Lições de Cosmologia para não-especialistas (das leis físicas às leis cósmicas) – 5
Estas notas constituem uma extensão de um curso de cinco lições que dei em 2018 no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas para divulgar alguns aspectos do universo que os cientistas têm elaborado nas últimas décadas, sem me deter nas demonstrações matemáticas associadas. Aqueles que tiverem interesse em aprofundar este conhecimento técnico poderão consultar as referências citadas.
Jamais, jamais concluir uma paz com o dogma
(Hegel)
QUARTA LIÇÃO
Metacosmologia
O filósofo Martin Heidegger, em seu curso de introdução à metafisica, faz uma avassaladora crítica ao desenvolvimento da ciência no último século. Um extrato de sua argumentação serve para que a possamos entender:
Sur l´état de la science, qui, ici, à l´Université, nous interesse particulièrement, on peut juger de notre situation dans les dernières décennies. Si on voit aujourd´hui deux conceptions, en apparence différentes, de la science, et qui en apparence se combattent, la science comme savoir professionnel technico-pratique et la science comme valeur de civilisation en soi, il n´en reste pas moins qu´elles se meuvent toutes deux sur la même voie de décadence, celle d´une mésinterprétation et d´une enérvation de l´esprit. Elles ne se distinguent qu´en ceci, que la conception technico-pratique de la science comme science spécialisée peut encore revendiquer, dans la situation actuelle, l´avantage d´être logique avec elle-même ouvertement et en toute clarté, tandis que l´interprétation, qui réapparait aujourd´hui , de la science comme valeur de civilisation, essaie de cacher l´impuissance de l´esprit, avec une duplicité inconsciente.
La confusion inhérente à l´absence totale de pensée va même parfois si loin que l´interprétation technico-pratique de la science reconnait en même temps la science comme valeur de civilisation, de sorte que, dans une égale absence de pensée, toutes deux se comprennent parfaitement bien.
…..Les domaines des sciences sont séparés par de vastes distances. Elles traitent chacune leur objet d´une manière foncièrement différente. Cette multiplicité de disciplines ainsi émietté doit le peu de cohésion qui lui reste à l´organisation technique d´Universités et de Facultés; et le peu de signification qui lui reste aux objectifs pratiques des spécialités. En revanche, l´enracinement des sciences dans leur fondement essentiel est bel et bien mort.
La science est aujourd´hui, dans toutes ses branches, une affaire technique et pratique d´acquisition et de transmission de connaissances. Elle ne peut nullement, en tant que science, produire un réveil de l´esprit. Elle a ele-même besoin d´un tel réveil.
(pag 60, M Heidegger Introduction à la métaphysique, 1935)
A orientação imprimida a esse nosso curso tem como função mostrar que a cosmologia e sua extensão natural, a metacosmologia provoca uma forma de despertar do pensamento na direção requisitada por Heidegger. Ela irá questionar aquilo que os físicos têm dado pouca atenção, entre outras coisas o que chamo utopias controladas.
Comecemos por distinguir Cosmologia e Metacosmologia.
Como primeira tentativa de explicitar essa distinção dizemos: a cosmologia trata da aplicação de leis físicas (dependentes do espaço-tempo ou não) ao universo para explicar observações de natureza global, tais como a expansão do volume espacial do universo, a existência de radiação cósmica de fundo, a homogeneidade espacial perdida pela formação de estruturas (galáxias) e outras.
A Metacosmologia coloca questões do tipo “por que a massa do nêutron tem precisamente este valor? Por que existe matéria e não antimatéria no universo? Existe somente um universo? Poderia ter existido uma fase anterior e alguns restos desses universos anteriores estarem ainda perambulando pelo cosmos atual? Por que existe alguma coisa e não nada?”
Dizer que “o vazio é instável” não basta como explicação pois realizamos essa resposta examinando propriedades especificas do vazio. Mas para fazer isso efetivamente é preciso descrever a teoria na qual esse vazio particular aparece, se organiza, se define. E nesse ponto devemos questionar se a aplicação de leis da física terrestre pode validar uma resposta satisfatória.
Examinando essas questões, usando as estruturas das leis físicas e suas variações cósmicas controladas pela dinâmica imposta ao espaço-tempo, estamos construindo o lugar da metacosmologia como propusemos (cf Cosmos et Contexte, Ed Masson, 1987).
Utopias científicas (de Gödel a Markov)
(Apresentado na conferência Renascimento das utopias, Rio, Setembro 2017)
“Na natureza, tudo que não é proibido de acontecer, acontece.”
A contradição geralmente evocada entre ciência e utopia que encontramos em vários textos, não deveria ser considerada uma verdade isenta de críticas. Ela se consolidou em certos discursos a partir de exemplos cotidianos transfigurados, por inércia, em regra geral. Afirma-se que é utópico desejar a juventude eterna, assim como esperar que a primavera não termine. Desejos irrealizáveis, identificados como utópicos por violarem alguma lei da natureza.
É possível reconhecer utopias mais brandas, aquelas que embora não violando as leis da natureza, afastam-se da convenção dominante na sociedade, segundo a qual deve-se aceitar uma definição única e universal da realidade. Essas são utopias da ordem humana, entendidas como um ideal de sociedade a ser eventualmente perseguido e, com maior ou menor sucesso, ser realizado.
Há também outras formas de utopia que compreendem configurações organizadas dentro dos cânones científicos. Alguns desses exemplos, embora construídos na ciência, satisfazendo as leis físicas convencionais, constituem estruturas consideradas irrealizáveis, concedendo-se a elas, de modo errôneo, o mesmo tratamento atribuído aos processos que violam alguma lei da natureza. Vamos considerar alguns exemplos.
Ao longo do século XX, os físicos construíram teorias, modelos de interpretação de fenômenos, que permitem o desabrochar de configurações extraordinárias, inesperadas, algumas até mesmo fantasiosas, impossíveis de serem observadas no cotidiano. Embora organizadas no interior da prática científica, elas exibem propriedades tão singulares, tão incomuns, que foram colocadas à margem do discurso convencional da ciência, como se fossem impossibilidades formais, o que em verdade elas não são.
Curiosamente, algumas dessas configurações povoam há muito o imaginário popular, como por exemplo, a construção formal de caminhos que levam ao passado e complexas formulações representando o universo como um átomo de um universo maior.
Essas formas são entendidas como utopias controladas, isto é, processos admitidos no esquema convencional da ciência identificados como exemplos de configurações de difícil realização, que, embora descritas no interior de teorias cientificas aceitas, produzem imagens conflitantes não só com o senso-comum como também com o establishment cientifico. Como consequência, elas são colocadas no limbo, à parte das afirmações cientificas usuais. E, no entanto, a teoria sobre a qual esses processos se sustentam, aceita integralmente como verdadeira, os tornam parte integrante do mundo descrito pela ciência.
