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Frankenstein, de Mary Shelley, entre literatura e ciência

Por Luiza Lobo 12 de setembro de 202512 de setembro de 2025

Introdução

Na relação ciência-literatura, “a física não permite estabelecer uma hierarquia existencial absoluta entre o real e o virtual”, afirma a proposta do seminário Cosmos e Contexto, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), organizado pelo Prof. Dr. Mario Novello.[1]

Para demonstrar a impossibilidade de se fixarem fronteiras rígidas entre real e virtual, partiremos da obra de terror romântica Frankenstein: um Prometeu moderno (Frankenstein; or, a Modern Prometheus), de 1818, de Mary Shelley. Herdeiro da literatura “gótica” inglesa, ou de terror, o romance apresenta a criação de um ser humano monstruoso pelo Dr. Victor Frankenstein, natural de Gênova e aluno da Universidade de Ingolstadt, na Alemanha.[2] Ele descobre o “segredo da vida” em suas leituras de alquimistas, como Cornelius Agripa, Albertus Magnus e Paracelso (2004, Cap. 2), e, após estudos de eletricidade baseados em Luigi Galvani, torna-se miraculosamente capaz de formar uma “criatura” humana, em segredo, devido às opiniões contrárias dos professores e do pai sobre aquelas pesquisas. E isso combinando partes de corpos retirados às escondidas de um cemitério. Como é característico do Romantismo, a ênfase da obra é no psicológico, e não na verossimilhança, adaptando a imaginação à realidade.

Dessa forma, notamos que ciência e imaginação são postos no mesmo nível de “veracidade” por Mary Shelley, como dois sistemas ou paradigmas intercomunicáveis. Isso é resultado da visão do Romantismo sobre o mundo, sempre valorizando as emoções subjetivas, e não a verossimilhança entre texto e real. É totalmente inverossímil que apenas aquelas leituras tivessem possibilitado a criação de um ser humano, embora tosco e de estatura desproporcional, com aparência aterrorizante, simiesca, apavorante, de aproximadamente dois metros e pouco de altura (ver Luiza Lobo, 2000).[3] O monstro é uma espécie de Calibã, da comédia A Tempestade (The Tempest, 1623), de Shakespeare. Mas, enquanto este servia de metáfora para um canibal das Antilhas, Frankenstein representa um serial killer, que odeia e assassina em série. Contudo, isso só ocorre porque ele é rejeitado por todos, inclusive quando faz o bem, ao salvar uma criança e ser acusado e perseguido com uma arma, ao devolvê-la à família.

A autora mostra que a “criatura” aos poucos consegue aprender a falar e a ler, adaptando-se aos hábitos sociais humanos. Suas leituras de O paraíso perdido (Paradise Lost, 1667), de John Milton, dizem muito das referências religiosas da obra, na qual Mary Shelley já acentua o conflito entre o bem e o mal e a queda do homem ao ousar infringir as leis da criação divina pela ciência – tema sempre atuante. Em Milton, a queda é causada pela desobediência dos homens ao desejarem conhecer a ciência. Também Belzebu, Lúcifer e Mefistófeles eram anjos do Senhor antes de caírem em desgraça e virarem demônios. Assim, o filho, ou criação, do Dr. Frankenstein também é chamado por ele de “demônio”, “criatura” e “desgraça”, palavras de origem bíblica.

Ele não tem nome no romance, mas, nos livros, filmes e peças teatrais posteriores baseados em Shelley passa a ser denominado pelo nome do seu criador, o cientista Dr. Victor Frankenstein.[4] Ele é dotado de poderes extraordinários, sendo capaz de deslocar-se pela Europa em poucos movimentos, independente de tempo ou espaço, e possui uma intuição acima da normal: descobre onde estão aqueles que persegue, que querem assassiná-lo, como o próprio pai cientista, que se arrependeu da sua criação. Nas entrelinhas, surge o questionamento muito atual sobre os limites da invenção humana no campo das ciências. O próprio título retoma o mito de Prometeu, o titã grego, que roubou dos deuses o fogo sagrado para dá-lo à humanidade, e foi severamente punido (Werner Jaeger, Paideia, a formação do homem grego, 1936). O Dr. Frankenstein também foi punido, não pelo demiurgo, mas pelo seu “filho” e por ele mesmo, quando se arrependeu de sua criação na medida em que todos os seus entes queridos foram mortos pelo monstro.

No conflito entre ciência e religião, Mary Shelley tem consciência da liberdade subjetiva pregada pelo Iluminismo, aprendida com seu pai, William Godwin, famoso jornalista, escritor e filósofo político. Já sua mãe era a famosa feminista Mary Wollstonecraft, publicou Direito das mulheres (Vindication of the Rights of Woman, 1792), contrapondo-se às constantes publicações intituladas Direitos dos homens, defendidos mesmo antes da Revolução Francesa. Hoje está é uma obra hoje controversa, pois tratou-se de um plágio de uma publicação inglesa assinada por “Sofia”, que por sua vez havia plagiado François Poullain de la Barre, no seu livro Da igualdade dos dois sexos (De l’égalité des deux sexes, 1673).[5]

A estrutura da obra

O romance se inicia com quatro longas cartas do capitão Robert Walton a sua irmã, Sra. Elizabeth Saville, na Inglaterra, de dezembro desde um ano não especificado do século XVIII até agosto do ano seguinte. Em longas divagações poéticas e emocionais, que refletem, com certeza, o pensamento de Mary Shelley, ele relata que está avançando de São Petersburgo (Carta 1) para Arcângelo. Esta cidade fica à margem da baía Divina, no mar Báltico. Ali (Cartas 2 e 3), afirma que alugara um navio para enfrentar os mares sem saída (“pathless seas”) do Ártico. Quer encontrar uma passagem, como aventureiro. Já no mar, relata que seu navio ficou preso no gelo (Carta 4). Lá, vê passar, distante de qualquer povoado, sobre o gelo, um estranho ser “de estatura gigantesca” num carro baixo puxado por um trenó atrelado a cães. Claro, trata-se do monstro Frankenstein.[6] Duas horas depois, surge outro viajante – o pai – num transporte semelhante, em que só um cão sobrevivera – mas sobre um fragmento de gelo que se despregara e flutuava no mar. Walton e sua tripulação o recolhem, e ele, combalido, nos dias que se seguem, passa a relatar sua infeliz história ao capitão Robert Walton durante o dia, que este anota, à noite.

Aqui temos de notar quatro aspectos relativos à verossimilhança, que não é muito importante para o Romantismo. Inicialmente (ver nota 2) é estranho uma família de sobrenome de origem alemã estar vinculada à ligada à Itália, no livro. Em seguida, notamos a quase impossibilidade de uma obra tão ampla, em três volumes, ouvida durante o dia pelo capitão e anotada apenas à noite por este, ficar completa em tão curto espaço de tempo. Esse processo, na realidade, levaria meses, talvez mais de um ano. Principalmente se considerarmos os pormenores da narração, comentários sobre todo tipo de assunto, e assim por diante. Portanto, não há preocupação da autora com esse aspecto inverossímil – o que mostra a distância existente entre o Romantismo e a precisão científica.

