Simpósio Solidariedade
26 e 27 de setembro de 2018
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF)
Rua Xavier Sigaud, 150, Urca, Rio de Janeiro
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Solidariedade é um conceito empregado quase que exclusivamente na sua dimensão social. Em verdade, o exame da evolução deste conceito mostra que embora suas origens residam no direito romano, sua flexibilidade permite sua utilização em diversas áreas do conhecimento como na biologia, nas ciências sociais e na economia.
Graças à teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, o termo solidariedade pode ser usado também nas questões cósmicas. Isso se deve às propriedades dessa teoria que mostrou as incongruências que aparecem quando se extrapola as leis físicas terrestres ao universo sem considerar sua compatibilidade com as propriedades globais do cosmos.
A noção de solidariedade pode ainda ser entendida como um processo que repousa sobre a compatibilidade, a coerência no sentido da matemática e da física, numa união para produzir um evento ou um acontecimento que beneficie a todos envolvidos.
O argumento principal consiste em empregar o conceito de solidariedade para a compatibilização entre o micro e o macrocosmo, isto é, entre as propriedades das partículas elementares que constituem todos os corpos e as características globais, topológicas, do universo.
Se não houvesse compatibilidade entre as leis físicas, isto é, se não existisse uma harmonia entre o micro e o macrocosmo, uma disfunção estaria presente. A solidariedade local-global é fundamental para que efeitos gerados numa eventual incompatibilidade não provoquem instabilidades, perturbações que possam crescer sem controle, inviabilizando a existência do universo por um tempo significativo.
O modelo cosmológico proposto por Einstein, em 1919, seria um bom exemplo para tal cenário desastroso devido à ausência de interação solidária entre suas partes, o que produz alta instabilidade.
Este modelo foi substituído pelo cenário proposto pelo matemático Alexandre Friedman, em 1922, de um universo dinâmico em expansão, uma ideia seminal cheia de potencialidades na gestação de uma visão aberta do universo que ainda hoje domina o cenário da cosmologia.
A hipótese ingênua de que as diferentes partes do universo se estruturaram de modo independente não pode ser considerada seriamente. A solidariedade global é a condição mínima para permitir que o universo possa ter estabilidade e longevidade necessárias para permitir o surgimento da vida possibilitando o ulterior aparecimento de seres humanos capazes de refletir e apreciar a beleza do cosmos.
Essa solidariedade das diferentes estruturas, seja no microcosmos seja nas propriedades globais do universo, foi explicitada como uma conquista da ciência somente nos anos recentes. Isso foi possível graças à evolução de nosso conhecimento tanto no mundo das partículas elementares e sua complexa organização, bem como nas propriedades das gigantescas estruturas existente nas centenas de bilhões de galáxias observadas.
Entendemos então que é um passo natural a aplicação desse conceito igualmente à sociedade humana, não como algo esdruxulo, nem como uma fraqueza opondo-se à prática guiadora de sobrevivência darwiniana, mas sim como uma lei natural, universal, de convivência e procedimento de interação entre toda forma de ser, vivo ou não.
Uma tal ideia não é novidade pois já no século XVI Giordano Bruno ensinava que o modelo de vida em coletividade a ser seguido deveria se espelhar na multiplicidade de mundos típica de sua cosmogonia onde ele construíra, a partir da ideia de infinitos mundos, um modo de ser em sociedade que faria da solidariedade o instrumento mais legitimo de sobrevivência.
O sociólogo francês Alain Supiot, apontou recentemente que a causa da destruição das instituições sociais fundadas sobre o princípio da solidariedade nos diversos países do ocidente se deve à propriedade principal da noção de solidariedade que em sua versão social se opõe frontalmente à extensão da lógica perversa do neoliberalismo.
Não deixa de ser irônico constatar que essa destruição está indo na contra-mão do que a Cosmologia está nos ensinando, ou seja, considerar a solidariedade como um dos princípios fundamentais do universo.