A teoria da relatividade de Poincaré e Einstein, a teoria quântica de Schrodinger e Heisenberg, a dinâmica expansionista do universo de Friedman e Hoyle são alguns exemplos conhecidos e que já fazem parte do imaginário popular construído a partir da visão autoritária da ciência. Existem processos descritos no interior dessas teorias que permitem o aparecimento de estruturas que levam a imaginação a empreender voos tão estranhos quanto os sonhos mais esdrúxulos de Joseph K. São esses exemplos que chamamos utopias controladas.
Uma característica comum de reação a essas configurações extraordinárias é sua obsolescência pela comunidade científica bem como a repulsa a considerá-las como temas convencionais, mesmo sendo essas propostas consequências formais de teorias bem aceitas. Contrariamente ao que ocorria no passado, aqueles que se dedicam ao exame dessas propostas não são excomungados como Galileu, nem colocados em fogueiras como Giordano Bruno. Nos tempos atuais, na sociedade do espetáculo que vivemos, eles recebem um castigo maior: são ostensivamente ignorados pelo establishment. Elimina-se qualquer referência a esses projetos, a não ser em mínimas notas de pé-de-página em alguns poucos textos técnicos. Ou, nos últimos tempos, são associados como se fossem fantasias delirantes apresentados como configurações no limiar de irracionalismos.
Eu me limitarei aqui a considerar três dessas utopias controladas que pertencem ao domínio da ação gravitacional descritos pela teoria da relatividade geral de Einstein, a saber:
- A estrutura causal em geometrias que possuem curvas temporalmente fechadas (Gödel);
- Ciclos de evolução do universo (Tolman);
- Extensões analíticas para fora do universo (Markov).
O que essas configurações têm em comum?
Em um primeiro momento podemos afirmar que elas produzem desconforto formal pois embora se apoiem em conceitos convencionais e teorias bem aceitas, elas tratam de exemplos que povoam a imaginação popular identificados como estruturas irracionais, fantasiosas, impossíveis de constituírem parte integrante da ciência. E, no entanto, eles estão solidamente apoiados nos conhecimentos atuais da ciência física.
Antes de penetrarmos na descrição desses cenários científicos, um comentário genérico sobre a estrutura das leis físicas se faz necessário.
Desde sempre, os cientistas se viram às voltas com as propriedades do que se chamou lei física. É ela que controla os fenômenos da natureza e, embora sua forma possa variar, dependendo do grau de conhecimento obtido em sua análise, ela constitui uma estrutura rígida, inabalável, determinando as configurações possíveis no mundo.
É claro que o formalismo com que a descrevemos pode mudar. Isso decorre da incerteza humana. No entanto, o objetivo final da ciência é atingir o cerne da lei e obter sua descrição completa. Um objetivo que de tempos em tempos os cientistas acreditam terem conseguido, para mais adiante se darem conta de que novos fenômenos desconhecidos até então, impõem alterações na forma da lei. Essa variação da lei é convencional e está associada à natureza humana. Não diz respeito às leis do mundo propriamente dita.
Pois bem, ao longo do século XX foi se acumulando evidências de um tipo de variação mais dramático, ao se reconhecer que essas leis não são as mesmas em todo o cosmos, podendo variar com sua localização espacial e/ou temporal. Em um primeiro momento, essa variabilidade das leis apareceu como uma fantasia, uma especulação de cientistas renomados – como Dirac, Lattes, Hoyle e outros – que podiam se permitir interpretações pouco comum de alguns fenômenos induzindo à possibilidade de tratar leis físicas como variáveis (ver Vitaly N. Melnikov: Variation of constants as a test of gravity, cosmology and unified models in arXiv 0910.3484v1 gr-qc (2009)).
Essas especulações, é bom que se diga, nunca foram de agrado do establishment, mas não eram tratadas com repulsa total. Aos poucos, no entanto, diversas propriedades mereceram análise tão distinta das convencionais que essas propriedades de variação das leis físicas passaram a ser convencionais, tornando-se uma importante área de investigação.
Alertados para essa dependência cósmica das leis da física, projetando a natureza histórica das próprias leis da natureza, independentemente de sua formulação na ciência, podemos empreender a tarefa de examinar os três exemplos de utopias controladas já citados:
- Utopia causal ou a volta ao passado;
- Utopia Gulliveriana ou é nosso universo um átomo de um universo maior?
- Utopia dos vários ciclos pelos quais o universo passou.
Utopia causal ou a volta ao passado
O exemplo mais marcante de que propriedades da física local, na Terra e suas vizinhanças, podem não ser válidas globalmente, nos confins do universo, foi apresentado em 1949 pelo matemático austríaco Kurt Gödel. Em uma conferência em homenagem a seu amigo A. Einstein, Gödel apresenta um modelo de universo na qual embora o princípio causal seja válido em cada ponto desse universo, ele não é válido globalmente.
Localmente, a existência de um limite máximo de propagação de informação identificado com a velocidade da luz permite construir configurações tipo cones, em uma representação espaço-temporal, de tal modo que a luz se propaga sobre esses cones e toda e qualquer forma de matéria e energia só pode se propagar no interior desses cones. Isso significa que para cada observador no mundo existe associado um cone no espaço-tempo que determina a distinção passado-futuro para este observador. Assim, causalidade local é rigorosamente definida.
Entretanto, a força gravitacional atuando sobre os fótons, os grãos elementares da luz, distorce a orientação desses cones. O resultado mais dramático, descoberto por Gödel, se refere à possibilidade dessa deformação impedir a veracidade global da sentença “ao caminhar para o futuro, afasto-me de meu passado”. Essa sentença que para nós, em nosso cotidiano, é uma verdade sem dúvida, deixa de sê-la globalmente. Com efeito, Gödel mostrou que em certas configurações do campo gravitacional –que não são as de nossa vizinhança terrestre – ao caminhar para o futuro estaria me aproximando de meu passado. Ou seja, como se a imagem mental do tempo como uma linha reta deveria ser transformada na imagem mental de um círculo.
Assim, Gödel mostrou que a ideia utópica de volta-ao-passado não conflita com a lei física que descreve os processos gravitacionais. Ao mesmo tempo, ele conseguiu pela primeira vez uma demonstração clara e simples da razão pela qual não é possível na Terra termos a experiência de volta-ao-passado: porque o campo gravitacional produzido pela Terra, com características diferentes da configuração descoberta por Gödel, é fraco.
Múltiplos universos: utopia Gulliveriana ou é nosso universo um átomo de um universo maior?
O universo é um sistema fechado? Sim é a resposta convencional e óbvia desde sempre. No entanto, o físico russo Andrei Markov ensinou que pode não ser assim. A demonstração disso é por demais técnica para ser apresentada aqui, mas uma descrição compacta de como Markov a construiu é possível. Ela se desenvolve em quatro etapas, todas elas associadas a processos gravitacionais controlados pela teoria da gravitação de A. Einstein.
