Consciência: consonâncias e dissonâncias entre Filosofia e Ciência
O presente artigo procura contextualizar as dificuldades e limitações no estudo do tema mente-consciência dentro do âmbito científico a partir de argumentos filosóficos. Neste contexto também são desenvolvidas questões relacionadas às impossibilidades de redutibilidade do fenômeno aos modelos físicos-formais usuais em Ciência, bem como procura-se traçar caminhos de raciocínio que conduzam o leitor a vislumbrar a possiblidade da consciência ser um dos aspectos fundantes da natureza.
As reflexões e o estudo da consciência[1] e seus processos decorrentes talvez remontem à antiguidade. Seus domínios são vastos e a grande dificuldade em aborda-la a partir de uma perspectiva científica ainda parece intransponível. Atualmente, os agentes qualificadores de experiências conscientes, vivenciáveis em níveis subjetivos, não guardam correlatos claros com os processos de natureza biofísica, fisiológica, molecular, orgânico-sistêmica, bem como com sistemas de qualificação e quantificação utilizados atualmente pelo método científico.
Este trabalho procura traçar resumidamente algumas considerações sobre as dificuldades em reduzir o fenômeno da experiência consciente a leis puramente mecanicistas, bem como suscitar questões transversais acerca de como o complexo mente-consciência[2] é capaz de recriar o mundo a partir dos mecanismos da percepção e gerar novas possibilidades, cujos objetivos primordiais são transformar e organizar a realidade apreendida retratada nas experiências mais comuns do cotidiano. Questiona também sobre qual o estatuto da consciência em relação à realidade que nos cerca: ela é apenas um efeito dos infindáveis processos neurais que ocorrem a cada instante no cérebro ou seu lugar na Natureza tem um papel muito mais fundamental do que imaginamos?
Apesar de todo o desenvolvimento e efetivação da capacidade humana na Ciência, através de seus formalismos e da Tecnologia a partir de seus artefatos cada vez mais complexos, a realidade observada não é apreendida de forma direta e passiva; esta é abstraída e ativamente interpretada a cada instante pelas estruturas presentes no cérebro. Assim, pode-se argumentar que a consciência cria, a todos os instantes, o mundo e seus objetos. Desde as mais básicas percepções processadas em nosso sistema nervoso passando pelos movimentos do corpo, chegando às elaborações mais abstratas da capacidade humana, estamos, a cada instante, alterando profundamente nossas relações com o ambiente a nossa volta.
1. Mente e consciência
Sem dúvida, um dos principais marcos da modernidade no estudo de uma abordagem sistemática na relação mente e corpo tem sua fundação com René Descartes (1596-1650), o qual levantou questões fundamentais ainda extremamente atuais na contemporaneidade, destacando-se aqui o termo dualismo cartesiano cunhado devido a nítida distinção que faz entre o físico e o mental. Sua proposição central cogito ergo sum (DESCARTES, 1983) é considerada a origem do dualismo.
De forma bastante clara, a Ciência estabelecida não aceita o dualismo, pois boa parte dos cientistas acredita que a experiência consciente, de alguma forma, emerge das propriedades físicas do cérebro. No entanto, muitos não negam que exista uma clara distinção entre a mente e matéria, sendo extremamente tortuosas as conjecturas sobre como a primeira pode emergir da segunda.
A árdua tarefa de compreender essencialmente as questões relacionadas ao complexo mente-consciência é um projeto igualmente amplo e bastante diversificado. O satisfatório entendimento demanda uma multiplicidade de explicações que passam naturalmente pelos três eixos abaixo (GULICK, 2014), dos quais o presente artigo pretende transitar apenas pelos dois primeiros:
- Questão descritiva: o que é consciência? Quais são suas principais características? E por quais meios ela pode ser melhor descoberta, descrita e modelada?
- Questão explicativa: como a consciência existe? É um aspecto primitivo da realidade ou surge por processos físico-químicos não conscientes?
- Questão funcional: por que a consciência existe? Qual a sua função? Ela faz diferença para o funcionamento dos sistemas nos quais está presente?
Talvez nenhum aspecto seja mais familiar ou mais desconcertante do que a consciência e nossa experiência consciente de si mesmo e do mundo. O problema da consciência é indiscutivelmente a questão central na nossa relação com a realidade, tanto no que diz respeito aos estados internos como aos externos.
Apesar da falta de uma teoria unificada da consciência, há um aparente consenso generalizado de que uma consideração adequada do tema exige uma compreensão clara de seus diversos aspectos, bem como o lugar que ocupa na natureza (GULICK, 2014).
A partir de teorias filosóficas, pode-se desenvolver conceitos gerais sobre o conjunto mente-consciência e assim endereçar potenciais abordagens ontológicas sobre ele (ver item 4). Parece, inegavelmente, que há diferenças fundamentais entre o que chamamos de mundo interior, cuja região fronteiriça é delimitada pela nossa pele, e o mundo exterior, ou seja, tudo o que está além desta fronteira. O mundo exterior fornece estímulos que levam a uma espécie de processo linear, cujo resultado é um ajuste mais ou menos harmonioso entre a percepção consciente e o que existe “lá fora”, por exemplo no campo visual de um indivíduo. Mas o mundo interior também inclui, entre outras, dimensões mentais e emocionais sustentadas por dinâmicas altamente não lineares.
Dado o contexto, o filósofo Alfredo Pereira Júnior (PEREIRA JR; RICKE, 2009) apresenta o que classifica, oportunamente, de aspectos comuns do núcleo referencial do conjunto mente-consciência no contexto da prática científica que abrange os registros da atividade cerebral de sujeitos (humanos ou outros mamíferos), a maioria usando eletroencefalografia[3] ou fMRI[4]; e aponta que todos os tipos de estados e/ou processos conscientes (sensação/percepção; afeto/emoção; decisão/ação voluntária e imaginação, entre outros) apresentam conteúdos em potencial. O conteúdo consciente de sensações, estados afetivos e emoções pode ser concebido como sendo composto de padrões.
Mesmo diante das dificuldades em descrever esses padrões de forma detalhada, suas variações são facilmente distinguíveis ao longo do cotidiano como dor, prazer, sede, medo, raiva, felicidade, etc. Dessa forma, o conteúdo é apreendido por tais padrões percebidos e então inseridos em quadros egocêntricos espaço-temporais a partir dos quais emerge a experiência consciente.
Portanto, assume-se que o complexo mente-consciência seja normalmente detentor de conteúdo[5]. Na prática neurocientífica, relatos em primeira pessoa transmitem informações sobre o conteúdo experienciado para a perspectiva de terceira pessoa dos observadores científicos. A atividade cerebral é registrada e medida para identificar correlatos neurais das experiências relatadas pelos sujeitos em estudo.
Neste contexto, pode-se propor outros dois significados distintos e complementares, já bem difundidos na Filosofia Ocidental, onde a mente consciente assume as seguintes perspectivas:
- Consciência de acesso: no contexto científico atual, mente-consciência refere-se ao conteúdo potencialmente reportável experienciado pelos sujeitos viventes, que segundo Pereira (PEREIRA JR; RICKE, 2009) este é o núcleo referencial identificado do termo consciência. Assim, pode-se afirmar que um indivíduo está consciente de algo quando se pode relatar ou descrevê-lo, ou raciocinar/pensar sobre isso, ou ainda usá-lo para orientar a forma de ação ou comportamento. O termo “acesso” aqui significa disponível para uso em pensamento e ação.
