A Origem da Massa
Na ultima década os físicos de altas energias propagaram como verdadeira a hipótese de que a massa de todos os corpos seria consequência de uma nova interação com um onipresente campo escalar chamado higgs. A descoberta de uma partícula associada a esse campo, com as características desse bóson de higgs transformou essa proposta em verdade hegemônica junto à comunidade científica, aceitando-a como a demonstração daquela função de geradora universal das massas de todos os corpos. Restava inexplicada uma questão crucial, associada ao fato de que esse bóson de higgs tem ele mesmo uma massa: quem dá massa ao bóson de higgs?
Um modo natural de responder a essa questão abriu o caminho para uma nova-antiga interpretação da origem da massa. A partir de uma leitura einsteiniana das considerações de Mach sobre a inércia dos corpos, a massa deveria estar associada de modo universal à interação gravitacional. Dito de outro modo, a massa de qualquer corpo é o resultado de um processo auto-iterativo da massa de todos os demais corpos existentes no universo.
Na linguagem da teoria da relatividade geral isso significa que é a expressão da inércia de todos os corpos no universo que produz a massa de cada corpo. A gravitação nada mais seria do que um catalisador desse processo. É a constante cosmológica, introduzida por Einstein em seu programa cosmológico original que teria esse papel de contato entre cada corpo e essa representação cósmica de sua geometria.
A origem da massa
Até meados da década de 1960, os cientistas acreditavam que a massa dos corpos era uma propriedade natural, e que, consequentemente, não requeria uma explicação ulterior. Ou, dito de outro modo, epistemológico, não haviam mecanismos nem embasamento formal capaz de produzir uma explicação coerente e aceitável sobre a redução do conceito de massa (de todos os corpos existentes) a estruturas formais mais elementares.
Com exceção do fóton, todas as partículas observadas na natureza tem massa. Até muito recentemente os diferentes tipos de neutrinos também eram considerados como partículas sem massa. No entanto, nos últimos anos, a possibilidade de esses neutrinos serem massivos tem sido amplamente examinada. Grande parte da comunidade cientifica acredita que existem razões suficientes, originadas de observações indiretas e formais, que apóiam a idéia de que neutrinos são partículas massivas.
Assim, reconhece-se que de todas as partículas efetivamente observáveis somente o fóton não possui massa.
E então surge a questão: qual é a origem da massa de todas as partículas existentes no universo e por que só o fóton não tem massa?
Dos planetas aos átomos
Um longo caminho de investigação, envolvendo a química, a física e a astronomia permitiu entender a totalidade dos corpos macroscópicos, como estrelas e planetas, em termos de quantidades microscópicas como moléculas e átomos e seus constituintes mais elementares como elétrons, protons e nêutrons. E, ao longo do século XX, pudemos penetrar no mais intimo da matéria, as partículas elementares, construídas a partir de duas grandes famílias, os leptons e os quarks. Fez-se então uma grande economia de pensamento: não havia mais a necessidade de produzir uma explicação para a origem da massa de cada corpo existente no universo, mas apenas para o surgimento de uns poucos elementos fundamentais — da ordem de algumas dezenas —que segundo a física constituem os blocos fundamentais com os quais qualquer corpo pode ser construído.
Foi então possível fazer a indagação que nos ocupa aqui: a massa é um conceito primitivo ou é derivada de alguma propriedade mais elementar, uma sub-estrutura mais fundamental, uma interação ou uma essência outra a partir da qual ela se define e se constitui?
Os mecanismos escondidos
Antes de proceder à descrição das duas propostas mais relevantes sobre a origem da massa de todos os corpos — que chamaremos de mecanismo do bóson (de Higgs) e mecanismo gravitacional (de Mach ) devemos nos perguntar quais as condições que um processo físico deve satisfazer para que seja aceito como bom candidato à esta função (de gerar massa). Isso simplifica bastante o desenrolar do inquérito que instaurarmos para entender a origem da massa. A resposta é essencialmente técnica mas pode ser sintetizada da seguinte forma.