Foi ao longo dos anos 1960 que Markov propôs a construção de uma solução das equações da Relatividade Geral combinando uma configuração local com uma global. Vou descrever essa proposta sem entrar em detalhes maiores que exigiriam uma discussão técnica que nos propusemos não realizar nestas lições.
Basicamente, sua análise depende de duas geometrias distintas: o modelo cosmológico de Friedmann e a geometria de Schwarszchild. Vimos em lição anterior uma descrição da geometria de Friedmann. Vamos nos deter um pouco para descrever essa outra geometria.
O campo gravitacional gerado por uma estrela, na teoria da Relatividade Geral, ou melhor, a modificação da geometria no exterior de uma estrela foi descoberta pelo astrônomo Karl Schwarszchild em 1916. Essa solução ganhou notoriedade quando se mostrou que ela continha propriedades inusitadas e que conduziram mais tarde à noção do que se chamou buraco negro. Esse termo foi introduzido por uma propriedade especial: a possibilidade de matéria e energia sob qualquer forma ficar aprisionada no interior de um raio que depende somente da quantidade de matéria da estrela.
Expliquemos. Vamos considerar idealmente o campo gerado por uma fonte puntiforme. Trata-se de uma idealização que os físicos fazem, mas que permite ter uma descrição e uma interpretação clara e simples da situação.
A superfície caracterizada pelo raio pode ser entendida como uma membrana unidirecional, que permite qualquer forma de matéria e energia — um corpo qualquer que chamaremos de C — entrar nessa região interior de mas impede que dela possa sair. Isso independe da intensidade da força, de caráter não gravitacional, que se aplique ao corpo C. Ou seja, nenhuma forma de matéria e energia, inclusive a luz, pode sair da região interna a essa superfície Desse modo, essa estrela com dimensão pontual (ou, digamos, de raio menor que não é visível do exterior. O único efeito de sua existência é precisamente o campo gravitacional que ela produz. Isto é, um corpo que não emite luz é invisível, ou seja, um buraco negro.
Se no exterior dessa estrela a geometria é dada pela forma de Schwarszchild, o que podemos dizer de seu interior? O físico americano Richard Tolman sugeriu pensar esse interior como se fosse um universo de Friedmann de uma forma especial: ele seria modificado um pouco da forma original para que pudesse ter uma continuação analítica abrindo-se para um exterior que seria precisamente a métrica de Schwarszchild.
Essa construção formal, a união de geometrias, é um procedimento legitimo e conhecido dos físicos de longa data por sua analogia com o que ocorre com o campo eletromagnético. Sabemos como se dá a descontinuidade de um campo elétrico ao passar por uma superfície separando um corpo carregado de um meio externo qualquer.
Assim, teríamos a seguinte configuração: no interior da estrela a métrica seria do tipo Friedmann e em seu exterior seria da forma Schwarszchild .
Note que esta forma de universo associado ao interior da estrela não pode ser idêntico ao universo de Friedmann pois deve conter uma particularidade a mais capaz de permitir essa configuração externa. Os detalhes técnicos podem ser encontrados nas referências.
A geometria de Schwarszchild representa o campo gerado por uma estrela. Ora, sabemos da teoria newtoniana que este campo decresce com a distância à estrela e se anula para uma distância suficientemente grande (representamos pelo termo infinitamente distante). Essa característica é explicitada na forma ao reconhecermos que essa métrica coincide, assintóticamente no infinito com a métrica de Minkowski, plana, isenta de curvatura.
Markov dá um passo além dessa construção ao alterar essa condição no infinito. Ele provoca uma nova geometria para além da impondo que existe uma extensão, em uma região finita, onde a geometria se associa, se transforma, se estende para uma outra forma de geometria distinta da de Minkowski. E qual é essa geometria que Markov escolhe? Precisamente a geometria de Friedmann.
O argumento é fácil de entender. Ao considerar o campo gravitacional da estrela em uma região muito afastada, a geometria deve ser identificada à do universo onde essa estrela está mergulhada.
Assim teríamos uma configuração complexa envolvendo três regiões:
- Região 1 (0 < r < : geometria de Friedmann;
- Região 2 ( < r < : geometria de Schwarszchild;
- Região 3 ( < r): geometria de Friedmann.
Uma tal estrutura é a versão sofisticada, no interior de uma teoria – a Relatividade Geral – da ideia quase infantil de imaginar que nosso universo é um átomo de um universo maior.
Pode-se perceber que essa construção de Markov pode continuar com mais fases. Com efeito, nos anos 1980 minha aluna Regina Célia Arcuri examinou a possibilidade de compatibilizar esses universos em várias camadas em sua Tese de Mestre no CBPF. Uma tal estrutura resultou ser estável e pode efetivamente constituir um modo formal de construção de múltiplos universos.
Sintetizando o que vimos:
Primeiro movimento: estudo do campo gravitacional gerado por uma estrela, um corpo compacto em geral. Na região externa ao corpo tem-se a solução das equações da gravitação da Relatividade Geral, construída por Schwarzschild. Assintóticamente, longe, muito longe da estrela, a ação gravitacional evanesce e a geometria passa a ser descrita idealmente pela métrica plana, sem curvatura, do espaço-tempo vazio de Minkowski.
Segundo movimento: ainda o campo gravitacional gerado por uma estrela, um corpo compacto. Diferentemente da situação anterior, na região externa constrói-se uma modificação da solução de Schwarzschild de tal modo que longe, muito longe da estrela a ação gravitacional não desaparece, mas se transforma e a geometria é descrita, de modo mais realista que na configuração anterior, pela métrica de um universo em evolução como na geometria de Friedman. E quanto ao seu interior?
Terceiro movimento: ao interior da estrela é associada uma estrutura métrica representada por um universo tipo Friedman em evolução. Esse interior é então acoplado de modo continuo à solução do exterior da estrela de Schwarzschild do primeiro movimento.
Quarto movimento: Na estrutura anterior do terceiro movimento, a geometria de Friedman é estendida para o exterior identificada com uma geometria de Schwarzschild que, por sua vez, é continuada para uma outra geometria representando um outro universo do tipo Friedmann em evolução.
O resultado dessa complexa sequência de soluções exatas das equações da relatividade geral pode ser visualizado como o interior de um corpo, integrando-se solidariamente a um universo maior.
Essa construção que Markov organizou pode assim ser descrita como se um corpo, uma estrela, um grande conjunto de estrelas, um conjunto de galáxias, identificado a um elemento único compacto ou universo, que, juntamente com inúmeros outros corpos semelhantes, estivesse imerso em uma configuração maior constituindo o que deveríamos chamar super universo. Dito de modo coloquial, como se nosso universo pudesse ser descrito como um átomo de um universo mais amplo.
Utopia dos vários ciclos pelos quais o universo passou
Nos últimos anos, depois de ultrapassar a avalanche midiática que pretendia identificar o chamado bigbang – um cenário de descrição do universo em sua fase extremamente concentrada, com o “começo-do-mundo” – os cosmólogos voltaram a examinar antigas propostas, desenvolvidas nos anos 1930 e 1940, referentes a possíveis ciclos de expansão e colapso do universo.