- Consciência fenomenal: quando o sujeito está consciente de alguma coisa quando ela está presente de alguma forma em sua experiência. Sensação de uma dor ou uma experiência visual da cor vermelha são dois exemplos filosóficos padrão de uma experiência consciente. Como se costuma dizer, existe “algo que é como” para que você possa ver a cor ou sentir dor (NAGEL, 1974).
Em suma, o conceito pode significar experiência subjetiva ou consciência no sentido do acesso cognitivo. Uma das razões para os filósofos fazerem tal distinção é salientar que a explicação da consciência no sentido do acesso cognitivo não explica necessariamente a consciência no sentido da experiência subjetiva. Como o filósofo David Chalmers indica: mesmo quando explicamos o desempenho de todas as funções cognitivas e comportamentais nas proximidades da experiência – discriminação perceptual, categorização, acesso interno, o relatório verbal – ainda pode permanecer uma pergunta sem resposta: por que a realização dessas funções é acompanhada pela experiência? Portanto, apenas uma explicação simples das funções deixa esta questão em aberto. (THOMPSON, 2015).
Outra razão para fazer a distinção entre a consciência fenomenal e consciência de acesso é permitir a possibilidade de o sujeito estar subliminarmente ou implicitamente consciente de algo sem ser capaz de relatar e descrever sua experiência, pelo menos não totalmente ou explicitamente. Em outras palavras, pode- se estar ciente fenomenalmente de algo ao mesmo tempo sem acesso cognitivo completo para a experiência. Exemplo: quando o indivíduo vê uma imagem numa tela, mas esta passou tão rápido que ela não foi capaz de formar o tipo de memória necessário para um relatório verbal do que foi experienciado. Esta é uma maneira que a consciência fenomenal pode superar as capacidades cognitivas ou recursos que o ser tem para acessar a sua própria experiência.
1.1 Características globais da consciência
Apresentadas algumas distinções iniciais, a seguir são apresentadas algumas das principais características da globais da experiência consciente (SEARLE, 1997):
- Subjetividade: todos os estados conscientes só existem se experimentados por um agente;
- Unidade: experiência consciente tem caráter unificado. Resultado da conexão de todos os diversos estímulos sensoriais, formando um todo coerente.
- Intencionalidade: capacidade que proporciona acesso a um mundo diferente de nossos próprios estados conscientes.
- Humor: estados conscientes diferentes são regulados por humores diferentes. Searle (2000: 77) chama o humor de “o sabor das experiências”.
- Estrutura: todos os estados conscientes são sempre estados estruturados e coerentes.
- Atenção: consciência possui graus variados de atenção, surgindo assim uma distinção em seu campo, entre o centro e a periferia. Atenção sempre deslocada conforme nossa vontade.
- Condições fronteiriças: estados conscientes vêm com um sentido de nosso próprio posicionamento no espaço e no tempo, mesmo que o posicionamento em si não seja um objeto intencional de nossa consciência.
- Graus de familiaridade: experiências conscientes nos atingem com graus vários de familiaridade, ela explica o fato de nossas experiências sempre terem uma continuidade, que vai da mais familiar a mais estranha.
- Transbordamento: explica o fato de nossas experiências conscientes sempre fazerem referência a coisas que estão além delas, pois nunca temos uma experiência isolada.
- Graus de aderência: o último aspecto da natureza da consciência pela perspectiva de Searle. Todos os estados conscientes transitam sempre entre um amplo espectro de estados de prazer e insatisfação.
Os aspectos globais da consciência acima descritos procuram indicar todas as características possíveis relativas à experiência consciente, estruturando boa parte das variáveis e processos dinâmicos envolvidos no fenômeno da experiência consciente ou consciência fenomenal. Na sequência, a pesquisa procura estabelecer os principais problemas envolvidos no estudo do fenômeno da consciência.
2. Os problemas no estudo da consciência
A inquietante questão sobre a natureza do fenômeno da consciência parece não estar acoplada ao que denominamos mundo natural, ou mais especificamente, ao mundo físico. O ser humano lida a cada instante com fatos, objetos e relações objetivas mediados pela mente, a partir da qual se estabelece os portões subjetivos da experiência consciente, funcionando como a primordial e essencial mediadora e através dela o mundo interior emerge e o mundo exterior é apreendido.
2.1 Os problemas “fáceis”
Como já indicado, a palavra consciência é utilizada de muita maneira diferentes. Muitas vezes está diretamente ligada ao espectro cognitivo-comportamental, por exemplo quando se refere à capacidade de discriminar estímulos, processamento de informação e comunicação, monitoramento e de estados internos, controle e expressão comportamental. Sob esta ótica, pode-se enquadrar tais características ao que Chalmers (1996) denomina de os “problemas fáceis” de consciência. São propriedades importantes e ainda há muitos desenvolvimentos e pesquisas para a compreensão de cada um deles. O autor utiliza a seguinte metáfora para posiciona-los de forma mais adequada no amplo campo de estudo: os problemas fáceis têm o caráter de quebra-cabeças em vez de mistérios. Assim, são totalmente passíveis de serem compreendidos e explicados pela Ciência a partir de bases neurobiológicas ou computacionais.
Abaixo o autor discrimina alguns exemplos dos por ele nomeados de problemas ‘fáceis’ da consciência:
- Discriminar, categorizar e reagir a estímulos ambientais;
- Integração de informações por um sistema cognitivo;
- Descrição de estados mentais;
- Capacidade de o sistema acessar seus próprios estados internos;
- Foco de atenção.
2.2 O problema “difícil”
Também conhecido como o problema da experiência consciente que abrange um amplo espectro de estados que incluem, entre outros, a experiência perceptiva e motora, a tátil, as sensações corporais, imagens mentais, emoções, pensamentos, etc. Esta perspectiva é baseada no importante artigo “What is it like to be a bat?” (NAGEL, 1974) que demonstra que há “algo que é como” ver uma rosa vermelha à luz do sol, sentir uma dor renal aguda, contemplar um pássaro voando, sentir um profundo pesar, ouvir o barulho das ondas, lembrar-se de um episódio da infância. Cada um destes estados tem um caráter fenomenal, com propriedades fenomenais (ou qualia) que caracterizam o que é como ser/estar naquele estado (MANDELLI, 2012).
Intuitivamente, não há qualquer dúvida de que a experiência consciente está enraizada nos processos físico-químicos que se transformam no cérebro. Infere-se que tais processos dão origem à experiência ou estados conscientes. Mas perguntas fundamentais permanecem sem repostas: como e por que estes processos originam ou permitem a consciência?
Por que estes processos não ocorrem “no escuro”, sem quaisquer estados conscientes? De fato, este é o mistério central da consciência. O problema difícil permanece ainda insolúvel pois a tarefa aqui não é apenas explicar e compreender as funções comportamentais e cognitivas, mas discernir sobre como a pergunta fundamental pode ser complementada: porque que o desempenho destas funções é acompanhado de experiência? Desta forma, o problema difícil parece apresentar uma diferente natureza, requerendo assim um tipo diferente de solução.