O terceiro aspecto já diz respeito à preocupação da escritora com a verossimilhança, uma vez que lança mão do subterfúgio da literatura epistolar, muito usada no século XVIII, a qual permite relatar uma história através de outra personagem. É o caso, já que o protagonista do romance, Dr. Frankenstein, termina por falecer a bordo, e não poderia terminar de relatar sua história em primeira pessoa. Mas o capitão a continua, pois surpreende o filho Frankenstein, que penetrara no navio, chorando diante do leito do pai. Depois este salta no mar e foge, voltando a apresentar perigo para a humanidade.

O quarto e último aspecto ligado à verossimilhança dessa primeira parte do livro é, portanto, além do uso da literatura epistolar, o emprego da myse em abîme –  ou narrativa em abismo, uma história dentro de outra história, de forma simular ao que ocorre no desdobramento de um sistema dentro de outro, como nos “teoremas da incompletude”, de Kurt Gödel (1931) e nos “paradigmas”, de Thomas Kuhn (1962). Estes servem de modelos para a comunidade científica, ou seja, uma linguagem que remete a outra, que a sustenta, um paradigma ou conjunto de crenças. A myse en abîme apresenta, assim, uma história de um personagem de uma nova história, relatada em flashback pelo capitão Robert Walton, em primeira pessoa, em suas cartas à irmã, uma vez que ele reproduz os relatos ouvidos do Dr. Victor Frankenstein. Há vários desdobramentos aí, porque, a essa altura, Mary Shelley mostra nova concessão à verossimilhança, quando afirma que o livro talvez não seja acreditado, pois o capitão Walton já podia estar enlouquecido em sua interminável viagem quando escreveu suas cartas sobre a vida do Dr. Frankenstein e seu filho. Eis um tema dileto ao Romantismo, a loucura, que permite fugir aos parâmetros do realismo denotativo.

O romance Frankenstein teve uma primeira edição, anônima, em 1º de janeiro de 1818, logrando uma venda de 100.000 exemplares! Obteve imenso sucesso de público, apesar de má recepção por parte da crítica. Já a segunda edição, de 1823, teve poucas correções, todas gramaticais, e saiu com seu nome, após a morte do marido, em 1822. Foi grande a sua luta para publicar a obra em seu próprio nome, com a ajuda jurídica de seu pai, pois todos acreditavam que o autor era o famoso poeta Percy Bysshe Shelley, seu marido. E seus romances posteriores não fizeram sucesso. A publicação sob pseudônimo ou de forma anônima foi um recurso amplamente usado pelas escritoras do século XIX, como George Sand – Amandine-Aurore-Lucile Dupin – ou Maria Firmina dos Reis, no Brasil – para escapar ao preconceito da crítica exercida por homens contra a produção literária de mulheres.

Já na terceira edição, de 1831, Mary Godwin Shelley explica a gênese do livro, numa longa introdução. O romance foi, inicialmente, um “conto de fantasmas”, num desafio proposto por Byron, para ocupar seus hóspedes, em seu castelo de Genebra, na Suíça. Em 1816, Mary Shelley se evadiu da Inglaterra com Shelley, então um homem casado, e ambos se hospedaram no castelo de Byron. Depois se juntou a eles John William Polidori, médico de Shelley. Ela transformou seu conto num romance. Posteriormente, John Polidori (1795-1821) publicou O Vampiro (The Vampyre, 1819), primeira aparição da famosa personagem na literatura de terror.

Frankenstein pertence à literatura gótica ou de terror, iniciada por Ann Radcliffe, com o seu romance Os mistérios de Udolfo (The Mysteries of Udolpho, 1794). Este lança o gênero de terror como forma metafórica de expressão dos sentimentos vitimizados recalcados das mulheres, que viviam à sombra na sociedade patriarcal, dominadas, até pelo medo, por pais e maridos ou familiares. Contos de donzelas presas na torre são antigos, e podiam ser metafóricos ou referenciais. Tais situações não cessaram, no entanto, como mostra a obra The Madwoman in the Attic. The Woman Writer in the 19th Century Literary Imagination (1979), de Sandra Gilbert e Susan Gubar. Ali, apresenta-se uma vasta pesquisa de diários, depoimentos e obras pouco lidas de mulheres ignoradas pela literatura canônica, que representam um verdadeiro catálogo de terror, constando de situações psicóticas, ou de encarceramentos, reais ou imaginários.

Segundo a feminista Ellen Moers (1976), Mary Shelley representou, na personagem Frankenstein, o aborto que sofreu, assim como a culpa por ter provocado, indiretamente, o suicídio da mulher de Percy Bysshe Shelley, grávida, quando ela fugiu com o marido dela. Só depois os dois se casaram. Os horrores por que passa o Dr. Frankenstein materializam seus próprios sentimentos vividos na sua vida.

A mimese

O Romantismo foi pioneiro, na modernidade, em propor mundos inverossímeis, sem se preocupar com a impossibilidade de os fatos descritos ocorrerem no mundo real. Os autores criavam paradigmas imaginários (Holub). As formas de representação do mundo na literatura são definidos por Luiz Costa Lima em Mímesis e modernidade (1980, p. 171), como podendo ser de primeiro ou de segundo grau quanto a seu afastamento do mundo real. Na mimese de segundo grau, ou de produção, a desvinculação é bem maior, como na poesia de Mallarmé, que apresenta uma criação linguística autônoma em relação ao real exterior. Ela não pretende espelhar o real, como queria Gyorgy Lukács, para quem a literatura deveria ser didática e revolucionária e refletir o real (ver Mímesis, in Estética, v. 2, 1963).

Já na mimese de primeiro grau, ou da representação, como se dá no Frankenstein, a autora inseriu alguns aspectos de verossimilhança, buscando unir certos aspectos do enredo à referencialidade real e adequar sua história à realidade. Mesmo assim, o leitor de Mary Shelley tem de acreditar que é possível Frankenstein filho viajar da Alemanha para a Inglaterra e a Escócia por vários meios de transporte, em poucos dias. sem chamar a atenção, levando-se em conta o seu físico grotesco. Ao fim, atinge com a mesma facilidade as ilhas Orkney (Órcades). E sobrevive por meses viajando pelo Ártico. Perguntar se a existência da personagem Frankenstein e de suas ações são críveis ou possíveis no real significaria inviabilizar a leitura da obra. Mas por que o leitor não o questiona? Por que lemos o livro inteiro sem nos perguntarmos como esse universo narrativo pode ser possível, sem que isso nos atrapalhe a leitura? Exatamente porque acreditamos na veracidade das regras internas da obra, que criam seu universo próprio, ou seja, seu próprio paradigma.