A ideia original descrita pelo físico Richard Tolman examinou a possibilidade de além da atual fase de expansão do universo, na qual o volume espacial total aumenta com o tempo cósmico, teria existido outra fase na qual esse volume teria diminuído, ou seja uma fase anterior de contração.
A dificuldade em aceitar essa configuração esbarrava na impossibilidade de existir uma continuidade analítica entre a fase de colapso e a fase de expansão. A razão é clara: no momento de passagem de uma fase à outra a estrutura métrica exibiria uma singularidade que implicaria que toda forma de matéria e energia existente assumiria valor infinito. Do ponto de vista prático, isso significaria que nenhuma forma de informação poderia passar de uma fase para outra. Por essa razão, o cenário proposto por Tolman foi relegado pela comunidade científica.
Essa dificuldade só foi sanada ao final de 1979 quando surgiram dois cenários pioneiros (Melnikov-Orlov na URSS e Novello-Salim no Brasil) representando configurações de universos sem singularidades possuindo bouncing, isto é, exibindo soluções analíticas de teorias físicas na qual o universo teria experimentado uma fase de colapso gravitacional na qual seu volume espacial total teria atingido um valor mínimo, diferente de zero; e em seguida iniciado o processo atual de expansão. A propriedade de ter um volume mínimo distinto de zero elimina a singularidade dos modelos do tipo bigbang e permite consequentemente a passagem de toda forma de informação de uma fase a outra.
Superada a dificuldade maior do cenário bigbang, esses cenários cósmicos permitiram então o exame de configurações mais sofisticadas e complexas onde mais de um ciclo colapso-expansão teria acontecido. Questões técnicas novas apareceram, que se tornaram matéria de intensa investigação científica que continua atualmente.
Múltiplos ciclos do universo
Um outro modo de pensar em uma multiplicidade de configurações do universo pode ser construído alargando-se este conceito. Com efeito, consideremos a configuração na figura anexa contendo diversos ciclos de colapso e expansão indefinidamente. Um tal cenário foi construído a partir de uma combinação da gravitação, descrita na Relatividade Geral, e do campo eletromagnético não linear. Ao reconhecer que a teoria linear do campo eletromagnético implica necessariamente um universo singular, alguns cientistas começaram a examinar diversas formas de teoria não linear do eletromagnetismo e, em particular meu grupo de cosmologia no CBPF. Esse universo de múltiplos ciclos é uma das notáveis consequências dessa combinação dos dois campos clássicos conhecidos.
Ver Extended Born-Infeld theory and the bouncing magnetic universe, M Novello- J M Salim e Aline N Araújo in Physical Review D 85, 023528 (2012).
Criação a partir do nada
Assim, se constrói uma encenação teatral dos diferentes modos de criação do cosmos:
Ato I. Criação única. Bigbang como exemplo simplista;
Ato II. Universo eterno. Versão clássica e quântica;
Ato III. Universo cíclico e futuro imprevisível.
Vimos (atos I e II) como a ciência moderna produz modelos sobre a physis nos quais universos são criados. No livro O que é Cosmologia? comentei sobre a impossibilidade de não existir alguma coisa (o vazio é instável).
A física não pode penetrar no que chamei reservatório de virtualidades onde as leis físicas se fazem e se desfazem. Mas a Cosmologia pode? A Cosmologia vai além da racionalidade “dura”? A dualidade de Giordano teria a versão moderna de Física e Cosmologia – aquilo que ele caracteriza como Natureza e Deus?
Tunelamento
O físico A. Vilenkin imaginou a possibilidade de criação espontânea do universo. A ideia básica consiste em aceitar que o universo provém de um estado sem matéria, sem espaço e sem tempo a partir de flutuações do vácuo quântico.
Esta proposta requer que exista esse pré-estado – o vácuo quântico – que conteria o germe da formação do universo, matéria, espaço e tempo –mas ele mesmo, esse estado especial – é definido pela ausência de espaço e de tempo. Ou seja, ele seria prenhe desse cosmos, dessa matéria, da constituição do espaço e do tempo.
O fato de poder descrever uma tal situação por meio de equações obtidas pelas propriedades que observamos no universo que existe faz depender essa proposta de características ulteriores do mundo.
Embora não reconheçamos hoje nenhum modo de observação dessa configuração, algumas pegadas desse estado poderiam ser reveladas como condições iniciais que permitem descrever nosso universo. A dificuldade maior é mostrar que existe uma univocidade nessas características. Alguns autores argumentam que essa não é uma falha do modelo, mas ao contrário, sua importante sustentação. Confesso que tenho dificuldade de aceitar essa explicação. Se a cito aqui é porque ela faz parte de um tipo de investigação que tem algum sucesso na comunidade científica.
Em verdade o cosmólogo deve partir da hipótese mínima de que está escrito no universo, em suas características, os detalhes de sua origem. Como, retroativamente, atingir o estágio em que todas suas características são apagadas é menos defensável.
O estado vácuo quântico faz parte de observações e experiências que foram e podem ser acompanhadas nos laboratórios terrestres. Sabemos também que flutuações do vácuo geram efeitos observáveis. Falhas na continuidade dessas observações são compreendidas à luz do princípio de incerteza.
No entanto, o que se requer na hipótese de Vilenkin é a criação do universo projetado no que chamamos realidade sem que uma causação possa ser atribuída, sem que tenhamos jamais acesso a esse pré-mundo, esse estado fundamental original identificado como a origem do universo.
Na conferência sobre Mitos Cosmogônicos comentei essa proposta comparando-a com antigos mitos de criação (ver https://cosmosecontexto.org.br/encontro-sobre-mitos-cosmogonicos/).
Nelson Pinto Neto desenvolveu com seus alunos cenários do universo na teoria quântica da gravitação proposta por Wheeler e deWitt. Para isso foi levado a criticar a interpretação convencional da Escola de Copenhagen e considerar a interpretação de Bohm-deBroglie da mecânica quântica.
Comentário
O que podemos concluir desses inesperados exemplos que fomos buscar em configurações físicas pouco conhecidas, mas satisfazendo leis convencionais da ciência? Cada uma delas possui uma versão popular que a qualifica como utópica. E, no entanto, vimos que possuem uma versão científica, constituindo um processo aceitável, não contraditório com o conhecimento científico.
Chamamos de utópicos esses exemplos porque constituem situações que se afastam do experimentado em nosso cotidiano, sendo idealizações que preenchem um desejo latente que persiste em explodir no real.
Voltar ao passado, fisicamente, dentro do cenário descrito no espaço-tempo da ciência não é impossível de ocorrer em nosso universo. No entanto, a impossibilidade factual de realizar essa viagem em minha experiência pessoal, continua qualificando-o como utópico. A utopia não está na minha relação com a natureza das leis físicas, mas sim na resistência a pensar para além de uma ação física no mundo.