A seguir, Chalmers (1996) elabora o chamado problema ‘difícil’ da consciência:
- Humor, criatividade, intuição estão totalmente fora do escopo anterior;
- Têm um caráter subjetivo e que parece confundir e frustrar qualquer tentativa de resolvê-los;
- Caracterizado como o problema da experiência consciente ou qualia.
A solução para o problema difícil envolveria a relação entre processos físico-químicos e o complexo mente-consciência, explicando com base em princípios naturais como e por que os estes processos estão associados com estados de experiência. A explicação reducionista da consciência busca uma resposta com base em princípios físicos que não fazem qualquer apelo à consciência. Já a solução não redutora será aquela na qual a consciência (ou os princípios que a envolvem) seja admitida como parte fundamental da explicação (CHALMERS, 2003).
Decorrente do problema difícil, se estabelece também o chamado binding problem, ou o problema de ligação, que implica em como a unidade da experiência consciente é sustentada pelas atividades distribuídas do sistema nervoso central. Chalmers (1996) indica que esta é uma questão é metafísica, no sentido de que a unidade da experiência pode ser uma ideia fora da ciência física e que novas bases metafísicas ou ontológicas sejam necessárias. Assim, ‘unidade’, nesse sentido, não tem significado físico, mas tem um significado crucial na experiência subjetiva.
2.3 A lacuna epistemológica
Diante dos paradigmas da ciência estabelecida, é natural se esperar uma solução materialista para o problema difícil e uma explicação redutiva da consciência, mas esta parece resistir à tais desenvolvimentos materialistas de uma maneira diferente de outros fenômenos. Esta resistência pode ser encapsulada em três argumentos contra materialismo (CHALMERS, 1996), resumidos a seguir:
2.3.1 Argumento explanatório
O mais simples dos três argumentos apresentados baseia-se na diferença entre os problemas fáceis e o problema difícil, como já explicada anteriormente. Os problemas fáceis dizem respeito à explicação das estruturas e funções cognitivas e comportamentais, mas o problema difícil não, onde estas não são suficientes para explicar a consciência. Assim sendo, a compreensão destas estruturas e funções não são capazes de explicar a consciência.
- Explicações materialistas compreendem as estruturas e funções.
- Explicar tais estruturas e funções não é suficiente para explicar a consciência.
- Materialismo não pode explicar a consciência.
2.3.2 O argumento da conceptibilidade
De acordo com este argumento (CHALMERS, 2003) seria concebível logicamente um sistema que fosse fisicamente idêntico a um ser consciente, mas que carecesse dos estados conscientes deste ser. Tal sistema poderia ser o que o autor chama de zumbi: um sistema fisicamente idêntico a um ser consciente, mas que careceria completamente de experiência consciente. Não há parâmetros disponíveis que se possa inferir sobre o que é ser um zumbi, assim provavelmente não parecem ser naturalmente possíveis, pois provavelmente não podem existir neste mundo com as leis que os regem. Pode-se colocar o argumento de forma mais simplificada:
- É concebível que haja zumbis.
- Se é concebível que haja zumbis, é possível que haja metafisicamente zumbis.
- Se for metafisicamente possível que haja zumbis, então a consciência é não-física.
- A consciência é não física.
2.3.3 Argumento do conhecimento
Concebido por Frank Jackson em seu artigo de 1992, intitulado Epiphenomenal qualia (JACKSON, 1982), o argumento do conhecimento[6] sustenta que há fatos sobre a consciência que não são dedutíveis a partir de eventos físicos. A questão crucial para o argumento de Jackson é: O que acontece quando Mary sai da sala em preto e branco pela primeira vez? Se Mary realmente apreende algo novo ao experimentar como é a sensação de olhar uma rosa vermelha ou o céu azul, etc., então seu conhecimento anterior, baseado em fatos físicos apenas, era incompleto. Jackson conclui: “Se toda a informação acerca de fatos físicos não é suficiente para conhecermos fatos sobre a consciência, então o materialismo é falso”(JACKSON, 1982).
Chalmers (2003) defende que o argumento de Jackson pode ser estruturado de forma mais genérica:
- Existem verdades sobre a consciência que não são dedutíveis a partir dos eventos físicos.
- Se há verdades sobre a consciência que não são dedutíveis a partir dos eventos físicos, então o materialismo é falso.
- O materialismo é falso.
Chalmers procura consolidar os três argumentos apresentados, que são estreitamente ligados entre si. Todos estabelecem uma lacuna epistemológica entre os domínios físicos e fenomenais e negam relação epistêmica entre tais domínios, ou seja, as relações envolvem o que se pode saber, conceber ou explicar. Cada um dos três argumentos nega de forma particular um certo tipo de vinculação epistêmica dos fatos físicos (F) às experiências fenomenais (M):
- a) Explicação de (M) nos termos de (F) – argumento explanatório;
- b) Concepção de (M) sobre concepção reflexiva de (F) – argumento de conceptibilidade;
- c) Dedução de (M) a partir de (F) – argumento do conhecimento.
Talvez o tipo mais básico de vinculação epistêmica é a modalidade a priori ou a chamada implicação. Nesta noção, F implica M quando F⊃M, onde a condicional material é a priori; isto é, quando um evento F é condição necessária para a existência de M. Todos os três argumentos descritos anteriormente contrapõem a vinculação a priori de M por F.
Assim:
- Conhecendo-se (F) não se pode deduzir (M) como o argumento do conhecimento sugere;
- Concebendo-se racionalmente (F) sem a existência de (M), de acordo com o argumento de conceptibilidade, então parece que (F) não implica (M).
- Argumento explicativo pode ser visto como uma alegação de que uma implicação de (F) a (M) exigiria uma análise funcional da consciência, que não é um conceito funcional.
Depois de estabelecerem uma lacuna epistemológica, os argumentos avançam na possibilidade da existência de uma lacuna ontológica, da ordem da natureza das coisas do mundo.
3. Perspectivas ontológicas: a consciência e seu lugar na natureza
Naturalmente, ao longo do tempo o problema da consciência foi suscitado por inúmeros autores que buscaram encontrar um lugar adequado para a experiência consciente dentro da ordem natural do mundo como o concebemos, sob a ótica da civilização ocidental. Assim, a fim de prover um panorama geral sobre as diferentes perspectivas ontológicas sobre esta antiga questão, a influente obra “The Mind and Its Place in Nature” (BROAD, 1925) do epistemólogo inglês Charlie Dunbar Broad (1887 – 1971) torna-se pilar fundamental do artigo homônimo de David Chalmers (2003). No artigo de 1925, Broad posiciona a problemática de forma bastante aguda, questionando o lugar ocupado pela consciência em relação ao mundo físico.
No artigo de Chalmers (2003), dados os avanços da compreensão da problemática na contemporaneidade, o autor propõe um modelo de estudo ontológico em uma estrutura dividida em seis classes distintas, por ele nomeadas de Tipo-A, sucessivamente até a letra F (Tipo-F).