No Romantismo, ocorre o que Samuel Taylor Coleridge denominou “uma suspensão temporária da descrença” (a temporary suspension of disbelief. Ver Luiza Lobo, 1987, p. 201). Essa atitude implica em nos deixarmos levar pela imaginação, ao lermos uma obra romântica, a ponto de não a compararmos com o nosso universo de conhecimento cotidiano, no mundo real exterior. Deixamo-nos levar, assim, sem espírito crítico, na criação imaginária como numa espécie de universo paralelo.

Efetivamente, cria-se um pacto entre autor e leitor, durante todo o período da leitura, conforme o define Philippe Lejeune em O pacto autobiográfico (Le pacte autobiographique, 1975), e que é fundamental na literatura. Durante a leitura, não ocorre a quebra da “suspensão temporária da descrença”, na definição de imaginação romântica de Coleridge.

Na década de 1920, o fluxo da consciência (stream of consciousness) surge como técnica literária praticado por James Joyce, Katherine Mansfield e Virginia Woolf, a partir de uma obra de Édouard Dujardin, no final do século XIX. Essa técnica empresta realidade ao pensamento, ao retratá-lo como se ele tivesse realidade psicológica, numa linguagem relativamente liberta da sintaxe do discurso racional e organizado. Ele vai além do monólogo interior de Proust e Flaubert, que tem enunciado lógico. A técnica do fluxo da consciência, ao contrário, deriva da noção de espaço-tempo da Física de Einstein, e se escreve do ponto de vista do pensamento de cada personagem, dando-lhe uma estrutura tão real quanto a do mundo exterior. Assim, o pensamento cria seus próprios parâmetros, ganha uma “realidade” própria, segundo a interpretação de cada personagem, de forma autônoma ao real externo a ela. Nesse tipo de técnica literária experimental, pressupõe-se a equiparação do universo psicológico, imaginário, do “mundo possível”, com o universo real. E ele tem suas bases no Romantismo e no Impressionismo do século XIX.

No conto “O jardim dos caminhos que se bifurcam” (El jardín de los senderos que se bifurcan, 1944), Jorge Luís Borges desdobra a personagem em duas, com base na teoria da relatividade de Albert Einstein, quando este propõe uma quarta dimensão para além da geometria euclidiana tridimensional que existe na Terra. Um homem caminha ao mesmo tempo em duas aleias do jardim, e persegue a um outro, vendo-o de um ângulo esdrúxulo, como se flutuasse. Os dois homens se cruzam pelo ar, em dimensões distintas, suspensos, no mesmo jardim. O primeiro deles está armado com um revólver, e avista o outro numa segunda aleia. Persegue-o, atira e o mata. Contudo, na verdade mata a si mesmo, pois o outro era a projeção dele próprio numa outra dimensão ou realidade virtual. Borges apenas concretizou no enredo a teoria da relatividade de Einstein, trazendo-a para o plano cotidiano da geometria euclidiana.

Estrutura semelhante, de criação de um mundo autônomo e paralelo ao real, é adotada, também, por Julio Cortázar no conto “O Perseguidor” (El Perseguidor, 1959), no qual um homem da plateia se sente perseguido pelo músico de jazz, e este acaba descendo do palco e correndo atrás dele pelas escuras ruas noturnas de uma cidade qualquer. Tal enredo tem forma aleatória, sem lógica, como no Surrealismo, ou na literatura do Absurdo. Mas o fato é que a literatura aqui cria seus próprios parâmetros de um universo imaginário.

As possibilidades abertas pela proposição do axioma de Gödel foram conhecidas pelo argentino Jorge Luís Borges no conto “Do rigor da ciência” (Del rigor de la ciência, 1946). Borges cria um simulacro do axioma, ao desdobrar, indefinidamente, mais e mais mapas, inicialmente de uma província, onde se inserem cidades, bairros, até se estender por todo o país, num mapa cada vez maior, monstruoso. Cada mapa construído inclui o anterior, para ficar cada vez mais perfeito, e assim sucessivamente. Aos poucos, começa a ocupar todo o país, e com o tempo se transforma em farrapos e trapos abandonados, pisoteados pelos cidadãos, sem nem mais se darem conta disso. O conto funciona como uma metáfora negativa, avant la lettre, do “Google maps”, em que só temos acesso a um trechinho de cada vez – senão a totalidade do mapa ocuparia toda a memória de todos os computadores, e seria impossível visualizá-lo ou imprimi-lo.

O mesmo axioma rege a escrita do  conto “A biblioteca de Babel” (1944), de Borges. Nesta narrativa, uma bibliografia tem como objetivo organizar um catálogo o mais completo possível. Portanto, para ser perfeito, cada catálogo precisaria incluir a si mesmo, e assim indefinidamente. Mas é impossível criar qualquer sistema, qualquer universo, totalmente completo, como afirma Gödel, na sua proposição dos teoremas da incompletude. Nas palavras de Wagner Lannes:

Este trecho pode ser visto como um desdobramento do Teorema de Gödel, aludido pela presença nas prateleiras da biblioteca da demonstração da falácia do catálogo verdadeiro. O personagem acredita na totalidade da biblioteca e não percebe a impossibilidade desta totalidade ao contar a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro na sua prateleira. Seguimos com a apreciação e, da narrativa de Borges, emerge um exemplo do comportamento humano culturalmente herdado da matemática “pré-Gödel”. Quando se proclamou que a biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se proprietários de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloquente solução não existisse: nalgum hexágono (ver Borges, “A biblioteca de Babel”, 1995, p. 88).[7]

O pressuposto, nesse tipo de literatura filosófica de Borges, é o questionamento do real não pela comparação com o mundo externo, mas pela criação de mundos com parâmetros próprios, no plano da imaginação ou da virtualidade. Também a ficção científica lida todo o tempo com esse tipo de invenção, uma vez que relata viagens espaciais irrealizáveis a partir de questões científicas.

O axioma de Gödel já estava intuitivamente presente nos paradoxos atribuídos a Zenão de Eleia, na Grécia Antiga. Aquiles jamais venceria a tartaruga numa corrida – uma vez que a distância a ser percorrida até o marco final pode ser, hipoteticamente, dividido em infinitos espaços, indefinidamente. Assim, Aquiles jamais sairia do lugar. Pelo mesmo raciocínio, a flecha jamais atingirá o alvo. Essas especulações mostram dimensões invisíveis mas possíveis, do ponto de vista da lógica matemática e filosófica, e que vão contra o bom senso da vida prática. Mas elas aparecem na literatura, como a antimatéria ou os mundos paralelos, pois, ao contrário da ciência, independem da exigência de comprovação.  É o que ocorre no Frankenstein, de Mary Shelley.