Surge então a questão: esses exemplos que descrevemos aqui, utopias controladas, possuindo o aval da ciência, retiram do utópico a condição de ser irrealizável?
É verdade que eles chocam o senso comum. Embora descritos dentro das leis físicas aceitas, aqueles exemplos parecem impossíveis de serem vivenciados. Como experimentar “o lado de fora do universo”? Como experimentar a “volta ao passado” se devemos, para isso, acessar uma configuração gravitacional especial, distinta da que podemos experimentar na Terra e vizinhanças? Como vivenciar ciclos passados do universo?
Podemos comparar essas dificuldades com situações semelhantes (embora menos dramáticas) que ocorreram na história recente da física.
O físico suíço Wolfgang Pauli, há mais de setenta anos, sugeriu a existência de um novo componente do mundo microscópico, uma partícula elementar que chamou neutrino, um pequeno nêutron. Sua proposta de presença dessa partícula foi elaborada para salvar leis físicas sólidas como a conservação da energia. Entretanto, a possibilidade de observar uma partícula com propriedades tão evasivas quanto o neutrino, parecia à época –e para seu próprio criador – praticamente impossível de ser detectada, e para sempre, em laboratório terrestre, levando Pauli a se perguntar, logo em seguida à sua sugestão “como é possível experimentar o neutrino?”
Com efeito, o neutrino tem interação tão fraca com a matéria que nesse momento em que escrevo um número fantástico dessas partículas, vindas do cosmos, passam através de meu corpo sem que nenhum rastro de interferência seja revelado. E, no entanto, nos tempos atuais, o neutrino é observado cotidianamente em inúmeras experiências terrestres e observações astronômicas.
Sigamos com essa mesma análise. Como experimentar um buraco negro? Perguntavam-se os físicos nos anos 1970 quando então o estudo da evolução de estrelas massivas consolidou a possibilidade de existência desses fantásticos corpos, heranças de estrelas instáveis, no universo. Hoje, inúmeros astrônomos tratam a observação de certas configurações localizadas como características convencionais de buracos negros.
A utopia, como empregada nesse texto, extrapola a descrição usual limitada à construção de sociedades perfeitas. Ao estender esse conceito ao estudo de propriedades especiais de regiões do espaço-tempo identificada a distintas configurações do universo, relacionamos a física às utopias sociais, permitindo a utilização da força de conceitos deslocados, ostensiva e independentemente, para a frente de suas realizações factuais.
A ciência, a partir da revolução produzida pela cosmologia nos últimos anos do século XX, apoiada na dependência cósmica das leis físicas, afastando-se da descrição tradicional do mundo de viés essencialmente antropológico, aproxima-se assim da utopia de Giordano Bruno segundo o qual, ao produzir uma leitura do universo a partir de uma nova ordem estabelecida nesse território global e, consequentemente, induzir uma nova visão do papel do homem no cosmos, abre-se o caminho para mudanças profundas na ordem social. Dito de outro modo, ao enfatizar esse aspecto histórico, a ciência deixa aparecer seu lado revolucionário, não somente nas ideias que estendem seu território de ação, mas na elaboração de uma ordem utópica da sociedade.
A partir desses exemplos apossados da ciência, e com ênfase na turbulenta gestão da lei da física, transformada em lei cósmica pelo reconhecimento de sua dependência com a evolução do universo, estamos nos preparando para empreender o grande salto prefigurado por Giordano Bruno na produção de uma nova ordem social.
Além da crítica
Não resta dúvida de que a Cosmologia destruiu a paz racional que a ciência ordeiramente, pacientemente e eficientemente organizou nos últimos 400 anos conduzindo à imagem de um universo pronto, com leis físicas eternas. Se o universo está ainda em construção (não somente fenomenologicamente, mas através de suas próprias leis) ele deveria ser compreendido em um cenário de solidariedade e coerência, como vimos.
Além dessa reestruturação da ciência devemos ir mais longe e reconhecer a tarefa grandiosa que temos pela frente para podermos desvendar o mistério da variação das leis cósmicas embutidas no universo.
QUINTA LIÇÃO
Alguns comentários sobre a metacosmologia (esboço de conclusão)
Podemos agora entender melhor algumas questões que ficaram pelo caminho. A cosmologia se afasta da tradição cientifica por razões não somente factuais (não fazemos experiências sobre o universo, mas somente observamos o que acontece em regiões além de nossa galáxia), como também coloca questões inesperadas tais como: por que existe alguma coisa ao invés de nada? Como o universo terminará? Se ele não tiver um fim em um tempo finito, como serão suas características no futuro? Como entender a variação das leis físicas? Podemos estabelecer uma ontologia completa do cosmos?
Criação da matéria e criação da estrutura métrica do espaço-tempo
Contrariamente ao que a tradição afirma, a geometria do mundo possui uma ontologia que deve ser procurada paralelamente e em comunhão com a ontologia da matéria. É preciso esclarecer de imediato que ao tratarmos de criação da métrica estaremos nos referindo à proposta da Relatividade Geral que identifica aquilo que chamávamos desde Newton como sendo a força gravitacional com a curvatura de um espaço-tempo possuindo uma geometria riemanniana.
Não temos uma teoria unificada sobre a formação dessas duas estruturas. A cosmogonia, a formação da substância do mundo, ainda é uma parte da ciência que não está suficientemente desenvolvida para podermos afirmar propostas que ainda são conjecturas. Nas últimas décadas nosso conhecimento da microfísica evoluiu bastante. Vimos a classificação das diversas formas de partículas e algumas de suas propriedades. No entanto, isso não nos permite adentrar a questão como foram criadas. Não temos uma teoria plena, completa, capaz de explicar a formação e origem da matéria no universo. No entanto, algumas ideias têm sido discutidas. Vamos examinar algumas delas.
Começamos por estabelecer uma hierarquia entre esses dois processos de criação. Alguns cientistas preferem imaginar que toda a matéria existente no universo foi gerada a partir de flutuações do vácuo (um vácuo específico para cada substância) e implementadas pela curvatura do espaço-tempo. Nessa perspectiva, a geometria teria uma ontologia superior e sua origem deveria ser procurada independentemente da matéria. Isso coloca uma questão de princípio, pois segundo a Relatividade Geral, a característica mais fundamental da geometria, a curvatura do espaço-tempo, é produzida pela matéria.
Há uma saída simples para escapar dessa dificuldade e ela ocorre devido à não linearidade das equações que controlam a evolução da geometria do mundo. Com efeito, como o físico americano Kasner mostrou, é possível haver curvatura não trivial, isto é, representando um universo dinâmico, sem que haja necessidade de matéria para gerar essa métrica.