Mario Novello
Programação
Dia 26/09/18
09:30 às 10:30 – Wanderley G. Santos e Maira Froés
10:30 às 10:45 – intervalo
10:45 às 11:45 – Fragale Filho e Alberto Pucheu
11:45 às 14:00 – Intervalo para almoço
14:00 às 15:00 – Auterives Maciel e Roberto Amaral
15:00 às 15:15 – Intervalo
15:15 às 16:15 – Nelson Job e Acácio Augusto
16:15 às 17:15 – Carla Ferro e Octavio Bonet
Dia 27/09/18
09:30 às 11:00 – Marcelo Medeiros, Marcus Tadeu e Henrique Vieir
11:00 às 11:15 – interval
11:15 às 12:15 – Mario Novello e Flavia Bruno
Resumos
A Sociedade Intransitiva
Wanderley Guilherme dos Santos – sociologia UFRJ e UERJ
Trato do duplo ocaso – da democracia representativa e da revolução industrial –, acelerado pelas sequelas da crise internacional de 2008, com a consequente substituição da cultura cívica judaico-cristã. Em seu lugar, instalam-se regras não escritas de conduta, cujo conjunto denomino de “sociedade intransitiva”, caracterizada pelo provérbio “o amigo do meu amigo não é necessariamente meu amigo” e derivados.
Sujeitos em Ciência
Maira Froes – neurociência – LAMAE/UFRJ
Ao contrário da aposta cartesiana, não somos biologicamente ferramentados para dissociar nossos sujeitos, e a percepção/processamento que realizamos de nós e do outro, de nossas experiências objetivas. Nossos recursos narrativos têm sentido porque são sensíveis. O outro é inevitavelmente projeção do processamento neurobiológico corporificado/incorporado que fazemos do que classificamos objetivamente como o outro. A ciência é um sistema de narrativas compartilhadas, sujeitas aos sujeitos humanos.
Poesia e alteridade
Alberto Pucheu – poesia – UFRJ
Desde o começo da poesia e da reflexão sobre a poesia e a partir dela, a alteridade se faz presente. Seja em Homero, Platão, Keats, Rimbaud, Fernando Pessoa e em ensaios teóricos do século XX a questão da alteridade da poesia é uma das mais retornantes. A minha fala girará em torno desta questão, incluindo leitura de poemas em torno do assunto.
Direito e Solidariedade
Roberto Fragale – direito – UFF
Embora a solidariedade tenha se constituído como regra de direito cuja expressão mais perfeita encontra-se no acesso incondicionado a direitos garantidos pelo Estado, cada vez mais ela é substituída por uma lógica contratual que condiciona seu acesso à oferta de contrapartidas. Na medida em que esse câmbio substantivo se realiza, a própria noção de solidariedade vai desaparecendo do debate público e disso resulta uma responsabilização individual, que esvazia o sentido coletivo da ação social. Ausente do debate público (e político), esvaziada de seu sentido universal, substituída por uma crescente responsabilização individual, a solidariedade transforma-se em estratégia de sobrevivência cotidiana.
O que e um agenciamento? Como fazer multidão sem deixar de ser singular
Auterives Maciel – filosofia – PUC-Rio, UVA
Faremos nesse colóquio um elogio dos encontros entre minorias , valorizando as suas diferenças e elogiando a potência que existe no agenciamento promovido por elas. Para alcançarmos tal propósito, explicaremos o conceito de multidão como uma multiplicidade de singularidades , mostrando como a união de diferenças pode constituir um tecido político eficaz e ético. Construiremos o título da nossa fala unindo autores diferentes , tais como Negri, Deleuze, Kafka , Guattari e Hardt, para colocarmos em evidência a potência existente na política da união.
A solidariedade como valor do humanismo
Roberto Amaral – Cientista politico e ex-Ministro da Ciência e Tecnologia
A solidariedade é valor fundamental para quem acredita que é possível um mundo mais justo do que esse que aí está. Ela difere da compaixão (e da caridade), em geral de origem religiosa, por reconhecer identidade no que parece diferença: ele fala outra língua, tem outra cor de pele, outra cultura, mas luta pelo mesmo que eu, justiça. A solidariedade é um valor oposto ao individualismo pequeno-burguês.