Como afirma o axioma de Gödel, é impossível completar a compreensão de um conjunto matemático ou do universo, pois sempre haverá algo que se desdobrará nele, provocando a criação de um novo sistema, indefinidamente. Raciocínio semelhante rege a escrita do conto “As ruínas circulares” (Las ruinas circulares, 1940, in Ficciones, 1944), de Borges. Nela, um ser semelhante a um deus dorme à beira de um rio, sonhando com a criação da humanidade. É ambíguo se este ser ou deus já criou o homem, e agora está sonhando; se ele é realmente um deus; ou se o mundo se reduz a isso: um deus nos sonhando – caso em que nós, humanos, não teríamos realidade concreta, apenas onírica.

Podemos recordar aqui a antológica cena do filme Sonhos (Yume, 1990), de Akira Kurosawa, no Quinto Sonho, intitulado “Corvos”. Um estudante de arte, que está num museu observando os quadros de van Gogh, repentinamente entra no último quadro que este pintou,  Campo de trigo e corvos. Lá dentro, van Gogh lhe pergunta o que está fazendo ali, em lugar de estar pintando aquele o cenário, tão bonito. Toda a cena é acompanhada da segunda parte do Prelúdio em dó sustenido menor, op. 28, número 15, de Frédéric Chopin. Essa cena é hiper-realista, pois dilui as fronteiras entre o real e o onírico. Há nela várias camadas de mimese: um filme (1), no qual há um quadro (2); a personagem sai do museu para dentro do quadro (3); o pintor ganha vida (4); ambos são observados pelo público do filme (5). Aqui a mimese é realmente de segundo grau, bem mais complexa do que o Livro VII, da Alegoria da Caverna, no diálogo República, de Platão ou no Frankenstein, de Mary Shelley. Esse tipo de mimese de segundo grau (ver Costa Lima) ocorre desde o Simbolismo, com Mallarmé, se intensifica no Surrealismo, e mais ainda no pós-moderno, nas décadas de 1950-1970, com o uso do hiper-realismo ou realidade virtual. Esta passa então a ser equiparada ao universo exterior, sem se estabelecerem diferenciações ou fronteiras.[8]

Também em A rosa púrpura do Cairo (1985), Woody Allen propõe, sob a forma de pastiche, uma cena em que o próprio ator e diretor sai da tela do filme para o “cinema”. Mas ele entra num desdobramento da primeira realidade, pois continuou dentro do filme, evidentemente. São exemplos de universos autônomos e intertextuais entre cinema e arte que conversam entre si, como nos desdobramentos dos universos, da teoria de Gödel.

Na mimese de produção há diversos níveis de sentidos sobrepostos, segundo Luís Costa Lima (Mímesis e modernidade, 1980, p. 171). Ela não se reduz ao conceito de “mimese” ou imitação, uma simples representação da realidade, como foi interpretada pela arte e a Igreja, na Idade Média. Para entendermos a relação entre literatura e ciência e como a obra Frankenstein unifica essa dualidade de realidade e ficção, criando seu universo próprio, precisamos recorrer à noção de mimese exposta por Costa Lima. Ele nos mostra que o conceito de mimese grego foi corrompido na Idade Média, pela Igreja Católica, ao reduzi-lo à ideia de representação. Tal movimento continua presente em muitas religiões, como no Islã, onde, até agora, é proibido representar-se a figura humana, pois isso constituiria um atentado à superioridade do Criador, igualando-se o artista com este (mas aparece no cinema!). É como na alegoria da caverna. Platão afirma que os homens vivem encerrados na sombra, dentro de uma caverna. Na dialética platônica (que nada tem a ver com a de Hegel), eles acendem uma fogueira, e assim aos poucos percebem as sombras, tomando-as pela realidade. Depois se voltam para a entrada da caverna e a luz do sol, mas essa ainda não é a verdadeira realidade. Pois, para Platão, a verdade está no mundo das ideias, do demiurgo, e tudo que há no mundo é imitação daquelas formas puras (mimese). A verdadeira aletheia, ou conhecimento puro, só pode ser alcançado, para Platão, pelos matemáticos, que entenderão que tudo que nos cerca, no dia a dia, é mera ilusão e uma sombra ou cópia do verdadeiro mundo, o das ideias, divino.

Platão retoma o tema da mimeses no Livro X da República, quando, estranhamente, para um autor de sua magnitude, expulsa o poeta da cidade (a pólis é uma cidade-Estado, então). Ele o faz demonstrando que tudo que há no mundo é a representação do mundo ideal do demiurgo. Portanto, quando o poeta decide escrever representando ideias de sua imaginação, ele vai contra o permitido, pois se coloca como um deus criador. É uma mimese de segundo grau, em termos de distanciamento do real (não no sentido de Costa Lima). Neste caso, a palavra imita um objeto, que já é a imitação do mundo das ideias. Essas ideias se prolongam em Santo Agostinho e permeiam a Idade Média, quando a representação da figura humana era condenada na pintura. Por isso, os seres humanos eram pintados de forma deformada (em parte pela falta de técnica, que será desenvolvida no Renascimento, em parte por imposição da Igreja, que não permitia a cópia do ser humano, por ser este uma criação divina).

Essa ideia de pureza do sentido do universo, que só seria atingida pelo filósofo e mais ainda pelo matemático, conforme Platão, no diálogo República, permanece na sociedade europeia medieval, embora Platão só tenha sido conhecido na Europa no Renascimento, por meio das traduções do árabe por Averróes e Avicena. Mas a noção de obediência cega a Deus permanecia, e durante toda a Idade Média a Igreja proibiu a cópia exata das imagens e dos seres humanos na pintura.

Já no chamado “Realismo mágico”, o texto ganha “realidade” própria, como na trágica novela Pedro Páramo (1955), do mexicano Juan Rulfo. Os diálogos se passam num cemitério, que é erigido em mundo autônomo, onde os mortos conversam entre si, desde suas tumbas. Conversa na Catedral (Conversación en la Catedral, 1969), do peruano Mario Vargas Llosa e principalmente Cem anos de solidão (Cién años de solitud, 1967), de Gabriel García Márquez, nas décadas de 1960-1970, propuseram um mundo totalmente imaginário, com grande distanciamento da verossimilhança externa, buscando criar a ilusão realista desse mundo fechado em si. Através da magia, as propostas desses livros passaram a ser “o real”.

É inevitável compararmos esse tipo de autonomia mimética com a literatura pós-moderna, com Paul Auster, Salman Rushdie, Peter Roth, John Barth ou Ian McEwan. Todos têm uma dívida imensa não só com o Surrealismo, mas com as teorias da Física, como no caso de Jorge Luís Borges, e as propostas do Realismo mágico sul-americano.