Podemos então imaginar que uma flutuação do vácuo pode ser amplificada pela gravitação. Uma interpretação pictórica deste processo pode ser vista na figura abaixo. No primeiro momento, sem a interação gravitacional, um fóton se metamorfoseia em um par virtual eletron-pósitron. Ele é dito virtual pois não precisa, naquele instante de sua efêmera existência, obedecer a leis convencionais que toda partícula real deve satisfazer. Isso se deve ao princípio de incerteza de Heisemberg. Em momento seguinte e mais adiante, esse par eletron-pósitron se recombina no fóton. Na segunda figura, na presença de um campo gravitacional, este impede a recombinação da matéria virtual que ganha assim aquilo que chamamos realidade e passa a existir por um tempo maior do que o princípio de incerteza lhe permitiu enquanto par virtual.
A questão é saber quão eficiente é esse sistema e porque não vemos, como queria Fred Hoyle, uma criação continua de matéria. Se me refiro a Hoyle aqui é porque ele foi um fervoroso adepto de um mecanismo de formação de matéria para permitir que uma certa ideia apriorística da estrutura métrica do universo pudesse ocorrer. Ele se opunha fortemente à ideia do bigbang e não entendia porque os físicos preferiam aceitar que toda a matéria do universo fosse criada em um só momento (uma singularidade impossível de ser descrita por uma equação regular) ao invés de ser criada continuamente ao longo de sua existência (um cenário descrito por processos bem conhecidos na física). Essa ideia encontrava sua versão geométrica na formula
geography does not matter and history does not matter.
Com essa expressão se pretendia afirmar que o universo é homogêneo não somente no espaço, mas igualmente no tempo: a mesma configuração espacialmente homogênea se repetiria indefinidamente. Uma tal geometria havia sido descoberta por deSitter ao mostrar logo após a publicação do modelo estático de Einstein, que somente a presença da constante cosmológica, sem matéria de qualquer outra forma, pode gerar um universo dinâmico expandindo-se indefinidamente e conservando sempre a mesma configuração.
Vamos agora voltar à questão que tratei na primeira lição para distinguir a historicidade que provém da variação das leis físicas no cosmos e o fenômeno de bifurcação. Primeiramente, vamos tratar um exemplo onde esse fenômeno de bifurcação aparece, graças à representação do universo construída no interior da Relatividade Geral.
Universo viscoso
Em agosto de 1982 na conferência Teorias Relativistas do Universo realizada em Shangai (República Popular da China) apresentei os resultados de um artigo que eu e minha colaboradora Ligia Maria Rodrigues havíamos feito no início daquele ano. Sem entrar em detalhes técnicos (cf. referências) vamos rever algumas conclusões daquele trabalho.
O campo gravitacional é capaz de criar partículas materiais a partir do vácuo. A questão então é: como descrever a distribuição energética espaço-temporal dessas partículas criadas? A resposta veio de antigas teorias dos fluidos usadas em diversos processos clássicos no qual a viscosidade é um fator importante. Os detalhes estão descritos no artigo citado, mas podemos adiantar que sua energia se comporta como um fluido (imperfeito) com viscosidade.
Ao tratar dessa forma a distribuição de energia da matéria criada pela curvatura do espaço-tempo, usando a Relatividade Geral, as equações descrevendo esse processo reduzem-se a um sistema dinâmico planar (isto é, existem somente duas equações) e autônomo (pois não contém explicitamente nenhuma função do tempo). Uma análise desse sistema permite mostrar como aparece o fenômeno da bifurcação que o matemático francês Henri Poincaré havia descrito há mais de um século.
A propriedade mais importante que nos interessa aqui se refere à característica de que nas vizinhanças do ponto de bifurcação o caminho de evolução deste universo depende de eventuais flutuações, perturbações que podem ocorrer e que tem caráter aleatório. Ou seja, para dar uma imagem simples do que acontece poderíamos dizer que o universo se torna hesitante e escolhe um caminho de evolução de modo fortuito. Uma tal interpretação só ganha real significado se pensamos coleções de mundos em evolução, isto é, distintas configurações de universos compossíveis. Somos assim levados a aceitar a historicidade, uma dependência histórica do cosmos, cuja evolução não se subordina às condições iniciais, quaisquer sejam elas.
O que podemos dizer sobre o passado do universo?
No antigo cenário big bang não temos muito a comentar. O universo teria um início singular que não faz parte de uma descrição racional do universo.
A questão que é preciso responder: por que, sendo a gravitação uma força somente atrativa, o universo se expande como um processo repulsivo?
Friedmann não sugere nenhuma solução a não ser a suposição, implícita, de que isso se deve a uma condição inicial escondida. No entanto, considerar este processo como uma condição inicial equivale a negar que possamos conhecer a resposta. Outras propostas mais objetivas foram examinadas onde processos físicos envolvendo diferentes formas de interação dão origem a fenômenos que podem ser interpretados como gerados por gravitação repulsiva. Um exemplo recente (Antunes e Novello) é descrito no artigo abaixo citado.
Journal of General Relativity and Gravitation
April 2017, 49:55
Repulsive gravity induced by a conformally coupled scalar field implies a bouncing radiation-dominated universe
- Antunes and M. Novello
In the present work we revisit a model consisting of a scalar field with a quartic self-interaction potential non-minimally (conformally) coupled to gravity (Novello in Phys Lett 90A:347 1980). When the scalar field vacuum is in a broken symmetry state, an effective gravitational constant emerges which, in certain regimes, can lead to gravitational repulsive effects when only ordinary radiation is coupled to gravity. In this case, a bouncing universe is shown to be the only cosmological solution admissible by the field equations when the scalar field is in such broken symmetry state.
No cenário com bouncing descrito neste artigo a questão primeira é o que teria colapsado? A resposta é dada pela instabilidade da estrutura mais simples onde não há matéria nem curvatura do espaço-tempo. Ou seja, um puro espaço-tempo vazio identificado com a geometria de Minkowski da Relatividade Especial.
E no cenário singular? Vejamos.
Desenvolvimento dos Atos I e II: Conjectura BKL (Belinski, Khalatnikov e Lifshitz). Na vizinhança de uma singularidade o universo se comporta como uma era do vazio do tipo Kasner.
Aceitando a validade da dinâmica da gravitação como descrita na relatividade geral e admitindo que o fluido cósmico responsável pela curvatura do espaço-tempo pode ser identificado a um fluido perfeito Belinski, Khalatnikov e Lifshitz (BKL) mostraram que a intensidade do campo gravitacional pode superar qualquer forma de energia não-gravitacional em certas regiões do espaço-tempo. Em particular, eles mostraram que quanto mais próximo da singularidade menos importante se torna a energia de origem não-gravitacional. Ou seja, tudo se passa como se o universo a partir desse momento para trás pudesse ser descrito como uma estrutura vazia de matéria e energia e sua evolução controlada pelo processo de auto interação gravitacional onde a matéria e toda forma de energia não-gravitacional passa a não ter importância na evolução da geometria.