Um mecanismo capaz de gerar massa para as partículas elementares se sustenta em três requisitos:
- Uma interação universal que atue sobre todos os corpos;
- Esta interação deve exibir explicitamente o modo como os corpos adquirem massa;
- Um parâmetro livre capaz de dar valores distintos à massa das diferentes partículas.
Para satisfazer a primeira condição os físicos tinham duas opções: considerar o campo gravitacional ou postular a existência de um novo campo como agente de uma nova interação .
Havia várias razões para que os físicos de Altas Energias, envolvidos em descrever a microfisica, preferissem a ousadia e o caminho especulativo de propor a existência de um novo campo. Esta opção trazia um certo número de respostas a outras questões envolvendo o microcosmos, no interior mais profundo da matéria. Por outro lado, a apoiar este caminho, valia-se de uma critica negativa ao mecanismo gravitacional.
Sabe-se que a força gravitacional é fraca. Consequentemente, embora a gravitação seja dominante em processos descritos na astronomia e na cosmologia– que tratam de grandes quantidades de matéria e grandes dimensões de espaço e tempo— pensava-se que ela não devia ter um papel relevante no microcosmo. Pelo menos no nível dos átomos, elétrons e prótons, esta força pode ser desprezada. Tal característica deve-se ao fato de que a constante de Newton G que determina a intensidade desta força é extremamente pequena, se comparada com as constantes envolvidas nas forças nucleares. Como se admitia – de maneira errônea, como se mostrou recentemente — que a formula da massa gerada a partir da interação gravitacional deve conter esta constante G, concluiu-se que este mecanismo não deveria ser um sério competidor de qualquer outro mecanismo que dependa de forças nucleares, microscópicas, todas elas muito mais intensas.
Foi somente após investigações realizadas em 2010 que este argumento, aparentemente sólido, desmanchou-se no ar. Contribuiu para isso a forma como o Principio de Mach foi utilizado, como veremos.
Mecanismo de Higgs
Na base desta proposta encontra-se a hipótese de que exista uma nova interação da fisica, cujo grau de generalidade não se conhece e, consequentemente deve ser postulado para preencher a primeira condição acima. Seu agente principal seria uma particula que ficou conhecida como boson de Higgs. A ela está associado um campo que se extende no espaço-tempo, o campo de Higgs.
Assim como a gravitação constitui um processo não-linear, propôs-se a hipótese de que o boson de Higgs deveria também atuar sobre si mesmo. Graças a esta auto-interação este campo admite a existência de um estado fundamental –o vazio – no qual sua correspondente energia constante se espalha por todo o espaço. Pois é precisamente a energia deste estado fundamental que é a base do mecanismo de geração de massa proposto por Higgs. É a partir deste estado fundamental que todas as outras particulas adquirem uma massa que é então função direta do valor da energia deste estado de vazio do boson de Higgs. Podemos sintetizar este mecanismo de Higgs da seguinte forma:
Toda particula A está envolta em um mar de energia que representa localmente o estado mais fundamental do vácuo de um campo escalar especial (o boson de Higgs). Este envoltório é interpretado como a massa de A.
Quem dá massa àquele que dá massa?
Como consequência deste processo, uma caracteristica desagradável aparece e produz uma dificuldade formal que ainda não foi resolvida. Além da hipótese de que o boson de Higgs tem um processo de auto-interação, deve-se aceitar também que ele possui massa. Sem esta massa, aquele estado fundamental não pode ser atingido, inibindo assim que se forme a configuração necessária para prover massa aos outros corpos. Isso porque a existência daquele vazio estável depende precisamente de uma combinação especial de valores que conectam a massa do boson de Higgs e os valores associados à sua auto-interação.
Surge então a questão: qual a origem desta massa do boson de Higgs? Ou, de modo semelhante à nossa pergunta inicial: quem dá massa ao boson de Higgs?
Uma indagação como essa não se aplica à gravitação que é uma força de longo alcance. Ou seja, no mecanismo gravitacional, essa dificuldade de principio não existe.
