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A experiência humana da educação e os voos ilusórios das figuras lendárias da Educação à distância

Por Nuccio Ordine 21 de abril de 202028 de abril de 2020
Artigo de Nuccio Ordine (professor  da Universidade da Calábria) publicado em 23 de março de 2020 no “Corriere della Sera”.

Tradução: Flavia Bruno

 

Em tempo de corona vírus as escolas e as universidades também se preparam para reagir à emergência e se adequar construtivamente às recentes disposições de suspensão das atividades didáticas presenciais. Há alguns dias dominam nas redes, nas páginas dos jornais, nas transmissões de rádio e TV, nos sites universitários e escolares palavras-chave come “smart working”, “distance learning”, “business model”, “soft skills”, “Massive online open courses” e outras expressões que evocam o universo do ensino a distância e do trabalho virtual. Em resumo, uma escolha a que estamos obrigados para evitar que as necessárias diretrizes governamentais se trasformem em uma traumática interrupção das relações entre docentes e estudantes.

A excepcionalidade da situação que estamos vivendo nos fez também compreender a importância de uma coordenação nacional e os perigos que se poderiam correr ao entregar a instrução e os serviços de saúde pública ao arbítrio de cada região (do país). Até aqui nenhuma novidade. Mas o dado preocupante diz respeito a algumas das últimas intervenções que, de maneira enfática, consideram a epidemia como uma extraordinária oportunidade para trazer novamente e, com mais força ainda, a questão da “Educação a Distância” e as potencialidades virtuais a ela relacionadas. Uma calorosa adesão, ao longo da trilha traçada pelas inúmeras diretrizes internacionais que há alguns anos inundam os gabinetes dos reitores e dos diretores de escola, a assim chamada “didática do futuro”, fundada sobre modelos pedagógicos nos quais se despotencializam as “lições em sala de aula” e o contato direto entre professores e alunos. Em “tempos de peste”, lembrava sabiamente Albert Camus, parece inevitável sacrificar tudo “à eficiência”.

Mas esta regra vale também em tempos “normais”? Infelizmente, há pelo menos trinta anos, escolas e universidades correm cada vez mais o risco de sacrificar a educação ao mundo virtual e a una pedagogia mercantilista. Em um mundo globalizado, no qual a educação é considerada sobretudo um meio para adquirir uma profissão e não para formar cidadãos livres e cultos, é legítimo que nos alarmemos.  Reconhecer o quanto a tecnologia é indispensável sobretudo em circunstâncias extremas como essa, é uma coisa. Mas, pensar que se possa dispensar o livro e as relações humanas entre professores e alunos é uma loucura. Não é verdade que ler Orlando, o furioso no formato digital é o mesmo que ler o livro físico. Alguns neurocientistas sustentam que, ainda que o texto seja idêntico, o dispositivo digital distrai e não facilita a atenção necessária à compreensão!. Assim como não é verdade que estar permanentemente conectado favorece as relações humanas o (mundo virtual além de banalizar a amizade reduzindo-a ao Facebook com um simples click, está criando uma nova forma de terrível solidão!). E, da mesma maneira não é verdade que as aulas a distância tenham o mesmo efeito das aulas presenciais: estamos esquecendo que durante séculos o saber foi compartilhado entre docentes e discentes graças a uma relação direta, in preaesentia, na qual professores, armados de paixão e conhecimento, conseguiram seduzir e estusiasmar os seus alunos. Quem faz do ensino e da pesquisa a sua missão principal, sabe muito bem que hoje o limiar de atenção dos nossos estudantes certamente, não por culpa deles é muito baixo: manter o interesse deles vivo requer esforço e preparações extraordinárias, requer uma relação direta que não pode prescindir dos olhares e dos gestos de interação entre aquele que fala e aquele que escuta. Somente no encontro em sala de aula se desenvolvem as alquimias necessárias que permitem aos estudantes aprender com os professores e os professores com os estudantes.

Achamos, de verdade, que uma plataforma digital, um computador ou um quadro digital podem mudar a vida de um estudante?  Estamos certos de que o utilitarismo das “competências” seja mais importante do que o conhecimento em si? Estamos verdadeiramente convencidos que o encontro em sala de aula com os docentes deva ter como finalidade exclusivamente estimular as “habilidades individuais” e o “saber fazer”? E mais: como justificar o progressivo realocamanto de investimentos, da docência para os instrumentos de didática digital? Como podem desmotivar e despotencializar os professores em número sempre mais exíguo e mal pagos e imaginar, ao mesmo tempo, notáveis recursos para máquinas e computador? Neste momento mesmo de crise estamos tomamos consciência dos efeitos devastadores que os severos cortes de orçamento tiveram nos setores da educação e da saúde os dois pilares nos quais se funda a dignidade humana: o direito ao conhecimento e o direito à saúde.

O objetivo da educação não é a aquisição de um diploma. É sobretudo a experiência humana e intelectual que se realiza dia a dia, em um mundo feito de encontros e trocas concretas entre professores e estudantes. Reduzir essa experiência a uma relação virtual significaria transformar a educação em um estéril mercado de formaturas e diplomas e os estudantes em clientes a serem fidelizados. Significaria dar crédito às ilusões que voam alto, prometidas por falsas lendas que, ao contrário, não conseguiriam nos elevar um centímetro acima da nossa ignorância.  Lidemos agora com a emergência dos cursos a distância. E pensemos também – não só nos estudantes que, impossibilitados de conectar-se, não poderão desfrutar do ensino a distância ou  naqueles que inscritos em cursos de graduação, serão penalizados pela supressão da experiência direta nos laboratórios – em um extraordinário plano para recuperar as lições em sala de aula durante o verão. Porém transformar a exceção em regra, esquecendo-se do papel central da relação humana no ensino e a autêntica missão da escola e da universidade, seria um erro gravíssimo.

Autor

  • Nuccio Ordine

    Professor da Universidade da Calábria.

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