Fred hoyle e a cosmologia
Alguns dados biográficos
Sir Fred Hoyle nasceu no dia 24 de junho de 1915 – ano dos trabalhos de Albert Einstein sobre a teoria relatividade geral – num vilarejo de Gilstead, em Bingley (Yorkshire). Filho único de Benjamin Hoyle (violinista) e Mabel Pickard (pianista), foi registrado propriamente como Fred, contrariamente a Alfred ou Frederick como seria de se imaginar.
Desde pequeno, o jovem Hoyle demonstra ótimas habilidades para a área científica, despertando inicialmente interesse por química, mas logo mudando para astronomia. Aos 13 anos de idade já estudava livros de divulgação científica como Stars and Atoms do famoso astrofísico britânico Arthur Eddington. Em 1933, ingressa no conceituado Emmanuel College, em Cambridge, obtendo o bacharel em Física em 1936 e o mestrado, também em Física, três anos depois. Enquanto estudante de doutorado sob a supervisão do célebre físico teórico Paul Dirac (tendo como co-supervisores Rudolf Peierls e Maurice Pryce), Hoyle recebeu o Mayhew prize (1936) e Smith’s prize (1938) por seu desempenho nos estudos de matemática e física teórica. (Vale ressaltar que o Smith’s prize é um prêmio dado aos alunos de destaque da faculdade de matemática de Cambridge desde 1769, contendo na lista dos agraciados personagens de renome como J. Larmor, J. J. Thomson, J. C. Mawxell, A. Turing, A. Eddington e J. V. Narlikar.) Em 1939, torna-se membro associado do St John’s College e, em dezembro daquele ano, casa-se com Barbara Clark, com quem teve dois filhos: Geoffrey e Elizabeth.
Além de astrônomo notório, Hoyle foi também escritor de livros de divulgação e ficção científica. Dentre eles, destacam-se “A For Andromeda” (1962) em parceira com John Elliot e “Rockets in Ursa Major” (1969) com seu filho Geoffrey, o qual foi seu parceiro em diversas
outras publicações dessa natureza. Esses dois livros em especial tiveram famosas adaptações para a televisão da época. Com respeito às ciências humanas, Hoyle deu sua contribuição desenvolvendo estudos sobre Stonehenge, nos quais afirmava que o monumento tratava-se de um observatório astronômico primitivo, o que levantou uma série de discussões na época levando à conclusão de que aquela região ancestral tratava-se de fato de um tipo de observatório astronômico.
Todavia, gostaríamos aqui de discutir brevemente dentre suas ideias inovadoras, aquelas que tiveram grandes repercussões no âmbito da física, química, cosmologia e até da biologia sendo ainda hoje motivo de discussão nesses assuntos.
Nucleossíntese estelar
Os primeiros trabalhos na carreira de Hoyle foram sobre a síntese dos elementos químicos no interior de estrelas. Curiosamente, ele foi o autor dos dois primeiros artigos nesse assunto explicando como elementos químicos mais pesados que o Hélio poderiam ser gerados a partir de reações nucleares no interior de estrelas. No primeiro artigo, mostrou que o núcleo das estrelas pode evoluir para temperaturas de bilhões de graus Celsius, alcançando valores de energia muito maiores que a energia termonuclear presente na categoria mais numerosa de estrelas chamada de sequência principal [1]. Em altas temperaturas, o ferro pode se tornar muito mais abundante do que outros elementos pesados devido ao equilíbrio térmico entre as partículas nucleares (ideia denominada por Hoyle de “e-Process”). Com isso, a alta abundância natural desse elemento observada nos objetos astrofísicos poderia ser explicada facilmente.
No segundo artigo, por outro lado, mostrou que os elementos entre o carbono e o ferro não poderiam ser sintetizados por tais processos de equilíbrio [2]. Para isso, atribuiu a esses elementos reações específicas de fusão nuclear entre constituintes abundantes em camadas concêntricas de estrelas massivas de uma classe chamada pré-supernovas. Este quadro surpreendentemente intrincado e moderno é ainda hoje o paradigma aceito para a nucleossíntese dos elementos químicos primários em supernovas.