Na década de 1970, esse traço autônomo da literatura romântica foi levado ao extremo, na “condição pós-moderna” (Jean-François Lyotard, 1979), momento literário em que se enfatiza a hiper-realidade, mostrando enredos regidos por virtualidades que substituem totalmente o paralelismo com a realidade exterior. Por exemplo, em A invenção da solidão (The Invention of Solitude, 1980-1981, pub. 1982), terceiro conto da Trilogia de Nova York (New York Trilogy, 1985), intitulado “O quarto fechado” (The Locked Room, 1986), Paul Auster escreve uma autobiografia em que as memórias ligadas ao pai se transformam numa história de crime e anti-heroísmo. Aqui, o leitor tem de aceitar a veracidade do mundo apresentado. Fanshawe abandona a mulher e o filho pequeno, e desaparece para sempre. Deixa apenas os manuscritos para trás. Ao final do livro, está vivo, mas sempre trancado num quarto. Como consegue trocar de identidade, nos Estados Unidos, como sobrevive financeiramente e como conseguiu comprar uma casa? Essas perguntas sobre o mundo real não interessam à criação do escritor. Todo o conto, em primeira pessoa, circula em torno da questão do duplo. O narrador, que é um escritor frustrado, inúmeras vezes se queixa de que Fanshawe “desaparece” dentro dele, ou que este “derrete” dentro de si. A situação se assemelha ao conto “William Wilson” (1839), de Edgar Allan Poe. Há dois amigos de infância com o mesmo nome, nascidos no mesmo dia, mês e ano e que frequentam a mesma escola primária. que ele (“William Wilson”, 1839). Em Auster, toda a vida do narrador se resume a editar e publicar os livros do sumido Fanshawe. Casa-se com a mulher dele, adota seu filho, e até ama a sogra de Fanshawele – num traço um tanto parodístico, pois ela já é uma senhora, e isso parece ser uma tentativa de recapturar sua infância com o amigo.

Essas histórias pós-modernas são urdidas numa espécie de redoma ou mundo paralelo, absurdo, que se multiplica em novos aspectos do enredo, como ocorre no axioma de Gödel (1931). Também A ópera flutuante (The Floating Opera, 1956; revisto 1967), de John Barth, um autor que se diz influenciado por Machado de Assis, depois de tê-lo estudado no seu curso de Letras, nos Estados Unidos, há uma cena num hotel em que um quadro representando uma paisagem de um barco na praia substitui uma janela para a praia real. Assim, a representação se sobrepõe à realidade.

A substituição da realidade pela ilusão é um pressuposto para a leitura da novela A morte de D.J. em Paris (1975), de Roberto Drummond. Só ao final o autor dá a perceber que se trata de uma “viagem” onírica ou por drogas da personagem, que está encerrada no seu quarto, olhando um pôster de Paris. O mesmo recurso ilusório, do sonho ou da loucura sustenta as obras mais conhecidas de Heloísa Maranhão, com Lucrécia (1979), Dona Leonor Teles (1985) e A rainha de Navarra (1986), em que as personagens vivem num mundo fantasioso, supondo-se personagens famosas, e até rainhas. No último destes, a personagem está vestida de “rainha da escola de samba” e supõe estar sendo transportada não numa ambulância para um hospício, mas numa carruagem, para um castelo. Criar um mundo visionário através de uma representação mimética de primeiro grau, como simulacro do mundo real, e depois romper o pacto, é muito comum na literatura. Mas Mary Shelley em nenhum ponto da narrativa rompe o pacto de credibilidade e da verossimilhança. Ao contrário, sendo uma história de terror, insinua que Frankenstein continua à solta para assassinar as suas vítimas.

Industrialização, evasão romântica e Psicanálise

A industrialização, que se iniciou no século XVIII, na Inglaterra, implicou a devastação das florestas para a produção de carvão, para acionar máquinas de trens e de fábricas. Faíscas dos trens também queimavam as florestas. Havia uma nostalgia da natureza, que era rapidamente destruída pelo progresso industrial. O fenômeno do progresso industrial levou à fuga da geração dos Poetas do Lago ingleses (oriundos do Lake District, de Cumberland e Westmoreland). Dela faziam parte lorde Byron, Percy Bysshe Shelley e Mary Shelley, além de Wordsworth, Coleridge, Wordsworth e Southey, que se instalaram na Suíça, em busca de ambientes puros e livres da industrialização inglesa.

O poeta romântico Wordsworth mostrou sua nostalgia e vontade de fuga nos poemas de “A Excursão” (The Excursion, 1814), como parte do poema maior “O Recluso, um poema” (The Recluse, a Poem, 1880), e “O Prelúdio” (The Prelude, 1798). Neles, a cidade é vista como um inferno, a corrupção, e o campo como o paraíso.

Ao contrário do Romantismo, a maioria dos escritores realistas do século XIX se preocupou em justificar a criação de seu universo imaginário, apresentando a descrição de fatos e pormenores para acentuar a verossimilhança em relação ao mundo real. O autor realista Charles Dickens (1812-1870), por exemplo, sempre incluiu na narrativa descrições de locais e situações cotidianas, com perfeita noção do tempo cronológico, de forma a simular, da forma mais exata possível, o que ocorre no cotidiano. Em seus romances oitocentistas, a narração (invenção) se torna escrava do narrado (significado) e o autor pressupõe uma fronteira entre os fatos da realidade e a imaginação da ficção, que deve ser escrita em função da realidade.

O Realismo se contrapõe, portanto, ao Romantismo, que usa de mais liberdade para criar personagens e situações inusitadas. A obra de Mary Shelley chegou a receber algumas análises sob o ângulo da ficção científica, numa tese um tanto forçada, pois ela não entra nos pormenores científicos da fabricação do monstro. Os vários filmes baseados no livro Frankenstein sempre tiveram a preocupação de fornecer uma explicação científica para a criação do monstro – uma vez que o cinema lida com imagens concretas, portanto necessariamente mais realistas que os signos literários, que são abstratos. Assim, o roubo de restos mortais no cemitério ou a montagem de um laboratório com várias máquinas, ou a colocação de parafusos na testa do monstro surgem como formas rudimentares de darem verossimilhança a algo que era inexplicável. Muitos filmes e livros foram realizados a partir de Frankenstein, e sempre enfatizaram o tétrico, com atos concretos, como o roubo noturno de cadáveres no cemitério, ou a forma como foi criado o monstro, com acréscimo de detalhes mecânicos. O Romantismo, ao contrário, pressupunha que a “irrealidade” do mundo imaginário era tão real quanto a que vivemos no mundo exterior.

Em 1866, Lewis Carroll publica Alice no País das Maravilhas. A personagem vive uma história fantasiosa, imaginativa, autônoma, num mundo que só se sustenta pela verossimilhança interna. Contudo, ao fim do livro, Carroll faz Alice acordar de um sonho e retornar ao mundo real. Mostra, assim, que valoriza a verossimilhança ou ligação com a realidade. A ilusão se desfaz, retornando-se ao cotidiano realista, e rompe-se o sonho, o universo de imaginação.