Então aparece a dificuldade maior associada à origem de um universo de existência finita, pois na singularidade inicial que contém em potência um mundo, deveria haver alguma forma virtual de caracterização do mundo que viria a ser criado. E, se é assim, a questão é saber onde e como esta informação estaria contida. Dito de outro modo, sob que forma a geometria e/ou a matéria ainda inexistente, em um estado sem espaço nem tempo, latente, em sua singularidade que tudo esconderia, distinguiria um estado de outro. Entender como estaria escondida essa informação, isto é, como gerar um universo de Friedmann ou um universo de Kasner a partir de um ponto singular que não pode ser caracterizado pelo universo-que-virá-a-produzir, pelo universo-que-virá-a-ser se ambos possuem em seu início essa singularidade inacessível. Sob que forma de conteúdo informativo inacessível a nós, futuros habitantes de um destes universos, estaria este universo-que-irá-existir sendo fabricado, produzido, separado, individualizado uns dos outros? A dificuldade maior destes cenários singulares é entender essa indiscriminada singularidade inicial, pois ela não pode guardar informação de sua origem e consequentemente não pode ser distinguida.
Isso decorre da caracterização da singularidade inicial que é classificada, nomeada, entendida como somente isso: uma divergência do espaço-tempo do qual não se pode extrair informação e consequentemente tornando inesperado, inaceitável mesmo, atribuir-lhe alguma espécie de reservatório informativo, alguma espécie de qualificativo que pudéssemos lhe atribuir e que permitiria então dar-lhe um segundo nome e chamá-la, distinguindo-a assim, de singularidade-de-Friedmann ou singularidade-de-Kasner.
Devemos então concluir que essas qualidades seriam somente virtuais. E deveríamos então fazer destas virtualidades clássicas – isto é, que não podem ser associadas ao virtual quântico, mais aceitável – um tema de análise. Deveríamos então abdicar de fazer hipóteses não observáveis sobre estas particulares soluções, estes universos singulares e particulares, essas espécies individualizadas de mundos que a Relatividade Geral permite, aceita, produz, inventa. Ou deveríamos simplesmente adotar a postura pragmática de entender estes universos como simples estruturas matemáticas.
A expansão acelerada do universo
Aparentemente observações parecem mostrar que o universo está em regime de expansão acelerada. A questão maior consiste em saber o que poderia estar causando essa aparente repulsão cósmica. Vimos já alguns exemplos de como processos que imitam uma repulsão gravitacional podem ser construídos. Dentre estes podemos citar:
- Constante cosmológica;
- Campo escalar acoplado não-minimamente à curvatura do espaço-tempo;
- Campo eletromagnético não-linear em regime magnético;
- Influência de outras quantidades associadas à curvatura como invariante topológico.
O que podemos dizer sobre o futuro do universo?
A inusitada descoberta da aceleração torna difícil qualquer forma simples e convencional de previsão.
No entanto em alguns modelos o longínquo final da evolução do universo é semelhante ao seu início, isto é, um vazio de matéria em uma estrutura geométrica desprovida de curvatura (geometria de Minkowski). Isso conduz à ideia de ciclos.
As propriedades desse universo permitem dizer que ele é “natural”?
Alguns físicos colocam essa questão de modo a ser representado por analogia com as configurações de um gás composto por um conjunto de moléculas. Sabemos que um gás tem tendência a ocupar todo o recipiente que o contém e que a distribuição espacial de suas moléculas é homogênea.
Haveria naturalidade na configuração A que mostra maior desordem. No entanto, a configuração B exigiria uma explicação da razão para ela persistir. Ou seja, alguma ação externa, alguma força estaria provocando a aglomeração das moléculas na parte superior do recipiente. Entendemos a naturalidade assim expressada como considerações baseadas em probabilidades de eventos, como estabelecido na lei da entropia. A entropia em A é maior do que a B. Dito de outro modo, existem mais configurações levando à A do que a B.
Dentro desse cenário, alguns físicos se perguntam: nosso universo é natural? Para entender essa questão devemos partir da hipótese que este universo não é único. Possivelmente outros universos com outras leis e outras configurações possíveis, com tempo de existência distintos poderiam ter existido. Alguns desses possíveis mundos pareceriam a nós não natural, com características especiais. Mas surge a questão: o que seria especial em uma configuração? Podemos aplicar esse tipo de questão a entidades como essa, o universo relativista? Isso leva a pensar a próxima questão.
O universo concebido como inacabado, poderá se organizar completando-se, isto é, deixando para trás essa historicidade reconhecida?
Há vários cenários, como o do bouncing descrito acima, no qual o universo é, foi e será eternamente inacabado. Mas devemos entender o significado da palavra inacabado nesse contexto. A questão passa a ser: o processo de variação das leis tem um objetivo? Afinal, por que as leis variam?
As leis físicas que organizamos nos laboratórios terrestres se estruturam na Relatividade Especial. A razão é simples de entender: o campo gravitacional na Terra é muito fraco. Para estendê-las ao universo requer conhecimento do modo pelo qual um processo físico é descrito em um campo gravitacional.
Para isso uma hipótese bastante restritiva foi aceita: elas deveriam ser generalizadas para aplicação na presença de campos gravitacionais baseadas no Princípio de Equivalência.
Esse princípio permite eliminar localmente o efeito da gravitação por uma simples escolha de representação, do sistema de coordenadas.
Essa hipótese de que, na extensão das leis físicas ao universo, não deve aparecer nenhuma referência à curvatura da métrica é chamado acoplamento mínimo com a gravitação.
Quando o acoplamento envolve a curvatura, isso transcende a relatividade especial e novas propriedades dos processos físicos podem aparecer, como violação da conservação de barions; violação da regra de quebra máxima de paridade nas interações de decaimento ou de Fermi (fraca) e outras que vimos em aula anterior.
Em verdade, o que chamamos lei física descreve somente uma parte dos processos dinâmicos pois ignora o que acontece em regiões no universo onde o campo gravitacional, a curvatura do espaço-tempo, é muito grande.
Ao incluir a interação com a curvatura do espaço-tempo no corpo do que chamamos lei física no cosmos, a variação temporal deixa de ser entendida como uma interpretação estranha, pois ela passa a ser identificada com essa extensão. É natural então que a chamemos de lei cósmica. A hipótese tradicional de considerar as leis físicas como dadas a priori impedem que consideremos uma dinâmica evolutiva no universo. Por outro lado, aceitar essa dependência temporal não legitima propostas teleológicas. Ao incorporar a variação da lei física no processo de lei cósmica como processo complexo de interação gravitacional, a questão teleológica passa a não ter sentido e se pode então afirmar que a cosmologia, ao adquirir status cientifico, permite esclarecer a distinção entre a extrapolação para além de nossa galáxia das leis física terrestre e sua compreensão como lei cósmica. Ou seja, a dependência cósmica das leis físicas não é um mistério, mas sim pode ser entendida como consequência de uma forma especial de interação gravitacional.