Os donos do poder digladiam-se em disputas e trapaças, mas tornam-se irmãos quando percebem ameaçada, na menor medida que seja, a ordem desigual que os beneficia. Em relação aos que vivem exclusivamente de seu trabalho, a arma dos donos do poder é dividir para reinar, maldizendo e inviabilizando a solidariedade, instrumento de luta vital para os trabalhadores. A solidariedade é o motor da criação de um novo tipo de sociedade e deve ser um de seus fundamentos. A alternativa é a barbárie.
Autogestão: uma prática anarquista como recusa do empreendedorismo de si
Acácio Augusto – anarquismo – EPPEN/UNIFESP
O traço distintivo da racionalidade neoliberal, derivada da teoria do capital humano, é a produção do sujeito como empresa de si. Hoje, cada um é alçado compreender suas atividades como investimentos em vista da obtenção de dividendos (monetários ou não). Essa retificação de um princípio de inteligibilidade econômica como regra das relações intersubjetivas faz com que os viventes se encontrem em um jogo contínuo de cooperação e competição. Nestas condições, os conflitos de interesses tornam-se inevitáveis. Num quadro que entende a vida no planeta como heterogestão de recursos escassos, a competição tende à explosão violenta, sobretudo animada pelo quadro jurídico estatal do que se convencionou chamar de “regras do jogo”, que promete produzir segurança aos jogadores. Esta exposição, animada pela proposta de pensar a solidariedade, objetiva apresentar as práticas anarquistas de autogestão e associação livre, derivadas do federalismo político e do mutualismo econômico de Pierre-Joseph Proudhon, como ponto de recusa dos investimentos em capital humano e a possibilidade de invenção de práticas de solidariedade liberadas do quadro moral do capitalismo em sua versão estatista-neoliberal.
A Anarquia Sagrada
Nelson Job – transaberes – HCTE/UFRJ
Spinoza, em 1670, lançou seu Tratado Teológico-político. O contexto político de sua vida, fazia-o defender a democracia em um regime monarquista. A partir de uma articulação com os saberes contemporâneos, o que é possível apreender ontológica e politicamente em um campo spinozista com os desafios atuais? Essa pergunta é o trampolim para nossas conceituações em transaberes nesse simpósio.
O povo grita Povo! – e não há povo
Carla Ferro – desescolarização
Para que a solidariedade que buscamos se revele, talvez seja preciso passar pelo desengano em relação à condição que nos torna capazes de uma solidariedade apenas cidadã. Enquanto acordes afetivos animam insistentemente em nós um outro povo que não a sociedade, a luz dos acordos formais em que nos fiamos nos impede de testemunhá-lo.
Antropologia, solidariedade e diferença
Octavio Bonet – antropologia – IFCS/UFRJ
O conceito de solidariedade tem um longo percurso nas Ciências Humanas que pode ser traçado desde o final do século XIX até o presente. Aparece associado a diferentes modos de entender a relação social e vizinha de conceitos como reciprocidade, cuidado, ética, interdependência e diferença. O objetivo deste trabalho é pensar a reciprocidade numa perspectiva relacional baseada nos conceitos de ‘afetação’, ‘interdependência’ e do ‘princípio de união’. Proponho que essa perspectiva habilita a prática de uma ética do cuidado, que nos permite pensar criativamente a diferença.
Educação, desigualdade e redução da pobreza no Brasil
Marcelo Medeiros – sociologia – IPEA e UnB
Usando simulações retrospectivas, examinamos se políticas de expansão de ensino poderiam reduzir a desigualdade e a pobreza no Brasil. Nossos resultados indicam que existem limitações nessa estratégia: em primeiro lugar, apenas intervenções muito radicais (e improváveis) poderiam reduzir a desigualdade substantivamente (uma queda de mais de 10% no Índice de Gini); em segundo lugar, em razão daquilo que denominamos de inércia demográfica, seriam necessárias muitas décadas até que aqueles resultados se efetivassem por completo. Mostramos, assim, que a educação não é uma panaceia para o combate à pobreza e à desigualdade. Estes resultados são robustos quando testados com diferentes fontes de dados, em diferentes décadas, e usando diferentes medidas de desigualdade e pobreza.