O recurso de criar universos imaginários e paralelos, como os de Mary Shelley e de Lewis Carroll – para não mencionar a poesia, em especial o Paraíso perdido, de Milton, que o monstro lê durante o seu aprendizado – está presente também no pré-romântico Xavier de Maistre, em Viagem ao redor do meu quarto (Voyage autour de ma chambre, 1794), de forma bastante pioneira para seu tempo. Todo o livro se reduz aos pensamentos delirantes e as experiências passadas no pensamento da personagem autobiográfica, um oficial do exército da Itália, que permanece 42 dias trancada num quarto, em prisão domiciliar, determinada pelo Exército. A noção de sujeito e de imaginação eram bastante recentes em literatura, graças à liberdade individual adquirida através das conquistas do Enciclopedismo e da recente Revolução Francesa.

Machado de Assis, leitor de Xavier de Maistre, é um clássico do Realismo, no Brasil. Seu primoroso conto “A chinela turca” (1875) se volta para Duarte, que tem um sonho cheio de peripécias rocambolescas e exóticas, numa viagem em busca de uma chinela turca. No entanto, o escritor também rompe o encanto ao mostrar que tudo não passa de um sonho que acomete Duarte, cansado pela interminável leitura que lhe faz uma visita que o impede de sair para um baile. Ele acorda na própria sala, formalmente vestido para uma recepção, pois adormecera no sofá, enquanto a visita inesperada lê seu manuscrito de mais de cem páginas.

Em outro conto de Machado, “Noite de almirante” (1884), abundam as fantasias de que a personagem, um simples marinheiro, se gaba, viajando em terras distantes, que ninguém poderia comprovar. Em Machado, até as metáforas criadas se inserem no Realismo, como se dá em Dom Casmurro, seu livro mais psicológico, em que a metáfora “os olhos de ressaca” de Capitu não levam ao rompimento com o espaço real do enredo – ao contrário de Lewis Carroll, com sua lebre louca e o chá das cinco, uma menina que muda de tamanho, um gato falante, um político que é um ovo, chamado Humpty Dumpty. e uma rainha que é uma carta de baralho. Portanto, não se encontra em Machado a criação de um universo fantasioso e por assim dizer autônomo, como lemos no Romantismo de Edgar Allan Poe, por exemplo, no conto citado. Neste, todo o enredo se desenvolve a partir dessa premissa absurda – num prenúncio da literatura surrealista e, também, policial ou de detetive, que Poe e Maupassant criaram em 1850[9] – e o leitor é convidado a entrar nesse mundo fantástico. Com tintas psicológicas, antecipando a Psicanálise, o inglês Robert Louis Stevenson cria a novela Dr. Jekyll e Mr. Hyde (1886), que marcou época. Novamente, a maldade e a bondade se alternam, com resultados nefastos, na trama. Mas o leitor imerge na narrativa, sem se perguntar se todo esse universo narrado é real ou se é produto da invenção do narrador. Edgar Allan Poe, com “O gato preto”, “Os crimes da rua Morgue”, “O poço e o pêndulo”, “O barril de Amontilhado”, e tantos contos de terror, ao lado de Guy de Maupassant, com suas primeiras histórias detetivescas, no Romantismo, sempre tiveram grande cuidado com a verossimilhança, pois histórias de detetive apontam para crimes reais, não imaginários.

Um recurso muito utilizado, que vemos em Bram Stoker no seu Drácula (1897), é usar a literatura epistolar. O fato de o estilo epistolar ser descritivo aumenta a verossimilhança. O apoio concreto de um texto, a carta, serve de testemunho e confirmação da existência do missivista para tudo que afirma o narrador, por mais absurdo que seja, como ocorre no Frankenstein. À medida que a personagem masculina do enfrentador de vampiros ou de um morto-vivo que dorme num caixão e desfila em castelos arrepiantes têm sua existência referendada por um narrador que escreve cartas, deixa-se de duvidar do enredo e de sua saúde mental, preservando uma obediência de primeiro grau à realidade exterior. Neste caso, se o leitor não quiser “acreditar” na existência de um drácula ou de um monstro criado de partes de cadáver, poderá interpretar que a personagem enlouqueceu. Criam-se, assim, dois paradigmas, um em que o sistema é crível pela suspensão do juízo (Coleridge) e outro em que o sistema é dado por impossível, no plano do real, mas com a desculpa da loucura da personagem e/ou do narrador, e o leitor dará crédito à narrativa.

Ao final da obra, quando o cientista é socorrido pelo capitão Robert Walton, em seu navio, Mary Shelley preocupou-se com o eixo da verossimilhança, pois seria realmente incrível que a narrativa pudesse continuar, como até ali, em primeira pessoa do singular, após a morte do primeiro narrador. Portanto, mesmo nesses universos inventados, há de haver, senão uma verossimilhança externa, ao menos uma verossimilhança interna à obra, uma coerência nas regras de criação – exceto na literatura do absurdo, no Surrealismo, ou nos contos de fadas e fábulas – representada em Shelley pela escrita das cartas por uma outra personagem, o capitão do navio.

Assim, Shelley apela à literatura epistolar, recurso muito utilizado nos séculos XVIII e XIX, que também será utilizado por Bram Stoker no seu Drácula. É que, sendo a literatura epistolar descritiva, próxima ao diário, portanto denotativa, ela aumenta a noção de verossimilhança.

O duplo como base do terror

Em Mary Shelley, o duplo, do tipo o “médico e o monstro”, de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, está representado na figura do cientista, que se vê incarnado na sua “criação”, condenada por Deus. Esse “demônio” incarna tudo o que a Ciência encerra de ameaçador e interdito do ponto de vista ético, e funciona como uma grande metáfora do conflito arte e fé versus ciência e racionalidade, tão atual no mundo pós-moderno em que vivemos. No primeiro Romantismo, mais lírico e subjetivista, a que pertence Mary Shelley, as ideias psicológicas ainda eram muito intuitivas, pois nem Freud nem Charcot tinham ainda publicado suas teorias sobre a psique humana. Mary Shelly rompe com as barreiras entre real e virtual, criando um mundo com suas formas absurdas e autônomas, sem se preocupar com a impossibilidade da existência do monstro no mundo real. Ao final, ele atravessa o norte da Rússia, rumo ao Ártico, de trenó. No seu encalço, seu criador, o cientista, um simples ser humano, também anda de trenó pelo gelo, guiado por cães – o que seria impossível em nosso mundo real, pois seria impossível para ambos sobreviverem nessas condições. Na parte final da narrativa, não é o monstro que persegue os humanos para matá-los, mas seu pai, o cientista, que o persegue para exterminá-lo, dado o perigo que apresenta para a humanidade.

A problemática do duplo já foi muito utilizada na literatura do passado, como, por exemplo, na temática da troca do príncipe rico por seu irmão pobre, o rei e o mendigo, e noutras situações dramáticas, no teatro, através de disfarces, em que uma personagem se passa por outra. Na própria Mary Shelley, o monstro é um duplo do Dr. Frankenstein, já que se desdobra dele, embora sem receber seu nome.

Antecipando os estudos sistemáticos em Psicanálise, o medo, que é próprio do inconsciente, projeta para fora seus sentimentos mórbidos e maus, criando um duplo, que passa a encarnar, de forma concreta, aquele mal inaceitável e recalcado no eu. Ao se incarnar na instância do ego e da realidade, liberta-se o id, ou inconsciente da personagem principal. No Romantismo gótico, fica claro que as fronteiras entre a imaginação e a realidade física são tênues.

