Darwin já dizia em seu livro que era difícil classificar as aves em galápagos. Bernhard Rensch (1900 – 1990) também teve dificuldade em separar um grupo de gaivotas do círculo polar ártico. As duas espécies que moram na Grã-Bretanha são morfologicamente distintas e não cruzam entre si. Uma delas se reproduz perfeitamente com outra que fica na Islândia. A da Islândia cruza com uma outra na Groenlândia. A da Groenlândia cruza com a da América do Norte, que cruza com uma no Canadá e assim por diante até voltar a Grã-Bretanha e cruzar com a espécie que não cruza com a inicial. Classificamos esses pássaros como 20 espécies diferentes ou como a mesma espécie com diferenças regionais? E isso não acontece só com aves, outros animais também apresentam o mesmo comportamento. Acreditamos que, nesse caso, é uma especiação completa das duas espécies da Grã-Bretanha, mas que as espécies intermediárias entre elas ainda estão vivas, tornando o processo evolutivo acompanhável em tempo real. Assim, espécie não é um termo natural, e sim um termo prático apenas. Podemos filosoficamente dizer que não somos seres humanos, estamos seres humanos, e que precisamos dessas classificações para estudar a biodiversidade de forma prática.
Para se aprofundar mais no tema:
CHEDIAK, Karla. Filosofia da Biologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2008
DARWIN, Charles. A Origem das Espécies através da Seleção Natural. São Paulo: Edipro, 2017
HULL, David. Filosofia da Ciência Biológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
MAYR, Ernst. Biologia, Ciência Única. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MAYR, Ernst. O desenvolvimento do pensamento biológico. Brasilia: UnB, 1998.
RIDLEY, Mark. Evolução. Porto Alegre: Artmed 2006
Para uma leitura leve divertida sobre o assunto:
PIRULA & LOPES, Reinaldo José. Darwin sem frescura: como a ciência evolutiva ajuda a explicar algumas polêmicas da atualidade. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2019