Em cena a gravitação
Embora o conceito de massa apareça em inúmeros processos que envolvem a gravitação, até pouquíssimo tempo atrás não se conhecia um mecanismo eficiente a partir do qual a massa apareça como conseqüência de processos gravitacionais. Ao contrário, foi precisamente no território das Altas Energias , no domínio da microfisica – onde a gravitação é deixada de lado como irrelevante, devido à extrema fraqueza de seus processos – que apareceu um modelo para gerar massa, com base em processos elementares de interação com um novo campo ainda não observado, o campo de Higgs.
A idéia original da elaboração de um mecanismo gravitacional para entender a massa como um processo de interação se apóia em uma noção antiga, de mais de um século: o Principio de Mach.
Princípio de Mach: local ou global?
O sucesso da fisica ao retalhar o mundo para estabelecer uma hierarquia entre os fenômenos foi certamente um fator importante na caracterização da origem da massa. De acordo com essa visão, a massa de um corpo deve ser entendida ou como um conteudo aprioristico da matéria ou como um processo local associado a alguma forma de ação contigua eliminando qualquer papel referente às propriedades globais do universo.
Assim, não é de se estranhar que o chamado Principio de Mach tenha causado um choque e, ao mesmo tempo, despertado curiosidade ao relacionar propriedades entendidas até então como locais com caracteristicas globais do universo.
Na versão de Einstein deste principio (1912), a inércia total de um corpo massivo por menor que ele seja, nada mais é do que o efeito da presença de todas as outras massas existentes. Ou, de outro modo, a massa de um corpo A nada mais é do que o resultado da ação sobre A de toda a energia existente no universo, isto é, da ação do resto-do-universo.
Neste ponto, Einstein usa sua interpretação da mecânica de Mach para produzir a relatividade geral —-que nada mais é do que uma teoria da gravitação —– capaz de ser o agente desta influência cósmica sobre qualquer corpo.
Há uma longa e interessante discussão que envolve a interpretação do principio de Mach por Einstein na sua mas não irei entrar nessa questão aqui.
Quero somente reter a interpretação einsteniana de que a massa de um corpo está intimamente relacionada à interação gravitacional. E mais: se queremos entender a massa em termos mais fundamentais, devemos associá-la a processos gravitacionais globais. Isto é, a massa de um corpo qualquer, por menor que seja (digamos de um electron ou de um próton), deve depender da interação gravitacional deste corpo com o resto-do-universo. Ou seja, a inércia de um corpo é uma propriedade da matéria e de sua interação com o resto-do-universo, da distribuição global de energia.
Pode causar surpresa a idéia presente no Principio de Mach, de que uma propriedade especifica de um corpo esteja relacionada à estrutura global do espaço-tempo. Esta solidariedade do universo não faz parte daquele modo de compreender o mundo por meio de seu retalhamento, de sua divisão em processos contíguos. Esta é, sem dúvida a grande distinção entre essas duas propostas rumo à compreensão do conceito de massa.
De um lado, temos o mecanismo de Higgs, a idéia de redução da influência do universo sobre suas partes; de outro lado, o mecanismo gravitacional, a inter-conexão ente o local e o global, a ação do universo sobre suas partes.
Apesar do grande sucesso da teoria da relatividade geral que Einstein elaborou a partir de sua visão machiana, ela não teve igual sucesso na produção de uma formula para a massa. Ela não havia criado, até muito recentemente, uma versão quantitativa capaz de exibir esta dependência global da massa em relação à gravitação.
Cem anos de solidão
Embora a teoria da relatividade geral de Einstein possa ser compreendida e estudada de modo independente das idéias de Mach, para quem a inércia de um corpo Α depende da distribuição global de energia de todos os corpos existentes no universo, devemos reconhecer seu valor histórico na produção formal da ideologia que serviu como pano-de-fundo para Einstein empreender a maravilhosa caminhada que o conduziu à idéia de associar a gravitação com a estrutura métrica do espaço-tempo.
Durante o século XX a idéia fundamental de associar propriedades locais da matéria e suas interações com o estado global do universo foi aparecendo aqui e ali, sem no entanto ter conseguido exibir um mecanismo seguro e confiável capaz de por em evidência esta inter-conexão entre o local e o global. Ou melhor, sem que aparecesse o efeito da estrutura global do universo sobre propriedades locais. O próprio conceito de massa que permeia todos os processos gravitacionais não havia alcançado uma formulação eficiente capaz de exibir esta dependência com a totalidade do que existe.