As três primeiras classificações (A, B e C) envolvem abordagens amplamente redutivas, posicionando a consciência como um processo oriundo do mundo material que não requer desenvolvimento para além das fronteiras do mundo físico. As três classificações subsequentes (D, E e F) esboçam visões não redutíveis, demandando dessa forma uma expansão dos limites ontológicos para além da realidade física.
Diante dos paradigmas da ciência estabelecida, é natural se esperar uma solução materialista para o problema difícil já descrito e uma explicação redutiva da consciência, assim como foram desenvolvidos modelos e explicações redutivistas para muitos outros fenômenos em domínios distintos do conhecimento humano. Porém, a consciência parece resistir à tais desenvolvimentos materialistas de uma maneira diferente de outros fenômenos.
A seguir, estão sintetizadas cada uma das seis perspectivas ontológicas para a consciência baseadas no trabalho de Broad (CHALMERS, 2003):
- Reducionismo tipo-A[7]: nega a existência de uma lacuna epistemológica relevante em relação à consciência;
- Reducionismo tipo-B[8]: admite a existência de uma lacuna epistemológica, mas nega a possibilidade de uma lacuna ontológica;
- Reducionismo tipo-C[9]: admite a existência de uma relevante lacuna epistêmica, mas afirma que esta será solucionada a partir dos avanços da Ciência e da Tecnologia;
- Dualismo tipo-D[10]: pode-se negar o fechamento causal da microfísica, sustentando que existem lacunas causais na dinâmica dos processos microfísicos que são preenchidas por um papel causal das propriedades fenomenais distintas;
- Dualismo tipo-E[11]: pode-se aceitar o fechamento causal da microfísica e assumir que as propriedades fenomenais não desempenham papel causal no que diz respeito à rede física dos eventos;
- Monismo tipo-F[12]: pode-se aceitar que a rede microfísica é causalmente fechada, mas que as propriedades fenomenais sejam a ela integradas, e estas desempenham um papel causal em virtude de se constituírem como parte da natureza intrínseca da realidade.
3.1 Posicionamento da pesquisa
Obviamente, nem todas a abordagens existentes atualmente foram relacionadas anteriormente. Diante das conjecturas expostas até aqui, há indícios relevantes para que não corroboremos com as três perspectivas materialistas apresentadas (tipos A, B e C), apesar de serem posturas naturalistas de vanguarda e que devem sofrer novas atualizações e melhorias a partir de novas proposições e resultados nos âmbitos de seus objetos de estudo.
A pesquisa defende uma posição não reducionista e reconhece a lacuna epistemológica existente entre os campos dos eventos físicos e experiências fenomenais, baseada nos argumentos antirreducionistas descritos anteriormente. Como exposto, as posições tipo D, E e F não apresentam falhas robustas e relevantes em relação às suas correspondentes hipóteses.
Naturalmente, cada uma das visões não reducionistas demandam ainda muitas pesquisas e desenvolvimentos posteriores dentro do escopo da Ciência atual. A pesquisa assume como sua posição norteadora a perspectiva dualista não ortodoxa, uma vertente conhecida como dualismo de propriedade, que propõe que a realidade seja constituída por apenas uma única substância, mas que dela decorrem duas propriedades distintas, uma propriedade fenomenal e outra propriedade física, sendo ambas irredutíveis entre si. A versão compatível com tal proposta é o chamado emergentismo, onde as propriedades fenomenais são, ontologicamente, propriedades resultantes dos sistemas físicos. Portanto, uma versão invertida desta perspectiva também pode ser razoável, onde as propriedades físicas sejam decorrentes das propriedades fenomenais, ideia a partir da qual boa parte do Pensamento Oriental se estabelece.
4. Diferença conceitual proposta entre mente e consciência
4.1 Mente
Qual é a natureza da mente? Como é relacionada à consciência? E, acima de tudo, quem somos? Qual é a nossa identidade, por detrás do fluxo interminável de pensamentos, a cada instante? Essa é a pergunta essencial feita há milênios por nossos ancestrais, talvez ainda anteriores ao chamado período pré-socrático, berço da Filosofia Ocidental, mas que hoje ainda ecoa fortemente em todos os âmbitos em nosso tempo, seja de forma direta ou indireta, na esfera pública através da Ciência e da Filosofia, seja na privada, na torrente caudalosas de nossas próprias experiências.
No âmbito do pensamento ocidental, a consciência é estabelecida apenas como um dos vários aspectos ou propriedades do conceito “guarda-chuva” denominado mente. Contudo, o problema da consciência é, indiscutivelmente, a questão central na teorização atual sobre a mente. Na Ciência contemporânea, a mente é definida como um conjunto de inúmeras faculdades cognitivas, nele incluído a própria consciência, a percepção, o pensamento, julgamento e memória, entre outras.
A proposta da pesquisa é tentar ampliar nosso olhar sobre o tema além das tácitas fronteiras normativas vigentes em Filosofia e Ciência, e irmos até alguns antigos sistemas de pensamento como o Yoga[13], onde a mente (chitta em sânscrito) é classificada de maneira diferente e de forma mais ampla, sendo a entidade chave de todos os aspectos da consciência condicionada. Sob o conceito de chitta está incluído as nossas funções cognitivas, além da parte instintiva da mente e o ego (aqui considerado como o núcleo da personalidade do indivíduo. Neste contexto, a mente é chamada de “instrumento interno” ou antahkarana em sânscrito, relacionado ao corpo que é o instrumento externo. Nesse sistema a mente é considerada como um sexto sentido, pois é o ente sintetizador de todos os outros que esquadrinham tudo o que conhecemos como realidade, desde a visão que nos apresenta o brilho de constelações incrivelmente distantes, algumas provavelmente já extintas, passando pela audição, pelo olfato, pelo tato, pelo paladar e se juntam às imagens emocionais mais profundas que nascem das interações físico-químicas em nosso sistema orgânico e se transformam em ricos estados mentais, da dor ao prazer e nos provêm o senso de si mesmo, como núcleo de todas as experiências, o sentimento do “eu”.
Aqui a mente é o veículo de expressão da consciência, mas não é a própria consciência. A mente e o corpo são instrumentos interno e externo, respectivamente, e a mente é a interface entre o mundo e a consciência.
4.2 Consciência
A presente pesquisa procura agora trazer ao centro da discussão a definição de consciência originada por escrituras antigas da civilização, nomeadamente os Vedas[14] da cultura indiana, bem como o budismo, uma de suas dissidências.
Nestas tradições, bem como na proposta desta pesquisa, a consciência se apresenta em uma estrutura quádrupla: vigília, sonho, sono profundo e pura consciência. Pelas limitações de extensão e amplitude do presente artigo, tais dimensões não serão abordadas. Em tempos mais longínquos daqueles em que os grandes filósofos clássicos começavam a erguer os primeiros pilares da Filosofia Ocidental, o autor (THOMPSON, 2015) cita uma passagem das Upanishads[15] onde é relatada um famoso diálogo (ROEBUCK, 2003) onde o conceito de consciência é explanado de forma dialética[16]. Assim, de acordo com as tradições da cultura indiana, a consciência[17] é aquilo que é luminoso e tem a capacidade de conhecer. Luminoso então significa ter o poder de revelar, como a luz. Sem o sol, o nosso mundo seria velado na escuridão e, assim sem consciência, nada poderia aparecer. A consciência é, fundamentalmente, aquilo que revela ou torna manifesto, porque é a pré-condição essencial para a aparência das coisas, recriadas dentro do nosso sistema corpo e mente.
