Pular para o Conteúdo

Cosmos & Contexto

  • A revista
  • Edições
  • ArtigosExpandir
    • Encontros C&C
  • Vídeos
  • Contato
Cosmos & Contexto

Mario Novello, o cosmólogo

Por Flavia Bruno 3 de junho de 20253 de junho de 2025

              A arte, a filosofia e a ciência, podem ser, cada uma delas, igualmente criadora. Em verdade, tais disciplinas se encontram em uma zona de vizinhança e realizam um diálogo invisível ainda que em diferentes tempos, colocando os mesmos problemas e, sobretudo, afirmando perspectivas muito próximas – são conexões, reflexos, intimidade, linhas que fazem soar o mesmo ritmo.

       É sabido que a arte (o cinema, a literatura, a pintura) torna, como diz Cézanne, visível o invisível, isto é, faz com que o sujeito que a experimenta tenha contato com forças tais que liberam o seu espírito, que ampliam a sua capacidade de pensar e de estar no mundo. E, em uma divisão imprópria, não se costuma pensar que a ciência tivesse essa mesma capacidade. Mas tem, e a cosmologia novelliana também é caminho de quebra do que há de banal, do que há de banalmente habitual e automatizado nos horizontes do homem.  

              Ao estudar Novello nos encontramos com uma imagem do pensamento que provoca surpresa e inquietação e propicia a desconstrução das habituais formas de pensar. Em Novello, tal desconstrução se evidencia exemplarmente ao propor um novo modelo cosmológico[1] em substituição ao hegemônico cenário-padrão chamado big bang que se sustenta desde a década de 70, tornou-se popularmente difundido, alcançou enorme popularidade e mesmo se vulgarizou como verdade inquestionável. Novello ensina que essa descoberta científica nada mais é do que uma renovação das antigas crenças que explicam o nascimento do universo, isto é, não passa de um mito científico. Ou seja, a ideia de um momento singular, mágico, identificado com o começo de tudo o que existe, embora defendido pelo discurso científico, não é tão distinta do imaginário de sociedades arcaicas e de seus mitos cosmogônicos da criação há milênios reproduzidos (NOVELLO, 2005b, p. 27; 2006, Capítulo 8; 2010, p. 22; p. 54; 2018, p. 165).  

              Mario Novello propõe, então, a substituição do modelo do big bang por outro, menos simplista e explosivo e a consequência foi ter sido ele o primeiro cosmólogo a abandonar a ideia de singularidade inicial, estando há mais de 40 anos desenvolvendo a ideia do universo eterno. Nesse modelo, a existência do universo é extrapolada para um passado infinito, autocriador, e, portanto, para a pergunta “O que havia antes do big bang”?, a resposta é: há o infinito se expressando infinitamente por infinitas formas e, assim o big bang é apenas um fragmento do infinito.

              A natureza é pensada como eterna criação, em uma sequência de processos ativos em permanente movimento, que não caminha em linha reta, mas sim em incansável variação. Logo, Novello força os cosmólogos a se acostumarem a pensar o infinito, a conviver com essa ideia, tornando-a uma necessidade do pensamento. Ele diz: “Em verdade, eu estaria satisfeito e a missão cumprida se pudesse me identificar com um personagem de um romance que narra as peripécias de um viajante que foi acolhido nessa casa e a quem se pediu para contar um história sobre o infinito” (2018, p. 134).

              Ao invés de ter horror ao infinito, ao invés de renunciar a essa ideia, Novello faz do seu pensamento uma composição com ele, possibilitando uma experimentação de sentido, de construção teórica ainda não experimentada, em última análise, que nos permite ter uma conquista de vida. Novello tira o pensamento do dever de permanecer inerte à sua condição de pensamento clássico, conservador, demasiado humano, e dá ao pensamento outra condição, qual seja, a condição de transbordar limites estreitos e já experimentados e se debruçar sobre a prodigalidade do cosmos.

              Todo modelo do universo bem comportado, que pressupõe uma simplificação, uma idealização, é abandonado em razão de não permitir “descrever o formidável e complexo fluxo do real em suas múltiplas e aparentemente inesgotáveis formas” (1988, p. 34). A cosmologia de Novello vira uma página da história da física, pois permite que o universo seja pensado de forma complexa e múltipla, rica de diversidades qualitativas e de surpresas potenciais: a cosmologia dinâmica é uma “ideia nova, seminal, cheia de potencialidades na gestação de uma visão aberta do universo” (2010, p. 38).  Com ela as situações estáveis e permanentes, as regularidades e previsibilidades cedem lugar a transformações, evoluções, crises e instabilidades. Ao invés da criação acontecer em um só lugar e em um único momento, ela é pensada de forma contínua, como produção permanente do novo, sem possibilidade de interrupção, sem cansaço.

       Antes do big bang existe vida e a cosmologia se desdobra sobre essa vida antes da vida. É a ideia desconcertante de que a natureza não é apenas tudo o que existe, “mas não se limita a isso. É alguma coisa a mais” (NOVELLO, 2005b, p. 15).  Nesse sentido, a vida é mais do que o universo e como tal não tem começo nem fim. Nesse ponto reside a própria definição de cosmologia, que seria definida como a ciência que trata do universo e o universo se identificaria com a totalidade do espaço, do tempo, da matéria e da energia, o que nos coloca diante de uma disciplina que não se dedica ao universo no sentido do que está posto fenomenicamente, mas de sua dinâmica criativa.