Solidariedade, justiça e reparação
Henrique Vieira – teologia
Vivemos em uma sociedade marcada pela intolerância e pelo uso recorrente da violência na busca pela proteção e pela resolução de conflitos. Também em função de uma lógica de competição e concorrência, o individualismo cresce e os laços de sociabilidade e afetividade se diluem cada vez mais. Assim se tornam mais frequentes os transtornos de ansiedade, as paranoias coletivas e o medo permanente. Não mais nos reconhecemos como sujeitos coletivos e as perspectivas solidárias e comunitárias da vida perdem força. É preciso acentuar a importância da compaixão, da empatia, do reconhecimento de si no outro para gerar ações e laços de efetiva solidariedade. Apenas pela celebração da diversidade, pela igualdade econômica e pela capacidade de sentir a dor do outro, podemos construir uma civilização mais propensa à vida plena para todas as pessoas. A solidariedade é o alvo, mas também o caminho e ela implica necessariamente o enfrentamento às injustiças econômicas e todas as formas de opressão, como o machismo, o racismo, a lgbtfobia, a xenofobia.
Arte e Solidariedade
Marcos Tadeu – arte/UFRJ
O desenvolvimento da arte no ocidente atravessou momentos em que o fazer artístico se subordinava mais a uma perspectiva de um trabalho colaborativo, do que ao advento específico da criação individual. Bem sabemos que nem sempre a arte teve, por fundamento, qualquer espírito associativo. No mais das vezes, é o ato isolado da criatividade o que se valoriza no fazer artístico. Parece que foi sempre assim, mas a valorização do objeto singular como fruto da inventividade humana é um fenômeno que se estabelece aos poucos depois da Renascença, palco histórico da ascensão do individualismo burguês, desenvolvendo-se lentamente e atingindo o seu ápice com a Revolução Industrial. Mas a Idade Média foi um período rico de grandes empreendimentos coletivos. Nessa fase, o que havia era a noção de colaboração e de envolvimento para a elevação das grandes catedrais, onde a arte trabalhava de forma tão impessoal quanto integrada: vitrais, esculturas, mosaicos, afrescos, relevos e demais formas de expressão artística se associavam num esforço comum de realização de uma linguagem que celebrava a fé e a ascensão do homem aos céus.
Hume e a justiça como solidariedade afetiva
Flavia Bruno – filosofia – FSBRJ
Distinguindo-se da teoria clássica que compreende a justiça como uma virtude natural, uma lei da natureza, uma verdade eterna presente no espírito humano, Hume vai pensar a justiça como uma virtude artificial, que estabelece, por meio da convenção, as regras de conduta que balizam o agir do homem. Esta virtude não é pensada como fruto da reflexão racional, mas sim como uma paixão que deve se alargar o suficiente para ultrapassar o amor próprio característico de cada sujeito. Nesse sentido, a justiça não seria uma contenção das paixões, mas uma paixão estendida, uma ampliação daquilo que o sujeito experimenta por si mesmo. Em uma palavra, a justiça seria pensada como solidariedade afetiva.
O universo solidário
Mario Novello – cosmologia – CBPF
Solidariedade é um conceito empregado quase que exclusivamente na sua dimensão social. Sua abrangência, no entanto, permite sua utilização em diversas áreas do conhecimento como na biologia, nas ciências sociais, na economia e até mesmo na cosmologia. Na descrição do universo ela aparece como um fator de harmonia entre o micro e o macrocosmo constituindo um de seus princípios fundamentais.
A solidariedade local-global, a interação entre suas partes, é fundamental para que efeitos gerados numa eventual perturbação, não provoquem instabilidades que possam crescer sem controle, inviabilizando a existência do universo por um tempo significativo – como ocorreu, por exemplo, no fracassado cenário cosmológico estático proposto por Einstein. A solidariedade global é a condição mínima para permitir que o universo possa ter estabilidade e longevidade necessárias para permitir o surgimento de configurações como estrelas, planetas e o aparecimento da vida.