Sem consciência, o mundo não pode aparecer para a percepção, o passado não pode aparecer na memória, e o futuro não pode ser estabelecido sob as condições de esperança ou expectativa. É ela a testemunha de todas as imagens e conteúdos que se estabelecem na mente. Em termos simples, sem a consciência não há nenhuma observação, e sem observação, não existem dados, sem consciência nada pode existir (THOMPSON, 2015). Até aqui, consciência significa ser o sujeito da experiência em todas as suas formas, seja através da vigília, sonho e sono profundo onde, neste último, há a suspensão da mente e a ausência de objetos.
4.2.1 Consciência pura
A partir da perspectiva da Filosofia e Ciência ocidentais, a ideia da consciência pura[18], aqui considerada como o aspecto mais profundo da consciência fenomenal, normalmente, não é acessada por vias cognitivas. O estado de consciência pura pode ser alcançado por indivíduos com mentes treinadas em técnicas específicas para este fim, onde a meditação é uma das alternativas (ver item 5).
Outra grande diferença entre as visões ocidentais e das tradições consideradas nesta pesquisa é que do ponto de vista da Ciência Cognitiva padrão, a experiência sensorial de vigília é a base para toda a consciência. Já nas visões tradicionais do Oriente, consciência grosseira ou sensorial depende diretamente da consciência sutil.
Chamado simplesmente de “o quarto” (turiya), este modo de consciência é não dual (FORT, 1990). Diferentemente dos estados da vigília, sonho e sono profundo, a consciência pura não é propriamente um estado no sentido de uma condição transitória e discreta. Ao contrário, é considerada a fonte constante, subjacente a esses estados transitórios, bem como um estágio avançado de realização meditativa por várias tradições. Como fonte subjacente para a vigília, sonho e sono profundo, “o quarto” é pura consciência, definida pela sua qualidade de luminosidade. Considerada por muitas tradições como a mais alto grau de autorrealização humana, que pode ser alcançada de forma espontânea ou através de técnicas destinadas a este fim, como já descrito anteriormente. Na consciência pura, pode-se testemunhar os outros estados impermanentes, mas sem se identificar erroneamente com eles, bem como com o próprio “eu”. Tal possibilidade será discutida no item seguinte do presente artigo.
5. Dimensões metafísicas da consciência?
Como declarado anteriormente, o presente artigo procura discutir, além das dificuldades inerentes em abordagens redutíveis da consciência, busca enquadrar qual é o seu lugar dentro do estatuto da realidade. Anteriormente foi apresentado o chamado quarto estado da consciência, a consciência pura que não se trata propriamente de um estado no sentido de uma condição transitória, mas sim um avançado estágio de autorrealização humana, de acordo com antigos textos da cultura oriental. Segundo muitos autores, ele é alcançado através das vias do misticismo que, segundo estes, envolve mais do que “experiência mística” (estados místicos ou visionários), sendo o objetivo final da transformação humana (GELLMAN, 2004).
No contexto atual o termo “misticismo” é amplamente utilizado de forma pejorativa para denotar o pensamento descuidado ou supersticioso. As experiências místicas podem ser induzidas deliberadamente por drogas, meditação, oração ou outras práticas espirituais, mas também podem ser respostas espontâneas ao arrebatamento causado pela beleza da natureza, música, parto, orgasmo, eventos com risco de vida, dor intensa e doença (HORGAN, 2003).
Alguns pesquisadores também afirmam que as experiências místicas não são tão comuns como pode-se supor, entre eles destaca-se o neurologista americano James Austin. O estado que ele chama de absorção – conhecido como samadhi pelos hindus e satori pelos budistas – é bastante raro. Durante esta condição, o mundo externo e o próprio “eu” parecem se dissolver em uma unidade sem forma. Ainda mais raro do que a absorção, de acordo com Austin, é o nirvana budista, a realização, a libertação, o despertar, o pleno discernimento, nos quais esporádicos brilhos de percepção cedem lugar a uma mudança de visão de mundo a longo prazo, ou seja, o conhecimento profundo da realidade subjacente a todos os fenômenos impermanentes (AUSTIN, 1998).
Mesmo sendo uma condição aparentemente bastante incomum, a autorrealização é perseguida por muitas pessoas ao longo dos séculos. Chamada também de iluminação, segundo Horgan (2003), ela é o telos das grandes religiões orientais como o Hinduísmo e o Budismo. Para o erudito Huston Smith (SMITH, 1991), o sentido do chamado conhecimento absoluto é a condição sine qua non[19] das experiências místicas, onde o componente noético as transforma em algo mais que sensações transitórias. Segundo Smith, a visão mística não é um sentimento, propriamente dito, mas é um conhecimento (HORGAN, 2003).
No clássico “The Varieties of Religious Experience“[20], William James oferece uma definição do termo que ainda hoje é amplamente difundida. Em sua visão, o cenário abrangido pelo misticismo incorpora experiências que englobam as características seguintes:
- É inefável – difícil ou impossível de ser transmitida em linguagem comum.
- É noética – significa que parece revelar uma verdade profunda.
- É transitória – raramente durando mais de uma hora.
- É um estado passivo – sujeito se sente preso por uma força muito maior do que ele mesmo.
Há ainda outras duas características que o autor não incluiu na lista acima, mas também estão presentes em tais experiências que são: sentimentos de felicidade e de união com todas as coisas.
No início da década de 1990 os pesquisadores Eugene D´Aquili (Universidade da Pensilvânia, EUA) e Andrew Newberg impulsionaram o campo de pesquisa conhecido como Neuroteologia[21] que resultou numa maior credibilidade dos estudos no campo das experiências místicas. Segundo eles, há indicações de que exista um elemento comum a todas as experiências espirituais, que é o sentido de unidade mais profundo do que aquele transmitido pela consciência ordinária do cotidiano. Ainda segundo os mesmos autores, a natureza dessas experiências vai ao encontro das bases propostas pelo Pensamento Oriental.
5.1 Bases neurobiológicas das experiências místicas
Pesquisas contemporâneas sugerem que as experiências místicas sejam fenômenos distintos e estruturados. Em experiências desta natureza, tempo e espaço são percebidos de maneira não convencional ou até considerados como inexistentes, e os processos normais relacionados ao fluxo de pensamento racional cedem lugar a formas de compreensão mais intuitivas da realidade. As pessoas frequentemente relatam também sensações que classificam como ligadas à presença do sagrado, afirmando terem experimentado o significado mais essencial das coisas, vivenciando um estado descrito como “uma iluminação interior que resulta na máxima liberdade” (NEWBERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002).
Como qualquer experiência, esses estados são tornados possíveis pelas bases e funções neurológicas presentes no cérebro, mais especificamente são resultados do esvanecimento do sentido de si do sujeito e uma absorção do “eu” em uma dimensão maior de percepção gerada quando a área de orientação do cérebro é forçada a operar com reduzidas entradas neurais, ou até mesmo na ausência delas.