Assim, durante os últimos cem anos, esse modo einsteniano de traduzir as idéias de Mach não tinha obtido um modo eficiente de interferir nas teorias da fisica. Esta ineficiência foi certamente uma das razões que conduziram à aceitação, por parte dos físicos, do modo de Higgs de gerar massa.
Mecanismo gravitacional
Entretanto, esta dificuldade foi contornada recentemente por meio de uma re-interpretação do principio de Mach e de seu papel na geração da massa de todos os corpos. Como consequência deste novo procedimento, obteve-se duas propriedades essenciais, a saber:
- Na formula de massa obtida pelo mecanismo gravitacional não aparece a constante de Newton;
- O mecanismo gravitacional independe das propriedades especificas do campo gravitacional.
Para conseguir demonstrar a existência formal de uma proposta que contivesse estas duas propriedades foi necessário entender que a gravitação interage com a matéria de uma maneira um pouco mais complexa do que se suponha. A demonstração disso é técnica demais para que possamos descrevê-la aqui. (O leitor interessado em seus aspectos técnicos pode consultar as referências na bibliografia). No entanto, apenas para visualizar o que está em jogo, faremos um breve comentário.
Há duas propriedades importantes em cena aqui: o modo como os corpos reagem a um campo gravitacional e a ação da energia do resto-do-universo sobre os corpos. Podemos descrevê-los resumidamente do seguinte modo:
- A interação gravitacional — como descrita por Einstein em sua teoria da relatividade geral — substitui o modo tradicional newtoniano de tratar a ação de uma força sobre um corpo, pela modificação da estrutura métrica do espaço-tempo. Nesta interpretação, o mecanismo em questão se baseia na dependência desta interação com a curvatura do espaço-tempo.
- Ao aceitarmos a idéia de que as propriedades inerciais de um corpo A são determinadas pela distribuição de energia de todos os outros corpos do universo, uma questão aparece de imediato: como descrever este estado universal que é capaz de levar em conta a contribuição do resto-do-universo sobre A?
É aqui que se insere a interconexão entre os mundos clássico e quântico, pois este estado do resto-do-universo pode ser descrito como o estado fundamental da matéria, o estado do vazio. Isto é, tudo se passa como se houvesse uma constante cosmológica Λ e que o corpo A se visse mergulhado em um mar de energia constante, distribuída homogeneamente em todo o espaço-tempo.
Usando estes dois procedimentos, realiza-se a função de doar massa para o corpo A. Talvez a interpretação mais relevante deste mecanismo seja o reconhecimento de que a gravitação é somente um agente catalizador entre os corpos elementares (elétron, próton, etc) e o resto-do-universo.
Essa estrutura global ou dominio de influencia de todos os demais corpos e campos capazes de influenciarem A será chamada de resto-do-universo de A. A ação deste resto-do-universo sobre A se dá pela interação gravitacional universal: o corpo A percebe o resto-do-universo como se estivesse mergulhado no vazio cósmico.
Podemos então, sintetizar esse mecanismo assim
Pelo mecanismo gravitacional, toda particula A está envolta em um mar de energia que representa localmente o estado mais fundamental do vácuo de todo o universo. Este envoltório é interpretado como a massa de A.
Talvez seja relevante enfatizar aqui que a massa ocorre como um processo que relaciona A ao resto-do-universo. A gravitação nada mais é do que o agente catalizador desse processo. Dessa forma podemos entender o fato de que a gravitação, embora seja a força mais fraca conhecida esteja na origem da geração de massa.
Conclusão
Os dois mecanismos de gerar massa apresentados se baseiam numa mesma estrutura fundamental: um estado do vazio descrito por uma distribuição de energia constante em todo o espaço. A massa aparece como uma resposta individual de cada corpo a este estado de excitação fundamental, este mar de energia invisível, mas mensurável, que – para os aspectos que importa aqui — pode ser identificado ou com uma constante cosmológica ou com o vácuo quântico.