Universo cíclico
A ideia de que o universo possa ter tido diferentes ciclos de colapso e expansão não é nova. No cenário da teoria da Relatividade Geral (RG) já nos anos 1940 apareciam propostas nas quais um cenário cíclico era tratado dentro do modelo padrão da cosmologia. Atribui-se ao físico Richard Tolman a descrição formal desses cenários no interior da cosmologia relativista. Entretanto, suas ideias não se desenvolveram por uma questão técnica que creio ser importante descrever.
Vimos, no cenário descrito na cosmologia de Friedmann, que a identificação da fonte da curvatura do espaço-tempo a um fluido perfeito implica necessariamente a presença de uma singularidade, isto é, um momento na história do universo no qual todas as quantidades físicas relevantes – como a densidade de energia, a temperatura etc. – atingem valores infinitos. Ou seja, não podem mais ser descritos pela física que é incapaz de associar uma medida realmente realizada a essa quantidade matemática, o infinito. Assim, ao atingir este momento singular toda a memória anterior se apaga. Nesse esquema a própria ideia de universo cíclico perde sentido. Somente quando os modelos com bouncing apareceram foi possível dar sentido preciso, coerente, à proposta de que o universo possa ter ciclos. Surge então a questão: um só ciclo de contração e expansão? E como termina esse ciclo?
A ideia segundo a qual o Universo terá um fim como um grande cataclisma (big crunch) é uma proposta tão ingênua quanto o processo inverso de sua eventual origem (big bang) e só ganha sentido formal dentro da hipotética extensão ilimitada da física terrestre ao cosmos. Em verdade, como anunciava profeticamente o poeta T. S. Elliot, esse particular mundo em que vivemos terminará não com um estrondo, não com um colapso total, mas com um lamento.
Com efeito, seguindo a sugestão daqueles cientistas históricos, evolucionistas, somos levados a concluir que o universo está ainda em formação, é inacabado, eternamente inacabado, envolvido em um processo contínuo de formação, criação e destruição.
Dito de outro modo, assim como esse universo se autocriou a partir de um vazio, quando ele se autodestruir só sobrará o vazio. A partir desse vazio se construirá um novo universo.
E depois?
Não temos hoje nenhum indicio que permita afirmar que este processo de criação e destruição tenha um fim.
Comentário final à quinta lição
Nesse ponto vamos fazer uma pausa nessas lições para que pensemos o sentido das questões que examinamos.
Do que vimos até aqui, ficou claro que a cosmologia trata de situações especiais que a ciência convencional terrestre e sua extrapolação ao universo sistematicamente tem ignorado. A cosmologia abriu a porta para uma outra forma de construção do real a partir de uma crítica ao discurso tradicional da ciência.
O sucesso da ciência, consubstanciado na parafernália tecnológica que formatou a sociedade moderna, não deve servir para a eliminação de seus concorrentes, em particular, a filosofia, na tarefa de gerar uma descrição do que é real. Não devemos deixar a atividade científica isolada de outros modos de pensar. Isso é temeroso para nossa própria sobrevivência como espécie. Como exemplo, podemos citar as dificuldades climáticas anunciadas e que devem ser entendidas como um alerta para que não esqueçamos que só uma forte ressonância entre as ciências exatas e as humanas pode encontrar uma solução.
Essa situação tem sutilezas que devemos cuidar, pois se falharmos nessa tarefa e deixarmos estabelecer um vazio de certezas, é possível que isso traga à superfície um irresistível, nefasto e autodestrutivo movimento irracional.
Os efeitos nocivos de um predomínio absoluto de uma ciência sobre todas as outras podem ser sintetizados na metáfora contida na frase “não importa a cor do gato, desde que ele cace ratos”, pronunciada por Deng Xiaoping, na década de 1970, enfatizando o aspecto prático, tecnológico, das atividades que deveriam nortear a sociedade. Essa síntese do pragmatismo que teve sucesso e transformou a China numa potência econômica no século 21 conduz, no entanto, a uma situação-limite onde esse competente gato pode se transformar num felino selvagem que irá nos devorar.
Eu ousaria afirmar que uma nova ordem parece se anunciar pois uma alternativa ao predomínio absoluto dos aspectos práticos da ciência está emergindo das análises da questão cosmológica. Deveríamos considerar seriamente a proposta de Anaxágoras e voltarmos a considerar a contemplação do universo como uma atividade desejável. Uma tal prática deve ressurgir como evolução natural da crítica cosmológica que estamos realizando e leva a seguir o filósofo grego que, quando perguntado sobre se preferia ter nascido ou não, respondeu, sem hesitar, que preferia ter tido essa experiência de vida. E por quê? “para poder admirar o cosmos”.
Como enfatizamos nesse curso, o modo racional de construir uma descrição do mundo não requer a submissão total a um só procedimento de construção do real. A união entre diferentes saberes, um freio ao domínio absoluto da tecnologia imposta à sociedade, não é uma ilusão, mas uma necessidade de preservação da razão cósmica.
Há uma disrupção em marcha retirando da ciência tradicional seu papel de instrumento único de acesso à verdade, à construção da realidade. Esse movimento é inevitável e coloca a cosmologia como geradora da crítica ao papel tradicional da ciência como simples organizadora da tecnologia. Ela deve ceder espaço ao pensamento contemplativo, por mais ingênuo isso possa parecer. A imersão no modo cosmológico é a porta de entrada para essa transformação.
No entanto, precisamos estar atentos para não sermos surpreendidos pelo movimento reacionário que inevitavelmente é posto em marcha, para que não nos deixemos reconduzir ao estado ambicioso, absoluto e dominador da ciência tradicional que uma certa versão prática, fenomenológica da cosmologia propõe, suspeitando a ruptura com a tradição do pensamento ocidental.
Esse movimento inevitável de crítica da razão cósmica, que desemboca na construção da metacosmologia, não pode ser mais interrompido pois ele carrega – refutando o julgamento de Heidegger sobre o papel da ciência nos tempos atuais – a reconstrução do pensamento. Sua força reside em nossa sobrevivência como espécie.
Finalmente, devemos ter em mente que estamos assistindo a esse movimento de emancipação do pensamento e o fim da ideia de construção programada do cosmos. Isso, claro está, não retira a possibilidade de uma construção racional do universo. No entanto, fica claro que se o pensamento quiser acompanhar os processos cósmicos em sua dimensão global ele tem que aceitar a inesperada noção de que em diversos momentos cruciais do universo uma escolha particular de sua evolução que não estava pré-determinada deve ser feita.
Ou seja, o universo adquire a liberdade que os cientistas inadequadamente lhe haviam retirado.
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A questão da origem da massa e a evolução do universo foi apresentada de modo popular em
http://www.marionovello.com.br/wp-content/uploads/2014/07/SAB-07-2011.pdf
Para os artigos de natureza técnica ver em www.marionovello.com.br
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Friedrich Nietzsche: La téléologie à partir de Kant (Association Culturelle Eterotopia France, Paris 2017)
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