Guerra Híbrida no Brasil
Para entender a atual turbulência brasileira e sofisticar a discussão sobre ela, é necessário uma maior compreensão do conceito de “guerra híbrida”. Grosso modo, a guerra híbrida sugere uma estratégia complexa de guerra não-convencional, sobretudo dos EUA, para impedir um mundo multipolar, em que se usa o mínimo possível de armas e soldados e manipula-se o país rival por meios outros. A estratégia é inspirada na teoria do caos, na psicologia social, na estratégia militar e de propaganda. Em linhas gerais, os passos da guerra híbrida são: a) envio de diplomatas americanos e cooptações de locais para traçar a estratégia b) manipulação das mídias sociais, através de perfis falsos, agentes infiltrados, robôs com programas voltados às redes sociais, para estimular sobretudo raiva e medo, direcionando essas emoções para o governo em questão, c) estímulos à organização de manifestações, de preferência em locais simbólicos, d) acirramento de pedidos de fim do governo, com auxílio estratégico da mídia, e) queda do governo, f) novas eleições, nas quais se usam táticas semelhantes a favor de certo candidato alinhado com os EUA. A guerra híbrida vem se sofisticando e adquirindo características rizomáticas.
Alguns autores se destacam na sistematização do conceito de guerra híbrida. O primeiro artigo que se tem notícia é do militar norte-americano Frank Hoffman. O trabalho mais amplo e conhecido é o do analista político Andrew Korybko, com o livro “Guerras Híbridas”, lançado no Brasil, que utilizou, entre outros, documentos do exército norte-americano vazados pelo WikiLeaks. Nessa obra, Korybko analisa sobretudo os casos da Síria e Ucrânia, entretanto escreveu, em artigo, que o Brasil se encaixa perfeitamente no conceito. Outro autor importante é o jornalista Pepe Escobar, do Asian Times. Realizando análises mais detalhadas sobre o caso brasileiro, há o antropólogo Piero Leirner e o jornalista Wilson Roberto Vieira Ferreira.
Resumindo algumas análises, o Brasil supostamente passou a ser um alvo urgente da guerra híbrida com a descoberta do pré-sal. Naquele momento, os EUA iniciariam os processos elencados acima, os quais são fáceis de especular: a) estímulo a discursos de ódio e de medo nas redes sociais, envolvendo a propagação de blogueiros e influencers de cunho conservador e, com menor intensidade, a grande mídia, contra a presidente Dilma e seu partido, b) fomentação da Lava Jato, a parte da estratégia que seria mais sofisticada que hoje começa a ser mais questionada c) processo contra Lula, candidato à presidência com mais chances de vitória, d) manifestações em que um dos temas era a crítica à presidente Dilma em locais simbólicos, como o Congresso Nacional, em Brasília e a Cinelândia, no Rio de Janeiro, e) impeachment de Dilma, f) prisão de Lula, e) estímulo à candidatura de Jair Bolsonaro, alinhado com os EUA e sua consequente vitória.
É preciso reconhecer, também, o perfil conservador de grande parte do povo brasileiro. No entanto, dado as pesquisas, isso provavelmente não seria suficiente para a extrema-direita vencer as eleições de 2018 e sim, um campo fértil que foi estimulado e propagado.
O descrito acima não pretende sugerir de forma alguma que o governo de esquerda no Brasil esteja isento de críticas. Nossa expressão política é extremamente crítica a qualquer grande líder político, evocando sempre que possível uma anarquia sagrada. Entretanto, se cabe a um país decidir seu próprio rumo, sem interferências externas, vindas de outro país, é preciso observar como o discurso brasileiro anticorrupção se volta a determinados alvos. Geralmente, os alvos são políticos específicos, mas no tocante a Lula e Dilma, criou-se um imaginário de que todo o partido a que são filiados seja corrupto. A organização partidária, para nossa conceituação, é falha. Mas é preciso chamar a atenção para a diferença da mídia no tratamento de cada partido. Nosso argumento tampouco insinua que junho de 2013 tenha sido um fracasso – é preciso reconhecer a potência das ocupações nas escolas, do crescimento das organizações de minorias políticas etc.
As análises que demonstraram a influência do Facebook e do Cambridge Analytica nas eleições norte-americanas e no Brexit, orquestrados sobretudo por Steve Bannon, se colocadas em relação com os encontros de Olavo de Carvalho, Eduardo e Jair Bolsonaro com o próprio Bannon, seriam alguns dos eventos que corroboram com a aplicação do conceito de guerra híbrida ao caso brasileiro.
A consequência do avanço da guerra híbrida no Brasil seria a desestabilização de vários campos sensíveis para o desenvolvimento econômico e social, sendo a reforma da previdência no modo financista, mais um componente nesse processo. Existem também estudos da guerra híbrida aplicados no caso da Venezuela.
Outra característica de guerra híbrida no Brasil seria o fenômeno da “dupla pinça”, que seria o próprio sistema criar um dualismo de pró e contra, uma “cismogênese”, para abrandar e, com isso, desestabilizar a resistência real. O exemplo mais reincidente seria as falsas brigas entre militares e governo, criadas para dar uma sensação e de que nada é tão pensado assim. Outro exemplo é a postura de parte considerável da grande mídia, que, de um lado, ataca Bolsonaro e, de outro, celebra a economia de Paulo Guedes, como se fossem “contra o governo”.
Qual seria a solução para a guerra híbrida? Sem respostas fáceis, o primeiro passo é colocá-la mais em pauta, para que a discussão seja clara e o problema se torne visível. Um caso recente digno de nota é o dos coletes amarelos na França, a despeito da sua difamação por parte da mídia. Com sua autogestão de inspiração anarquista, descentrada, eles conseguem evitar de eleger grandes líderes do movimento, esquivando-se, assim, da cooptação por quaisquer forças externas – sejam da mídia, do governo ou de oportunistas. Outros casos é a recente resistência popular no Chile. Urge a pergunta: quando surgirá a versão brasileira dessas resistências?