A principal distinção entre eles reside na origem deste estado. O cenário de Higgs requer a presença de um novo campo da física, uma nova partícula, com propriedades especiais como uma massa e um processo de auto-interação relacionados por valores bem específicos.
O cenário gravitacional tem várias vantagens sobre o de Higgs, pois as condições requeridas para que ele conceda massa aos corpos não são difíceis de serem satisfeitas. E, particularmente, não podemos aceitar como verdade a hipótese de que o campo de Higgs interage com todos os corpos. Por outro lado, não há nenhuma dúvida quanto à universalidade da gravitação.
Eu acrescentaria aqui um comentário sobre uma questão que pode despertar curiosidade. Por que Einstein, tendo todos esses ingredientes com que descrevemos a origem gravitacional da massa não realizou esse passo fundamental de obter a massa de todos os corpos a partir da interação gravitacional? A resposta é um pouco técnica mas vou tentar apresentá-la de modo sucinto.
Um dos pilares da teoria da relatividade geral consiste na hipótese de que localmente as leis da física são aquelas descritas pela teoria da relatividade especial. O famoso principio de equivalência, associando um sistema de referência acelerado a um campo gravitacional homogêneo permite eliminar o efeito gravitacional local. Ora, se a massa depende da interação gravitacional, isso permitiria eliminar a característica da mass em cada ponto do espaço-tempo, o que é absurdo.
O impedimento maior vem precisamente da identificação deste principio de equivalência com a forma de interação da matéria com o campo gravitacional. Foi somente quando se separou esses dois ingredientes (a equivalência e a interação gravitacional) que foi possível efetivar um modo de gerar massa para todos os corpos via gravitação. Isso se deve ao fato de que ao alargar a interação gravitacional, permitindo que processos envolvendo a curvatura do espaço-tempo —o campo gravitacional que não pode ser eliminado nem localmente por uma simples transformação de sistema de representação— é que o mecanismo gravitacional pode atuar e ser universal e eficiente. Concluimos então que a massa de todos os corpos depende somente da interação gravitacional a partir de um estado do vazio fundamental. Ou seja, contrariamente ao que afirmam Higgs e seus colegas, Einstein e Mach estavam certos.
Comentários
Um dos grandes sucessos da física no século XX foi a unificação de todos os processos, da dinâmica de todos os fenômenos a partir de uma combinação de apenas quatro forças fundamentais. Não deixa de ser notável a eficiência dos físicos ao demonstrar de que todos os processos do mundo observável que fazem parte de sua área de competência podem ser explicados como conseqüência da luta entre quatro e somente quatro forças fundamentais: a força eletromagnética, a força gravitacional, a força nuclear fraca e a força nuclear forte.
Há vários modos de distinguir essas forças e classificá-las. Vamos nos limitar aqui a dois deles. Para realizar essa divisão devemos nos concentrar em duas propriedades: o alcance e a respectiva intensidade de cada uma dessas forças.
A física anterior ao século XX, que, genericamente, se costuma-se chamar de física clássica (isto é, não-relativista e não-quântica), conhecia somente forças de longo alcance: as forças gravitacionais e as eletromagnéticas. Com isso, entende-se que seus efeitos se estendem por todo o espaço conhecido, uma região tão grande que se tende a afirmar, simplificadamente, que essas forças possuem alcance infinito, ou melhor, não têm limite sensível.
Além destas, no interior da matéria, no nível atômico, e mesmo mais intimamente, no nível intra-atômico, duas novas forças foram reconhecidas e chamadas de forças nucleares fraca e forte. A primeira é responsável pela desintegração da matéria, e a segunda por sua estabilidade e persistência. São forças de curto alcance, de dimensões extraordinariamente pequenas, imperceptíveis aos nossos sentidos; fazem-se sentir somente no mundo microscópico, no interior dos átomos. Essa propriedade das forças nucleares está relacionada ao fato de que as partículas que servem como intermediárias nessas interações possuem massa diferente de zero. Em verdade, pode-se mostrar que o alcance de uma interação é inversamente proporcional à massa da partícula trocada.