Em meados de 1950, Hoyle liderou um grupo muito talentoso de físicos teóricos e experimentais
em Cambridge: William Alfred Fowler (Prêmio Nobel de 1983), Margaret Burbidge, and Geoffrey Burbidge. Eles sistematizaram as ideias básicas de como todos os elementos químicos do Universo foram criados, obtendo assim um quadro completo da nucleossíntese. Em 1957, publicaram o artigo B2FH, no qual a nucleossíntese foi organizada em processos nucleares complementares [3], onde muito material novo na síntese de elementos pesados por reações de captura de nêutrons foi acrescentado com respeito aos próprios trabalhos precedentes de Hoyle (são os chamados “s-Process” e “r-Process”). Atualmente, esse artigo ainda é referência no estudo da síntese dos elementos no interior de estrelas, possuindo mais de 1.300 citações segundo o sítio da American Physical Society.
Universo em estado (quase-)estacionário
Por volta de 1927, o físico e padre belga Georges Lemaître elaborou um modelo a partir das equações de Einstein da relatividade geral – apesar do matemático russo Alexander Friedmann ter obtido as mesmas equações de forma independente em 1922 – em que o Universo estava numa fase de expansão, a qual teria se iniciado a partir de um dado momento durante o tempo cósmico. Também conhecida como a “Hipótese do Átomo Primordial”, essa teoria desenvolvida por Lemaître ganhou força com as observações de Edwin Hubble de 1929 e, posteriormente, com o grupo liderado pelo físico russo George Gamov que levou ainda mais adiante a ideia propondo modelos para a síntese de elementos químicos leves num universo primordial.
Entretanto, Hoyle acreditava que a ideia de um universo tendo um começo deveria ser considerada pseudociência a priori, mesmo que as observações apontassem nessa direção. Dizia que os argumentos da teoria de Lemaître remetiam a um criador, “…pois é um processo irracional e não pode ser descrito em termos científicos”. Com certo desprezo, cunhou o termo “Big Bang” para esse tipo de teoria durante uma entrevista para a radio BBC (em 28 de março de 1949), num programa para grande público em que apresentava a diferença entre o modelo cosmológico vigente e suas ideias sobre o surgimento e evolução do Universo. Noutra entrevista, Hoyle disse: “a razão pela qual os cientistas gostam do ‘big bang’ é porque eles são ofuscados pelo Livro do Gênesis.”
Com o intuito de criar um modelo cosmológico consistente com suas intuições acerca do universo, em 1948 Hoyle começou a argumentar que o cosmos estava numa espécie de “estado estacionário”, formulando então uma teoria nesses moldes juntamente com Thomas Gold e Hermann Bondi. Nesse modelo de estado estacionário, o universo poderia ser eterno e essencialmente imutável, mesmo havendo um afastamento relativo entre as galáxias e concordando assim com as observações de Hubble. Mas, para isso, a matéria deveria ser constantemente criada ao longo do tempo, de tal modo que as novas galáxias se desenvolveriam entre os espaços deixados pelas antigas. Com isso, foi possível resolver problemas como a conservação da massa previamente encontrados por Gold e Bondi, além de explicar o aparente afastamento relativo entre as galáxias.
Tecnicamente, o modelo admite a existência de campo escalar (denominado campo C) que possui densidade de energia negativa. Conforme a matéria (a qual possui energia positiva) vai sendo criada, a energia desse campo escalar torna-se cada vez mais negativa. Devido à presença da gravitação, o campo C se auto-repele forçando a matéria criada a afastar-se e mantendo assim o balanço estacionário. O conteúdo material e a expansão do universo são explicados de uma só vez, sem nenhuma hipótese arbitrária. Vale ressaltar a semelhança entre o mecanismo de criação de matéria pelo campo C elaborado por Hoyle com o que hoje denomina-se inflação (fase de expansão acelerada do universo primoridal, cujo mecanismo é atribuído ao físico norte-americano Alan Guth por seus trabalhos no final da década de 70).
Entretanto, após a descoberta da radiação cósmica de fundo em microondas (RCFM) em 1965, por Arno Penzias e Robert Wilson (ganhadores do Nobel de 1978), a teoria do universo em estado estacionário começou a sofrer fortes críticas da comunidade científica. Na tentativa de salvar sua proposta inicial, Hoyle e seus colaboradores Geoffrey Burbidge e Jayant V. Narlikar desenvolveram um modelo de universo em estado quase-estacionário (EQE), onde as principais diferenças com respeito ao modelo precedente são: a criação de matéria acontece onde o campo gravitational é mais forte, associado com aglomerados de matéria já existente; a taxa de expansão do universo não é constante, podendo variar com o tempo de acordo com os centros de criação de massa; haveriam picos de criação de matéria intercalados com período de baixa produção, de modo que os dados cosmológicos pudessem ser ajustados conforme as observações. Em particular, essa última propriedade daria o caráter quase-estacionário do universo.