As fronteiras

A literatura romântica tem muito mais liberdade de criar parâmetros autônomos, ou o que Thomas Kuhn, em 1962, denominou paradigma. Kuhn afirma que novos sistemas,  padrões ou modelos sempre substituem os antigos. Essa noção se assemelha ao axioma de Gödel, que propõe universos desdobráveis, que vão criando mundos, praticamente realidades paralelas. Na literatura romântica, o enredo se constitui de fatos absolutamente inverossímeis. Mary Shelley aproveita a obra para lançar questões éticas, ligadas ao direito sobre a vida de outro ser, sobre formas de aceitação do outro, ou sobre questões humanistas ligadas à ciência. Seu universo de criação teve em Frankenstein um enredo inverossímil e fantasioso, que no entanto ela tornou crível e “real”, tal foi a força de sua imaginação.

Shelley mostra grande interesse pelo aspecto de aprendizagem do ser por parte de Frankenstein, em como ele aprende, aos poucos, a se comunicar, a falar e a ler – numa visão de verossimilhança em relação ao mundo exterior de alguém que, sendo mulher, queria ser mãe, se não tivesse sofrido um aborto. Sua obra não se reduz a um enredo de terror, que já era abundante na Inglaterra de então. Na sua concepção romântica, encontramos a noção de permeabilidade entre o real vivido por ela e o fictício que ela criou (ver Ellen Moers). Eles se misturam num mundo híbrido que vai além do simplesmente psicológico. Real e imaginário, pessoa real ou androide, clone ou vítima de um experimento científico – essas fronteiras com a ciência se misturam, na obra, que introduz o universo ético, feminino, sobre a concepção do ser humano.

Na poesia pré-romântica de Thomson, no século XVIII, ou no romance gótico, passado em castelos em ruínas, habitados por fantasmas, como em The Monk (O Monge, 1796), de Matthew Gregory Lewis, ou em Os mistérios de Udolfo (1794), de Ann Radcliffe, assim como no pré-Romantismo alemão, com o Fausto (1803), de Goethe – principalmente na sua primeira parte, com a noite das bruxas, a Walpurgisnacht –, as cenas de terror retornam ao medievo. O Dr. Frankenstein chega à descoberta do segredo da vida estudando Paracelso e outros autores esotéricos e alquimistas medievais, contra a vontade dos professores de Ingolstadt, na Alemanha. Nesse ponto, o livro de Mary Shelley levanta a questão da dicotomia entre ciência e crença.

O grupo dos “Modernos”, no Romantismo, efetuou um retorno à Idade Média e a valores da mitologia local, como a germânica, à história medieval da Inglaterra e França, em detrimento do conservadorismo do grupo dos “Antigos”, que desejavam continuar presos à mitologia greco-latina, como André Chénier, com seus deuses da antiguidade: Apolo, Vulcano, Vênus, e a mitologia pagã de ninfas – náiades e dríades. Esse foi um conflito acalorado da época.

Em Frankenstein, há o mito enciclopedista e moderno do bom selvagem, tão bem aprendido por Mary Godwin (depois de casada Mary Shelley) com seu pai. O bom selvagem se corrompe no contato com a civilização. Frankenstein fora, incialmente, bondoso. Contudo, depois de ser sempre rejeitado, por sua aparência horripilante e quase assassinado, torna-se um assassino. No entanto, o móvel do mal é a negação do pai em lhe dar uma parceira, ou fêmea, com quem poderia procriar e multiplicar indefinidamente sua espécie. Isso é o que provoca a vingança do filho contra o pai, e seu empenho em persegui-lo para matá-lo, ao mesmo tempo em que o pai decide igualmente persegui-lo até o Ártico, para assassiná-lo.

São os pensadores pré-românticos do Enciclopedismo francês, como Rousseau, Diderot, ou Montesquieu, que propõem, talvez pela primeira vez, um sujeito da história que discute e expõe seus pontos de vista pessoais. Na Idade Média, não existia tal subjetividade. Os relatos eram externos, não subjetivos. E no pensamento grego clássico, como em Homero e na maioria das sagas antigas, todos os pensamentos humanos eram atribuídos aos deuses. Basta ver como os ataques na guerra, na Ilíada, eram ordenados por deuses que batalhavam entre si, controlando os combatentes do alto. A vida na Terra era dominada pela vontade divina.

Tudo isso permanece no pensamento metafísico, presente no transcendentalismo alemão, expresso por Kant, Schelling e Hegel. Principalmente Hegel explica a sociedade por poderes divinos, externos ao humano, que ele intitula espírito da história (Geistesgeschichte). Esse espírito conduziria a sociedade para adiante, num método dialético constituído por movimentos de afirmação, negação e síntese, a qual levaria a nova afirmação, formando nova tese.

O aspecto metafísico próprio do Romantismo expressa o desejo romântico do sobrenatural, do super-humano, do herói, expresso na posterior grandiosa ópera de Wagner, com sua música total, na invenção de personagens sobre-humanos, da mitologia escandinava moderna. Esses super-heróis pressupõem a ideia de um sublime que eleva o homem até Deus, como Victor Hugo discute no prefácio a sua peça Cromwell (“Do grotesco e do sublime”, 1828), aquilo que Vaclav Cerny chamou de “titanismo” ou desejo de superação e elevação transcendente e metafísica, acima do eu cotidiano. Este é o principal recurso do livro Frankenstein para se alçar acima da média dos enredos banais que conhecemos. O ser sem nome que acabamos chamando pelo nome do pai, Frankenstein, não é alguém de ações medíocres. No livro, tudo é grandioso, desmesurado e para além do real e do verossímil. Pura imaginação, pela impossibilidade de sobrevivência, quer do pai, quer do filho, senão na fantasia.

Walter Scott também enaltece a mitologia nacional, medieval e celta, com as lendas do rei Artur e seus cavaleiros da Távola Redonda, em seu Ivanhoe (1820). Esses valores nacionalistas da “cor local” europeia são idealizados e levam ao abandono da mitologia greco-latina, considerada uma cultura antiga, superada, desligada dos novos valores culturais da Europa moderna. Na sequência ao enaltecimento nacional europeu, surgiram os estudos delirantes de Wagner sobre as raças puras, a mitologia autêntica germânica. Mas, também, resultaram altos valores representados pela poesia ultrarromântica dos nobres revolucionários que apoiaram a Revolução Francesa, as revoluções de 1830 e de 1848, possibilitando a criação da república moderna, com o apoio de Vigny, Musset e Vítor Hugo.