Segundo o modo moderno, ou melhor, quântico, de interpretar e/ou explicar o fenômeno da interação – aquilo que, tradicionalmente, chamávamos de “força” entre dois corpos –, tudo se passa como se os corpos trocassem partículas extremamente leves e típicas de cada interação ou força. O caráter misterioso que revestia o conceito de “força” foi, assim, substituído pela nova forma encontrada para descrever a interação: a troca de um número de agentes ativos, os “emissários da interação”, ou os quanta, isto é, os grãos de energia desta “força”. A partir do que vimos, esta seria a representação da hierarquia das forças:
Forças de longo alcance: eletromagnética e gravitacional; forças de curto alcance: nuclear forte e nuclear fraca
Outra forma de caracterizar e ordenar as forças é lançar mão do conceito de intensidade. Em situações semelhantes essas forças produzem respostas distintas como resultado de suas respectivas ações. É possível identificá-las por certas constantes fundamentais que constituem a impressão digital de cada uma delas. Para cada força existe um valor correspondente da constante que determina a diferença entre suas intensidades. Com esse critério pode-se elaborar uma segunda ordem hierárquica que vai da mais forte para a mais fraca:
Nuclear forte — Nuclear fraca –eletromagnética – gravitacional.
Finalmente, há uma distinção fundamental entre as duas forças clássicas: somente a gravitacional é universal, isto é, atua sobre qualquer corpo e mesmo sobre a energia sob qualquer forma. A força eletromagnética somente atua apenas sobre corpos especiais que possuem uma qualidade particular, a carga elétrica. Não há nada, nenhum corpo material ou energia pura capaz de subtrair-se à ação gravitacional. Isso é tão geral, tão universamente reconhecido que levou um físico a afirmar, para enfatizar esta universalidade da força gravitacional: “caio, logo existo”.
O conceito de massa tratado neste artigo se refere a um corpo em repouso. Esse conceito tanto na física newtoniana quanto na física relativista é inequívoco e indica uma quantidade universal, a mesma para todos os observadores independentemente de seu estado de repouso ou movimento e em qualquer circunstância. Essa massa constante especifica para cada partícula é o que requer explicação.
Segundo o modelo padrão das partículas elementares, toda a matéria se estrutura a partir de duas classes fundamentais: os leptons e os quarks. Há três leptons básicos: elétron, muon e tau. Cada um deles é acompanhado de seu correspondente neutrino. Com isso contamos 6 leptons. O mesmo número ocorre nos quarks: existe o quark Up, Down, Charm, Strange, Top e Bottom. Toda a matéria conhecida pode ser reduzida a diferentes combinações destes elementos.
Além destes constituintes fundamentais, existem os bósons que se associa à quantização das interações. No caso da força eletromagnética, o intermediário é o fóton. Na interação fraca, responsável pela desintegração da matéria, são os 3 bosons vetoriais. No caso dos quarks, os 8 gluons. No caso da gravitação seria o hipotético gráviton, do qual, ainda hoje, não temos nenhuma evidência observacional de sua existência
O prêmio Nobel de fisica Leon Lederman cunhou o termo God particle para se referir ao bóson de Higgs. Independentemente da ingenuidade, arrogância e presunção do termo partícula divina a expresão bóson de Higgs é igualmente pouco fiel, pois afinal, outros físicos também desenvolveram, inclusive antes, idéia semelhante à de Peter Higgs, como T. Kibble, François Englert e Robert Brout .
Referências
- B. Okun
The concept of mass ( mass, energy, relativity) in Sov. Phys Uspekni 32 (7) julho 1989. - Novello
The gravitational mechanism to generate mass in Classical and Quantum Gravity (2011). - Novello
Mach or Higgs? Anais da XIV Brazilian School of Cosmology and Gravitation (2011) - Novello
O que é Cosmologia? (Editora Jorge Zahar, 2006). - Novello
ArXiv (2010) astro-ph (1003, 5126v1). - Einstein in Mach´ s Principle (Ed. Barbour and Pfister, 1995.