No final do século passado, o modelo de universo EQE também foi fortemente confrontado com as observações cosmológicas. Além das dificuldades técnicas apresentadas por este modelo perante o modelo padrão atual da cosmologia, existe um consenso entre os cosmólogos de que um universo em EQE não se ajusta ao dados da RCFM, principalmente para grandes valores do momento de multipolo, indicando assim que o modelo deveria ser descartado (veja discussão apresentada nas Refs. [6,7]).
Universo com ação a distância
Outra teoria bastante curiosa defendida por Hoyle e Narlikar é a chamada teoria da ação a distância, onde o momento presente é resultado de um acordo consistente entre o passado e o futuro.
Em meados da década 40, John A. Wheeler e Richard P. Feynman propuseram uma interpretação da teoria eletromagnética que levasse em consideração soluções das equações dinâmicas invariantes por reversão temporal [8]. A justificativa para tal proposta jaz sobre o fato de que as equações de movimento são intrinsecamente invariantes por tal simetria temporal. Mas para que essa simetria possa ser implementada na teoria, os paradoxos que surgem de imediato com respeito à causalidade devem ser resolvidos considerando-se as partículas carregadas tanto como emissoras quanto absorvedoras da radiação eletromagnética.
No âmbito da cosmologia, a teoria de Wheeler e Feynman coloca condições bastante restritivas sobre o comportamento assintótico dos cones de luz futuro e passado do universo. Devido a essas restrições, modelos do tipo big bang não satisfazem os requisitos necessários para que essa interpretação seja consistente com a evolução do universo. Porém, os modelos de universo em EQE permitem uma estrutura na qual a teoria de Wheeler e Feynman funcionaria [9]. Ademais, os modelos EQE não apresentam problemas quanto à divergência dos campos, em particular, a massa e a carga de um elétron são finitas. Segundo Hoyle e Narlikar, nesse modelo é possível relacionar a resposta do universo a um experimento microscópico local, podendo então esclarecer certos aspectos delicados dos fundamentos da teoria quântica, uma vez que o resultado de um dado experimento envolve um “acordo” com o cosmos. Nesse sentido, concluíram que os argumentos citados acima eram suficientes para motivar a extensão do conceito da ação a distância para todas as interações da física, explicar a irreversibilidade da termodinâmica de sistemas macroscópicos como consequência da expansão do universo e recuperar toda a eletrodinâmica sem graus de liberdade extras entre outras propriedades desejáveis de um modelo físico. Por fim, outro ponto importante desse formalismo é a possibilidade de se construir uma teoria da inércia e da gravitação invariante de escala (também chamada invariante conforme) que se reduz à relatividade geral no limite de muitas partículas e que fornece o sinal positivo para a constante cosmológica.
O Universo Inteligente
Nesse famoso livro de 1983, Hoyle apresenta com bastante propriedade algumas de suas visões controversas com respeito a teoria darwinista da evolução. O texto é repleto de fatos e referências históricas que nos mostram como as ideias de Charles Darwin já estavam presentes em trabalhos de seus antecessores, por exemplo Jean Baptiste Lamarck (1744-1829), a corrida pelo reconhecimento entre Darwin e Alfred R. Wallace por volta de 1858, além das razões socio-politico-econômicas pelas quais a teoria de Darwin teve grande aceitação pela sociedade da época.
Numa postura claramente anti-darwinista, Hoyle defende que o acaso é insuficiente para explicar todos os detalhes da evolução da vida na Terra, demonstrando em termos matemáticos que para se produzir aleatoriamente uma molécula de DNA ou uma enzima seriam necessários eventos com probabilidades tão ínfimas a ponto de preencher mais de 40 páginas de zeros depois da vírgula antes de se encontrar o primeiro algarismo não-nulo. Entretanto, a inquestionável diversidade de seres vivos do planeta parece estar toda interligada como mostram os estudos de registros fósseis. Para que isso fosse possível no período de tempo em que existe vida conhecida no nosso planeta, a evolução não poderia ocorrer continuamente, mas dar-se-ia por meio de saltos evolutivos deflagrados por macromoléculas orgânicas (denominadas viróides) advindas do espaço. Esta é uma das facetas de sua proposta de Panspermia – o surgimento da vida na Terra se origina do espaço. Como consequência, o vácuo deveria estar repleto de matéria orgânica que ao entrar na atmosfera e conseguir chegar ao solo sem antes entrar em combustão, poderia ligar-se à matéria orgânica já existente no planeta produzindo assim uma mutação “inteligente” desta. Hoyle nos chama a atenção para um caso bastante estudado que aponta na direção da existência desse tipo de matéria fora da Terra que é o meteorito de Murchison, encontrado na Austrália em 1969 onde foram observados restos fossilizados de Pedomicrobium. Nos seres vivos complexos, essas mutações inteligentes poderiam ocorrer na forma do que Hoyle chama de epidemia “vertical”, onde o sistema imunológico de cada invidíduo exerceria um papel fundamental na sua evolução selecionando, dentre as milhares de cadeias de aminoácidos que estes seres estão sujeitos a encontrar diariamente, àquelas que lhes são biologicamente compatíveis.