Certos comportamentos rítmicos encontrados em rituais religiosos[22] podem colocar em movimento o mecanismo da deaferentação[23] e como esse processo pode levar a momentos de unidade espiritual transcendente. A mesma cadeia de eventos pode ser posta em movimento menos formalmente por padrões de comportamento que não têm intenção espiritual, mas são, no entanto, rituais.
Sob determinadas circunstâncias, em situações de relaxamento, como em um ambiente preparado com elementos adequados como luz, formas, sons, aromas, texturas, os níveis quiescentes aumentam e a sensação de serenidade pode se aprofundar em algo mais intenso, uma vez que a ativação prolongada da resposta calmante faz com que a área de orientação se bloqueie de forma mais efetiva. Este bloqueio mais extenso resultaria em um estado unitário mais forte proporcionando ao sujeito uma sensação de estar sendo absorvido pela música.
Os autores dividiram todos os métodos para alcançar as chamadas experiências unitivas em duas categorias distintas:
- a) Top down: métodos descendentes, que incluem meditação e oração, alcançam a transcendência através do relaxamento, focalizando e acalmando os estados da mente.
- b) Bottom-up: técnicas ascendentes que incluem dança, hiperventilação, cânticos, exercícios vigorosos, e promovem a excitação. Cada método age em um componente diferente do sistema nervoso autônomo do corpo, que regula pulsação, pressão arterial, respiração, metabolismo e outras funções fisiológicas.
Em ambos os casos, certos comportamentos rítmicos podem levar a estados unitários, fazendo com que a área de orientação seja bloqueada do fluxo neural, isto é, a intensidade experenciada de cada um deles está conectada ao nível de bloqueio das entradas neurais. Parece existir um amplo espectro relacionado ao grau de intensidade desses estados cada vez mais unitários, chamado por alguns pesquisadores de continuum unitário (NEWBERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002). O arco proporcionado por este continuum liga os chamados momentos transcendentes menores que boa parte das pessoas experimenta ao longo da vida cotidiana[24] às experiências mais profundas dos místicos e mostra que, em termos neurológicos, ambos são diferentes, essencialmente, apenas em seus graus de manifestação.
Ao longo deste continuum há um ponto bastante familiar a todas as pessoas chamado estado de mente basal no qual o ser humano vive imerso na maior parte de suas atividades diárias (comer, trabalhar, dormir, interagir, divertir-se, etc.). Apesar de cada ser humano ter a sensação, normalmente, de estar conscientemente conectado ao mundo que o cerca (família, bairro, nação, etc.), tudo é experimentado como se estivesse separado do próprio sujeito. Conforme se avança pelo continuum, a separação percebida torna-se cada vez menos nítida, desde estados de absorção unitária suave até os estados unitários mais profundos.
Em diferentes tradições, técnicas meditativas também assumem diferentes formas e funções (WALLACE, 2007). Em qualquer uma delas, o propósito desses métodos é quase sempre o mesmo: silenciar a mente consciente e libertar a consciência da mente contra a limitação do ego. Em termos gerais, técnicas de meditação se enquadram em duas categorias gerais: passivas (minimizar o fluxo de pensamentos) e ativas (direcionar a mente para um objeto) (NEWBERG, 2010).
5.1.1 Técnicas passivas
São praticadas sob várias formas por ordens budistas, a partir do ato de vontade do meditante em acalmar todos os seus pensamentos, emoções e percepções que emergem de forma descontrolada na mente. A intenção consciente é instanciada pela área de associação[25] de atenção direita do cérebro, base das ações voluntárias, e busca coibir as entradas sensoriais e cognitivas do cenário experencial[26]. Neste processo, a área de associação de atenção, através do tálamo, atua sobre o hipocampo provocando a atenuação do fluxo de entrada neural, chegando até mesmo ao seu bloqueio. Essa dinâmica gera o fenômeno já mencionado da deaferentação, que acaba por influenciar também várias outras estruturas cerebrais, entre elas a área de associação de orientação[27].
Conforme o estado meditativo se aprofunda, a referida área de atenção busca manter a mente livre de pensamentos e, juntamente com o hipocampo, reduzem aos poucos o fluxo neural. Com o aumento do bloqueio neural, impulsos neurais com energia crescente partem da área de orientação deferida e seguem, passando pelo sistema límbico, até o hipotálamo onde há elevada atividade cerebral responsável pelas funções básicas do sistema nervoso autônomo, entre elas a capacidade de regular as funções ligadas às sensações calmantes e excitantes experimentadas pelo sujeito (JEVNING; WALLACE; BEIDEBACH, 1992).
Os impulsos neurais que chegam até o hipotálamo desencadeiam relevantes sensações quiescentes que retornam pelo sistema límbico e chegam ao ponto de partida, aonde são registrados e retransmitidos estabelecendo um circuito reverberante que promove níveis quiescentes mais profundos a cada novo ciclo, resultando na drástica redução do fluxo de entrada sensorial para a área de orientação.
Intuitivamente, eventos como esse, provocariam a diminuição correspondente na função de excitatória. No entanto, sob certas condições pode ocorrer o fenômeno conhecido como “transbordamento” no qual a atividade máxima do sistema quiescente desencadeia uma resposta instantânea de excitação máxima. Com o aumento de atividade de ambos os sistemas, a mente é atingida simultaneamente por respostas antagônicas, elevando ainda mais a atividade neural do hipotálamo, através do sistema límbico, retornando à área de associação de atenção forçada a operar em condições máximas. Em resposta, o efeito deaferente, no qual a área de atenção está direcionada para a área de orientação, torna-se sobrecarregada proporcionando a completa deaferentação da mesma.
Tal evento, desencadeia um sensível efeito nas áreas de orientação direita e esquerda. A primeira, encarregada de criar a matriz neurológica experimentada pelo sujeito como espaço físico, não recebe a informação necessária para estabelecer o contexto espacial no qual o “eu” está imerso. De acordo com os pesquisadores (NEWBERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002) , sendo sua única opção, em situações de ausência de entrada sensorial, é gerado um senso subjetivo de espaço absoluto que pode ser interpretado pela mente como uma sensação de espaço infinito e eterno ou, de forma complementar, a sensação de vazio atemporal e ausência de espaço.
A área de orientação esquerda, relacionada com a geração do sentido subjetivo do “eu”, torna-se indisponível para manipular o mapa corporal e seus limites, tornando a percepção mental do “eu” ilimitada, ou seja, a ausência de “eu” é suprimida. De acordo com o estado de deaferentação total da área de orientação acima descrito, isso pode ser consistente com descrições místicas da chamada união espiritual, com a ausência de objetos ou seres, do sentido do espaço e passagem do tempo e dos limites entre o “eu” e mundo. A mente então é iluminada pela consciência, estabelecida sem ego situada no estado de consciência pura e indiferenciada, além da dualidade sujeito-objeto, o ser unitário absoluto, o último estado unitário.