              Na compreensão clássica do universo estabelece-se uma série de regras válidas universalmente, o que implica a compreensão de um mundo razoavelmente estático, previsível e determinista. O apego a essas leis faz com que muitos cientistas queiram impor proibições à natureza, exigindo desta um comportamento familiar ao homem rejeitando as ideias que colocam em questão essas leis. Mas Novello não teme nem a riqueza do universo nem a riqueza conceitual. Diz ele: “As regras com as quais jogamos não são únicas nem dadas no começo do jogo, isto é, no começo deste Universo! Só temos acesso a umas poucas regras gerais, válidas para qualquer jogo. Outras, especiais, ficam escondidas e só as conhecemos à medida que o jogo se desenvolve” (2005b, p. 21). As regras mudam porque o universo é dinâmico e desobrigado de seguir qualquer plano, regra ou determinação, muito menos obrigado a seguir o que é melhor para o intelecto humano suportar. O universo não tem um programa único, coerente ou adaptado a toda circunstância que a ciência até então conseguiu descobrir e revelar. Ao definir leis eternas e universais para o funcionamento da natureza, os homens da ciência estabelecem, como diz Novello, um jogo de proibições (2005b, cap. X). Isso porque o homem está sempre querendo se blindar do caos, se proteger do infinito e suas vertigens, mas não há como fugir dele, pois de fato, o infinito a tudo circunda, e toda a tentativa de ignorá-lo sempre será uma ilusão e um artifício que em nada contribuem para uma vida alegre e afirmativa.

Platão (1950, 411d-12b) nos ensina que os gregos denominavam nóêsis o pensamento, que equivale a néou hésis, desejo de novidade. Pensar é desejar novidades, desejar a criação. Do mesmo modo, o contato com o movimento é chamado pelos gregos de Sofia, na pressuposição de que todas as coisas se movem. Mario Novello encontra no universo eterno, o contato com a mobilidade, com o infinito; ele busca e renova esse encontro.

Referências

BERGSON, H. Le possible et le réel in ______. La pensée et le mouvent. 4. ed. Paris: PUF, 1993.

______. A intuição filosófica. In Os pensadores. São Paulo: Abril, 1978.

DELEUZE, Gilles. A ilha deserta: e outros textos. São Paulo: Iluminuras, 2006. ______. Conversações. Rio de Janeiro: 34, 1992.
______. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974.

______. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
______. O atual e o virtual In ALLIEZ, Eric. Deleuze filosofia virtual. Rio de Janeiro: 34, 1996.

______. O que é a filosofia?. Rio de Janeiro: 34, 1992.
NIETZSCHE, Friedrich. O livro do filósofo. Porto: Rés, 1984.

NOVELLO, Mario. Máquina do Tempo – um olhar científico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

______. Os jogos da natureza – a origem do universo, os buracos negros, a evolução das estrelas e outros mistérios da natureza. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

______. Do big bang ao universo eterno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2010. ______. Os sonhos atribulados de Maria Luísa – uma alegoria da cosmologia e da física.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
______. Cosmos e contexto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988.

______. O que é Cosmologia? A revolução do pensamento cosmológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

______. O universo inacabado: a nova face da ciência. São Paulo: n-1, 2018.

______. Quantum e cosmos: introdução à metacosmologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2021.

ULPIANO, Claudio. A grande aventura do pensamento. Rio de Janeiro: Funemac Livros, 2013.


[1] Novello é pioneiro nos estudos do modelo cosmológico não singular, isto é, que apresenta o cenário de um universo eterno e dinâmico.

Autor

  • Flavia Bruno

    Doutora, Mestre e Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Professora Adjunto da Universidade Candido Mendes e da Faculdade São Bento do Rio de Janeiro.profabruno@gmail.com.

Navegação de Post

Anterior Anterior
Século 21: Questões atuais do pensamento – Vídeo

Cosmos e Contexto —

Revista eletrônica de cosmologia e cultura.

Diretor e Editor-chefe
Mario Novello
Comitê Executivo
Mario Novello, Nelson Job e Flavia Bruno
Edição de web, programação e design
Flavia Schaller

ISSN: 2358-9809

Contato —

Rua Dr. Xavier Sigaud, 150 - Urca
Rio de Janeiro - RJ
CEP 22290-180
(21) 2141 7215
contato@cosmosecontexto.org.br

Política de Privacidade —

A Cosmos e Contexto jamais divulgará seus dados sem a sua expressa autorização.

Últimos Artigos —

  • Mario Novello, o cosmólogo
  • Século 21: Questões atuais do pensamento – Vídeo
  • A Psicanálise e o Desamparo – Flavia Bruno
  • Século 21: Questões Atuais do Pensamento – conferência
  • Lançamentos de “Cânticos andróginos”

© 2025 Cosmos & Contexto

Rolar para Cima
  • A revista
  • Edições
  • Artigos
    • Encontros C&C
  • Vídeos
  • Contato
Pesquisa
Send this to a friend