Do ponto de visto físico, mas ainda vislumbrando o surgimento da vida na Terra, Hoyle se propõe a uma investigação mais abrangente do papel do observador na mecânica quântica, a qual deveria ser feita retomando ligeiramente os argumentos de Einstein a despeito da teoria quântica. Em outras palavras, é preciso questionar se um acontecimento quântico é algo mais que o lançamento de moedas ou se consciência seria algo que já estaria presente ao nível quântico, assim como o aparecimento da consciência em certos ramos da evolução. Entretanto, Hoyle é bem cuidadoso em dizer que sua proposta seria levantar as questões mais que resolvê-las. Suas convicções giram em torno de que seria muito improvável que a Terra fosse um evento único e a vida baseada em carbono fosse um exemplo isolado. Deveria haver alguma justificativa científica para o fato dos valores das massas do carbono e do oxigênio serem tão próximos e esses elementos serem tão indispensáveis à vida. Assim, num desfecho quase mítico, sugere a existência de uma inteligência inumana espalhada por todo o cosmos, sem analogias com as divindades já criadas pelo homem, a qual estaria por reger um imbate constante contra o acaso em busca do estabelecimento da vida no universo.
Considerações finais
Em 1990, Hoyle muda-se para Bournemouth, interrompendo suas principais pesquisas. Em seus últimos anos de vida, escreveu sua autobiografia Home is Where The Wind Blows (1994) onde apresenta detalhes sobre sua vida pessoal, carreira científica, além do surgimento de algumas de suas ideias peculiares. Em 20 de agosto de 2001, Hoyle falece aos 86 anos em decorrência de uma infecção respiratória. Deste então, tem sido homenageado ao redor do mundo, mesmo por aqueles que discordavam fortemente de suas ideias por conta de sua honestidade e integridade.
Referências
- Hoyle, The synthesis of the elements from hydrogen, Mon. Not. Royal Astr. Soc. 106 343 (1946).
- Hoyle, On nuclear reactions occurring in very hot stars. I. The synthesis of elements from carbon to nickel, Astrophys. J. Suppl. 1 121 (1954).
- Margaret Burbidge, G. R. Burbidge, William. A. Fowler and F. Hoyle, Synthesis of the elements in stars, Rev. Mod. Phys. 29 547 (1957).
- Bondi and T. Gold, The steady-state theory of the expanding universe, Mon. Not. Royal Astr. Soc. 108 252 (1948).
- Hoyle, A new model for the expanding universe, Mon. Not. Royal Astr. Soc. 108 372 (1948).
- L. Wright, Comments on the quasi-steady-state cosmology, Mon. Not. Royal Astr. Soc. 276 1421 (1994).
- Hoyle, G. Burbidge, J.V. Narlikar, Note on a comment by Edward L. Wright, arXiv:9412045 [astro-ph] (1994).
- A. Wheeler and R. P. Feynman, Interaction with the absorber as the mechanism of radiation, Rev. Mod. Phys. 17 157 (1945); Classical electrodynamics in terms of direct interparticle action, Rev. Mod. Phys. 21 425 (1949).
- Hoyle and J. V. Narlikar, Cosmology and action-at-a-distance electrodynamics, Rev. Mod. Phys. 67 113 (1995).
Leitura complementar recomendada
- M. Patrick, Oxford Dictionary of National Biography: Hoyle, Sir Fred, online version 06 January 2011.
- F. Hoyle, Fifty Years of Cosmology, A Century of Ideas – Perspectives from Leading Scientists of the 20th Century, B.G. Sidharth (ed.), Springer (2008).
- F. Hoyle, O Universo Inteligente: uma nova perspectiva da criação e da evolução, 2ª edição, Editora Presença (1993).
- H Kragh, Cosmology and Controversy, Princeton University Press (1996).
- E.L. Wright, http://www.astro.ucla.edu/~wright/stdystat.htm.
- https://en.wikipedia.org/wiki/Fred\_Hoyle.