Conclusão

A visão de Mary Shelley supõe a criação de um novo paradigma literário (Holub). O imaginário é o móvel desse enredo, sem preocupação com a demarcação de um eixo comparativo com o verossímil, aquilo que acreditamos em nossa vida cotidiana. É preciso aceitar o universo de Frankenstein como ele se apresenta para nós, ou então abandonar a leitura do livro. O mundo ficcional do livro de Mary Shelley se sustenta por si, tem coerência interna entre os capítulos.

O livro nos remete para uma grande questão metafísica – transcendental –, algo que está além da física ou do entendimento do vulgo –, ao colocar, implicitamente, o limite de poder de criação do ser humano: podemos nos igualar a Deus, criar pessoas, nos responsabilizarmos por sua ética e ações? No romance, a questão é hipotética, pois não havia qualquer possibilidade de se criar um clone, então. Mas, como em qualquer obra de arte importante, a questão permanece até hoje, quando já vislumbramos condições para fazê-lo.

Clones, cyborgs e robôs, que são a versão concreta, no plano real, dos autômatos e homens máquinas, tão apreciados desde o século XIX, como criados por Theodor A. W. Hoffmann (1776-1822), o grande inspirador de Edgar Allan Poe (1809-1849). É o que se dá no romance de Mary Shelley, no seu fascínio por um clone e seu papel de semideus que pode superar a morte, por mais que tenha inserido aqui e ali traços de verossimilhança em seu enredo imaginário. A criação mais aterrorizante da humanidade é a capacidade de criar seres, para o bem ou para o mal, e que agiriam por si (como na inteligência artificial). Remete para um “admirável mundo novo” (H. G. Wells), que poderia se voltar contra a própria humanidade e nos destruir, a nós, seus criadores. Tais novos paradigmas científicos, que, na obra de Shelley, apenas se esboçavam, representados por um ser disforme e animalesco, um aborto, hoje se encaminha para o possível da ciência.

Evidentemente, a resposta de Mary Shelley, em seu tempo, foi condenar a criação de um ser humano por Victor Frankenstein, pois ninguém pode se equiparar a Deus. Mas hoje, o dilema religioso seria visto apenas como a proibição de utilizar embriões humanos, na ciência. Problema que logo seria superado, com novos métodos científicos. A questão da natureza, primordial no Romantismo e para os Poetas do Lago, agora se coloca no plano concreto da ciência, da cultura e suas leis.

Frankenstein, além de herói das histórias em quadrinhos e protótipo do super-homem, também antecipa uma personagem do futuro, da ficção científica, capaz de deslocar-se à velocidade do pensamento, sem ser visto por ninguém, povoando um mundo digital e presente (real).

A autora deixa a história no momento em que o cientista morre a bordo do navio do capitão Walton, o qual surpreende o filho, a “criatura” grotesca, que penetrou no navio, chorando pelo pai, de forma humanizada e bondosa. Em seguida, o monstro foge pelo Polo Norte, sem que se desmanchem as ilusões e situações inusitadas do livro, e deixando pairar a dúvida sobre a veracidade das cartas do capitão, já que este poderia estar louco, preso nas geleiras do Polo Norte, devido ao frio e à fome. Também restaria o eixo verossímil de como essas cartas foram impressas, na Inglaterra. Assim, Mary Shelley nos mostra um universo perfeitamente autônomo, que se explica em si mesmo, baseado nas suas próprias assertivas discursivas, numa realidade própria.

Mary Shelley foi, assim, pioneira na diluição das fronteiras entre ciência e imaginação literária, propondo-nos o imaginário como sistema de pensamento, seja científico, seja ficcional.

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[1] Este texto se baseia na palestra que eu faria, no dia 16 de abril de 2020, no CBPF, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, caso o seminário não tivesse sido cancelado devido à pandemia de Covid 19. Posteriormente, foi revisto nesta versão.

[2] Pode-se encontrar uma contradição no nome de origem alemã, na Silésia, Frankenstein, que inspirou Mary Shelley no enredo de seu romance, uma família que realmente existe, e a afirmação do narrador, logo no início do Capítulo 1, que toda a sua família é natural de Gênova. É um pormenor realista que o Romantismo despreza ou ignora: “I am by birth a Genevese, and my Family is one of the most distinguished of that republic. My ancestors had been for many years counsellors and syndics, and my father had filled several public situations with honour and reputation.” (Shelley, 2004, Posição 260). [Sou, por nascimento, genovês, e minha família é uma das mais distintas da república. Meus ancestrais foram, por muitos anos, conselheiros e síndicos, e meu pai ocupou vários postos com honra e boa reputação”.] Minha tradução.

[3] Ver meu conto “Estranha aparição”, no livro homônimo (2000), que escrevi baseando-me na personagem de Mary Shelley e no conto A queda da casa de Usher, de Edgar Allen Poe. [2ª ed. digital, Kindle-Amazon].

[4] A primeira vez em que o monstro, filho do jovem cientista Dr. Victor Frankenstein, é chamado pelo nome do pai é num filme de 1931, dirigido por James Whale. Já no cartaz da Universal Studios o nome Frankenstein vinha ao lado de sua foto, anunciando-o como “o monstro”.

[5] No Brasil, Nísia Floresta (1810-1885), autora rio-grandense do Norte, que viveu quase toda a sua vida na Europa, por sua vez traduziu Mary Wollstonecraft como se fosse ensaio próprio e original, intitulando-o Direito das mulheres e injustiça dos homens (1832). O ensaio chegou a ser denominado romance pela crítica, mas o fato é que Maria Firmina dos Reis é a primeira romancista mulher brasileira, com Úrsula (1859). (Ver Lobo, Luiza, Guia de escritoras da Literatura Brasileira, EDUERJ/FAPERJ, 2004, p. 224).

[6] Ele e seus marinheiros observam o monstro com seus “telescópios”. Interessante notar que o telescópio foi inventado em 1608, mas os binóculos apenas em 1825, bem depois da obra de Mary Shelley.

[7] Wagner Lannes, A incompletude além da matemática: impactos culturais do teorema de Gödel no século XX. 2009. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de História, UFMG, p. 151. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/VGRO-82THEU/1/wagner_lannes.pdf. Acesso em: 10 junho 2021.

[8] Cada vez nos aproximamos mais do universo Meta, em que o mundo digital é considerado a quinta dimensão, em que penetramos num mundo simulado inexistente, paralelo ao real. Como sempre, a literatura já antecipou esse tipo de pesquisa científica, com um século de antecedência.

[9] Muitas das primeiras feministas preferiram escrever romances de crime, uma vez que até recentemente não havia detetives mulheres. É o caso da escritora Sonia Coutinho (1939-2013), com seu Atire em Sofia (1990), O caso Alice (1991) e Mil olhos de uma rosa (2001). Em seus enredos, as protagonistas-narradoras eram as próprias vítimas dos crimes. Ela escreveu sobre isso um ensaio, Rainhas do crime: ótica feminina no romance policial (1994), inicialmente sua tese de Mestrado na Escola de Comunicação da UFRJ.

Autor

  • Luiza Lobo

    Luiza Lobo é professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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