5.1.2 Técnicas ativas
Diferentemente das técnicas passivas, a abordagem ativa não objetiva silenciar os pensamentos, mas concentrar-se intensamente em algum pensamento ou objeto. Ao se direcionar o foco da atenção para uma imagem, o processo se inicia de forma similar à abordagem passiva, com a área de associação de atenção traduzindo, em termos neurológicos, a intenção consciente do meditante. Como tal intenção é dirigida sobre o objeto ou pensamento específico, a área atencional facilita o fluxo neural ao invés de inibi-lo como na forma passiva. Assim, no modelo proposto por Newberg, o incremento do fluxo neural faz com que a área de orientação direita, em conjunto com a área de associação visual, mantenha o foco no objeto (real ou imaginado) na mente. A manutenção do foco em direção ao objeto faz com que as descargas da área de atenção direita sigam através do sistema límbico e cheguem até o hipotálamo, promovendo a excitação dessa estrutura e resultando em um estado correspondente levemente agradável ao sujeito. Conforme a contemplação (foco no objeto) torna-se mais intensa, o fluxo das descargas neurais aumenta possibilitando que a função de excitação do hipotálamo atinja níveis máximos. Alcançado o ponto de saturação, há também a ocorrência do fenômeno de “transbordamento”, que resulta na ativação imediata da função quiescente do hipotálamo (NEWBERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002).
O processo de ativação concomitante de ambas as funções de excitação e quiescente promove uma estimulação máxima retornando através das estruturas límbicas que atingem ambos os lados da área de associação de atenção. A consequência disso, a atividade na área de atenção é conduzida a níveis máximos, amplia de forma sensível a capacidade da mente do meditante em se concentrar no objeto de contemplação, gerando repercussões relevantes nas áreas de orientação.
Na área de orientação esquerda Newberg (2002) observou o mesmo resultado identificado na abordagem passiva, ou seja, a restrição do fluxo neural desempenhada pelo hipocampo que gera a deaferentação, conduzindo a uma diminuição do sentido do “eu”. Já na área oposta, a consequência parece ser bastante diferente. No foco contemplativo a área de associação de atenção leva a área de orientação direita a elevar o grau de concentração em relação ao objeto. Assim, como a área de atenção alcança limiares superiores, esta não bloqueia o fluxo de informações para a área de orientação direita, como acontece com a área esquerda; ao contrário, a área de associação de atenção conduz o lado direito a elevar ainda mais o nível de concentração sobre o objeto contemplado.
Neste cenário, com o objetivo em aumentar o foco da mente sobre a imagem, a área de atenção também começa a privar a área de orientação direita de toda a entrada neural que não seja proveniente do objeto contemplado. Isto é, a área de orientação direita, conforme concentra esforços para estabelecer o cenário espacial onde o sujeito da experiência está imerso, acaba por não mais receber sinais correspondentes, mas apenas informações relacionadas à área de atenção (NEWBERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002). Consequentemente, a fim de criar uma representação a partir do objeto, e com a ausência das informações relacionadas ao seu contexto espacial, a mente aumenta ainda mais o grau de concentração sobre a imagem até que ela seja apreendida com toda a profundidade e amplitude possíveis.
De acordo com o avanço desse processo na área de orientação direita, a deaferentação da área de orientação esquerda também segue seu fluxo, fazendo com que os limites percebidos do “eu” tornem-se cada vez mais difusos, possibilitando assim que a mente possa experimentar o chamado sentimento de absorção mística do “eu” individual que, em estados mais profundos ao longo do espectro do continnum, pode levar ao chamado estado unitário absoluto ou consciência pura, mas de rara ocorrência (NEWBERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002).
Conclusão
De acordo com o conteúdo exposto ao longo deste artigo, as questões fundamentais relacionadas ao complexo mente-consciência e seus desdobramentos em algumas áreas do conhecimento humano ainda parecem distantes de qualquer teoria consistente. Diante das ideias e argumentos apresentados, não parece ser possível reduzir tal complexo a conceitos e dinâmicas puramente mecanicistas, a partir dos quais seja possível estabelecer correlações causais coerentes entre os eventos físicos e as experiências fenomenais, bem como realizar previsões de comportamento sistêmico do sujeito da experiência.
Obviamente, frente às possibilidades aqui apresentadas não significa que o mainstream da Ciência esteja aberto para a possibilidade de uma realidade além do escopo objetivo abrangido por seus métodos. A autoridade da Ciência, afinal, está enraizada no pressuposto de que a realidade material é a origem e fim de todas as coisas no universo. Contudo, com as ideias aqui apresentadas pode-se conjecturar que o tema em questão esteja além dos domínios circunscritos pelo método científico, e discutir seus limites atuais relacionados ao lugar que a consciência ocupa na natureza parece ser uma sensata postura frente aos desafios aqui delineados.
Também parece ser bastante razoável e obviamente especulativa a proposta de que a consciência possa ser uma das entidades fundantes da natureza, pois a partir dela o mundo é criado para o sujeito da experiência e, na ausência desta, nada pode-se afirmar sobre a existência do que nomeamos realidade. Além dos argumentos apresentados, um fator de destaque nessa direção está relacionado com o chamado conceito de “consciência pura” (ver item 4.2) que pode ser um dos indícios que permitem corroborar com a proposta acima apresentada.
No item acima referenciado, apesar das diferentes perspectivas das escolas de pensamento e distintas correntes religiosas, sob uma abordagem neurológica e filosófica, parece não há versões divergentes do estado unitário absoluto promovido potencialmente pela “consciência pura”. Ele pode ser retratado a partir de contextos culturais e interpretações pessoais que são inevitavelmente distorcidos pela subjetividade pós-facto, pois nesse estado as observações subjetivas estão ausentes, pois a percepção de um “eu” subjetivo parece ser suspensa; observador e observação são fundidos em uma só unidade.
Até aqui, pode-se inferir que, apesar do maciço avanço das técnicas experimentais da Ciência, especialmente aquelas que se utilizam do “estado da arte” em equipamentos de imageamento cerebral, ainda há poucas evidências que estejamos próximos de responder de forma satisfatória questões como a apresentada acima. Também parecem ainda distantes as respostas em como resolver os correlatos neurais da consciência e, principalmente, como a vastidão de possibilidades e complexidade dela decorrentes, chamado de “problema difícil”, possa emergir naturalmente a partir dos incontáveis processos eletroquímicos produzidos no cérebro a cada instante de nossa existência como propõem os defensores ferrenhos do materialismo e suas vertentes.
Por enquanto, de acordo com o exposto pelo erudito Huston Smith, a compreensão sobre a natureza da consciência e da existência pode ser alcançada através de diferentes caminhos. Estes distintos caminhos parecem conduzir ao mesmo destino: o chamado conhecimento absoluto tão bem explorado pelas antigas tradições por eles pesquisadas. Talvez este seja um dos poucos meios do homem encontrar as repostas que busca há milênios e, finalmente, descobrir o que ele de fato é e qual o seu lugar ao longo da jornada, isto é, tornar-se verdadeiramente humano.
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[1] “qualquer coisa de que estejamos cientes num determinado momento faz parte de nossa consciência, tornando a experiência consciente de uma só vez, o aspecto mais familiar e mais misterioso de nossas vidas”. The Stanford Encyclopedia of Philosophy online. A definição de consciência apresentada aqui é temporária e que será reelaborada ao longo do trabalho.
[2] Termo cunhado pelo autor para designar a relação profunda entre os dois conceitos e que muitas vezes se confundem em boa parte da literatura. Ao longo do texto será apresentada uma proposta para diferencia-los e posiciona-los de acordo com o delineamento da pesquisa.
[3] Eletroencefalografia (EEG) – método de monitoramento eletrofisiológico não invasivo utilizado para registrar a atividade elétrica do cérebro.
[4] A fMRI (functional Magnetic Ressonance Imaging) é uma técnica de imagem por ressonância magnética funcional capaz de detectar variações no fluxo sanguíneo em resposta à atividade neural estabelecida.
[5] Uma exceção pode ser considerada, a princípio, em condições de sono profundo.
[6][6] O argumento imaginado pelo autor é: “uma neurocientista chamada Mary é forçada a investigar o mundo de dentro de um quarto preto e branco, aparelhado com um monitor de televisão também preto e branco, sem jamais ter tido acesso ao mundo externo repleto de cores. Mary é especialista em neurofisiologia da visão e adquire toda a informação física que se pode obter sobre as cores e sobre todos os processos cerebrais envolvidos na identificação de cada uma delas – por exemplo, sobre como os diversos comprimentos de onda provenientes do céu estimulam a retina e como estes afetam o sistema nervoso central até a verbalização da frase ‘o céu é azul’”.
[7] Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-A: (DENNETT, 1991), (SOSA; DRETSKE, 1997), (HARMAN, 1990), (LEWIS, 1990), (REY, 1995) e (RYLE, 2009).
[8] Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-B: (BLOCK; STALNAKER, 1999), (HILL, 1997), (LEVINE, 1983), (LOAR, 1990), (LYCAN, 1996), (PAPINEAU, 1993) e (TYE, 1995)
[9] Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-C: (GULICK, 1993) e (MCGINN, 1989), este último enquadrado por Chalmers na posição tipo-F.
[10] Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-D: (ARMSTRONG; FOSTER, 1993), (POPPER; ECCLES, 1977), (SELLARS, 1981), (STAPP, 1993) e (SWINBURNE, 1997).
[11] Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-E: (CAMPBELL, 1970), (HUXLEY; MARCH, 1874), (JACKSON, 1982) e (ROBINSON, 1988).
[12] Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-F: (KENNARD; RUSSELL, 1928), (FEIGL, 1958), (MAXWELL, 1979), (LOCKWOOD, 1989), (CHALMERS, 1996), (GRIFFIN, 1998), (STRAWSON, 2000) e (STOLJAR, 2001).
[13] Yoga Sūtras de Patañjali – compostos por 196 sutras (aforismos). Foram compilados por volta de 400 AEC pelo pretenso sábio conhecido como Patañjali. O Yoga Sūtras foi o texto indiano antigo mais traduzido na era medieval.
[14] A palavra sânscrita Veda significa “conhecimento, sabedoria” é proveniente da raiz “vid“. Deriva da raiz proto-indo-européia u̯eid que significa “ver” ou “saber”. Os Vedas são compostos por quatro grandes textos: Rigveda, Yajurveda, Samaveda e Atharvaveda.
[15] Coleção de textos em sânscrito. São considerados pelos hindus como repositórios das verdades reveladas (sruti) sobre a natureza da realidade última (brahman) e que descrevem o caráter e forma da emancipação humana (moksha). Discutem principalmente meditação e filosofia tendo surgido como comentários sobre os Vedas, sua finalidade e essência, sendo, portanto, conhecidos como Vedānta (“o fim dos Vedas”).
[16] O diálogo entre Yājñavalkya e o rei Janaka ocorre no Bṛhadāraṇyaka Upaniṣad (“The Great Forest Teaching”).
[17] Também chamada de consciência fenomenal pelos comentadores recentes do pensamento hindu.
[18] A consciência pura (turiya) também é conhecida como consciência sutil.
[19] Expressão de origem latina que indica que uma condição ou elemento seja indispensável e essencial.
[20] A obra (JAMES, 1982) ainda exerce uma poderosa influência sobre as discussões da experiência religiosa e do misticismo. Apesar de criticada por enfatizar demais as dimensões subjetivas da espiritualidade e negligenciar os aspectos sociais, ela se sustenta até os dias atuais porque James articulou eloquentemente o que é ser enquadrado “no limite entre crença e descrença” (HORGAN, 2003).
[21] Termo utilizado pela primeira vez através da obra “A Ilha”, do escritor britânico Aldous Huxley. Atualmente é uma área da Neurociência Cognitiva que aborda os estudos da experiência religiosa e espiritualidade.
[22] Sob uma ótica neurobiológica, rituais apresentam duas características principais: 1- geram descargas emocionais em diferentes graus de intensidade, que representam sentimentos subjetivos de tranquilidade, êxtase e admiração; 2- resulta em estados unitários que, em um contexto religioso, são muitas vezes experimentados como algum grau de transcendência espiritual. As experiências unitárias produzidas por atos rituais são quase sempre acompanhadas por fortes estados emocionais, que são eles mesmos resultantes de comportamentos rítmicos (GELLHORN; KIELY, 1972). Os comportamentos motores repetitivos, como dançar ou cantar em cerimônias, podem ter efeitos significativos sobre os sistemas límbicos e autônomos, ambos estão envolvidos na criação de emoção e humor. Um estudo mostrou que os estímulos auditivos e visuais repetitivos – dança ritualizada, canto ou cânticos, por exemplo – podem impulsionar ritmos corticais para produzir sentimentos inefáveis e intensamente prazerosos (D’AQUILI; NEWBERG, 1993). Outro trabalho demonstrou que comportamentos rítmicos ativam simultaneamente vários sentidos. Em combinação com outras atividades contribuintes que muitas vezes fazem parte do ritual de jejum, hiperventilação e inalação de incenso ou outras fragrâncias, essa estimulação multissensorial pode afetar a fisiologia do corpo de maneiras que podem levar a estados mentais alterados.
[23] Perda da entrada sensorial de uma porção do corpo, geralmente causada pela interrupção das fibras sensoriais periféricas.
[24] Estimativas da frequência de experiências místicas variam muito, primeiro por seus métodos serem passíveis de ampla discussão e segundo, o amplo horizonte de variabilidade das definições. De acordo com uma pesquisa realizada na década de 1970, descobriu-se que 33% (trinta e três por cento) dos adultos americanos tiveram pelo menos uma experiência em que eles sentiram “uma poderosa força espiritual que parecia levá-lo para fora de si mesmo”. Outra pesquisa realizada na Inglaterra determinou que uma porcentagem semelhante de pessoas tenha sido “consciente ou influenciada por uma presença de poder” (HORGAN, 2003).
[25] Responsáveis pela integração de informações correntes com outras informações preexistentes de natureza emocional e cognitiva.
[26] Estudos baseados em EEG (registros eletroencefalográficos) demonstraram aumento da atividade elétrica sobre os lobos frontais durante vários tipos de meditação.
[27] Embora a deaferentação seja conhecida por ocorrer diversas circunstâncias, não foi completamente provado que ocorre durante as práticas de meditação. No entanto, dois estudos conduzidos por Newberg e sua equipe (meditadores budistas tibetanos e imageamento cerebral sobre a meditação de relaxamento da ioga) demonstraram aumentos relativos nos lobos frontais e diminuição relativa nos lobos parietais posteriores.