Colaborações Internacionais
Essa edição da Cosmos e Contexto é dedicada ao cientista Alberto Santoro em homenagem aos seus 80 anos, que desenvolveu seu trabalho por mais de 30 anos no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e hoje é professor emérito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Pedimos ao físico Ignacio Bediaga, pesquisador Titular do CBPF e ex-estudante oriundo do grupo do Prof. Santoro, que contextualizasse sua importância em um dos aspectos mais marcantes da sua atividade científica: ser um dos principais agentes do processo de internacionalização da ciência brasileira. Na primeira parte do artigo, se mostra a importância da internacionalização da ciência e a sua rápida evolução em todo o mundo. Na segunda parte é mostrada a importância do Prof. Santoro neste processo no Brasil.
Introdução
Três resultados experimentais obtidos na década passada, seguramente serão lembrados para sempre como uma das conquistas mais importantes da ciência: descoberta do bóson de Higgs apresentada em 2012, observações de ondas gravitacionais em 2016 e finalmente a observação da sombra de um buraco negro em 2019. Estes três resultados experimentais tem um ponto em comum, foram produzidos por grandes colaborações internacionais. As colaborações ATLAS e CMS, que observaram o Higgs pela primeira vez, a primeira conta com a participação de 38 países, 198 institutos, total de 3000 cientistas, engenheiros e estudantes, a segunda com a participação de 47 países, 202 institutos, total de 3500 cientistas, engenheiros e estudantes. Já a observação de ondas gravitacionais, se deu pela colaboração LIGO, que conta com 18 países, 100 institutos, total de cerca 1000 cientistas, engenheiros e estudantes. Finalmente a observação da sombra do buraco negro observado no centro da galáxia Messier 87, a 53,5 milhões de anos-luz da Terra com uma massa de 6,5 bilhões de vezes a massa do Sol, foi realizada pelo consorcio Event Horizon Telescope (ETH), Esta colaboração conta com uma rede de oito observatórios ao redor do mundo, com a participação 20 países, 60 institutos, total de 300 cientistas, engenheiros e estudantes.
Em um editorial datado do dia 6/7/2012, o jornal O Globo, ao saudar a descoberta do bóson de Higgs, chama a atenção de forma singular para o “modelo de cooperação supranacional que permitiu ao Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN) reunir pesquisadores e cientistas de todo o mundo para comprovar a tese do inglês Peter Higgs”. No término do editorial, há uma referência ao esforço supranacional com as seguintes palavras: “Este talvez seja o mais importante exemplo de aplicação prática, com efeitos imediatos para a sociedade, que fica do excepcional feito dos cientistas do Cern”. Em suma, a descoberta foi um fato espetacular, só se igualando à forma coletiva como foi feita.
A circulação do conhecimento revitaliza a atividade científica, coloca novos paradigmas de produção intelectual, atenua um dos maiores males das instituições científicas, que é o auto referimento, além de somar esforços e especialidades para enfrentar grandes desafios científicos. Por essa razão: a cooperação entre cientistas de países diferentes, as colaborações internacionais e a circulação de jovens pesquisadores de diversas nacionalidades por períodos longos são feitas de maneira quase mandatório já há algum tempo em países da Europa, nos EUA e, mais recentemente, na Índia e na China. A cada dia são criados novos programas de apoio nessa direção por organismos de fomento à produção intelectual desses países, mostrando a eficácia e a importância que essa política tem tido.
Origens das grandes colaborações experimentais
A colaboração entre cientistas de diferentes países é tão velha como a atividade científica moderna inaugurada por Galileu. Isto foi propiciado pelo seu caráter universal com uma linguagem comum a todas as culturas. No final do século IXX e início do século passado, este processo se acelerou, bem como se acelerou a própria atividade científica. Em 1899 é criada International Association of Academies, que congregava dezoito academias científicas de países da Europa e dos EUA. Esta associação foi se transformando ao longo dos anos, até chegar na atual International Science Council (ISC), da qual faz parte a Academia Brasileira de Ciências (ABC). No caso particular da física, a associação que congrega os cientistas desta área, foi criada em 1922 com o nome the The International Union for Pure and Applied Physics (IUPAP), nome que conserva até hoje. Dentre os principais objetivos desta instituição estão as de estimular e promover cooperações internacionais, promover e ajudar a organizar encontros e conferências internacionais, bem como promover a livre circulação de cientistas para estimular a pesquisa e a educação.
Mas a cooperação entre pesquisadores experimentais experientes, com diferentes habilidades e aparelhagem, tem a sua efetivação maior ao final da segunda guerra mundial. A descoberta do méson pí em laboratório, atribuída a Gardner e Lattes, apresenta um grande passo adiante na forma de colaborar entre cientistas de diferentes países. Gardner tinha em Berkeley o sincrocícloton de 184 polegadas, o maior acelerador construído até então. Lattes por outro lado, tinha uma longa experiência em identificar sinais do méson pí, tanto nos primeiros eventos recolhidos no Pic du Midi, como os coletados em Chacaltaya na Bolívia. A colaboração dos dois resultou em um grande sucesso tanto do ponto de vista científico como de mídia, com implicações políticas extremamente positivas, tanto no EUA como no Brasil.
Na Europa, Cecil Frank Powell (que juntamente com Lattes e Ochialline descobriram o méson pí), lança aquela que pode ser considerada a primeira grande colaboração experimental, a chamada G-Stack. Com o objetivo de estudar os mésons K’s, conhecido como mésons estranhos, Powell reune 36 físicos de 10 diferentes instituições europeias. A escassez de recursos para a pesquisa no pós-guerra europeu, bem como a grande quantidade de emulsões à serem analisadas, impunham de certa maneira esse tipo de colaboração para continuar fazendo física de ponta.
Essa experiência tanto científica como sociológica, foi um grande sucesso, que foi comemorado por Powell em um discurso onde proferiu a famosa sentença: “No decorrer deste trabalho, meus colegas e eu ficamos profundamente impressionados, com as poderosas forças construtivas, que são liberadas quando os representantes de muitas tradições nacionais trabalham juntos em harmonia, para um propósito comum”. O internacionalismo científico como ideal, que implicava na cooperação entre diferentes culturas, foram as bases do surgimento das grandes colaborações científicas internacionais, ideal que perdura até os dias de hoje.
A criação do CERN em 1954, primeiro grande laboratório transnacional, através de um esforço conjunto de 12 países, que até pouco tempo atrás guerreavam entre si, foi uma direta consequência do internacionalismo que norteava a comunidade de altas energias de então.
Na América do Sul, o laboratório Chacaltaya criado por Ismael Escobar em 1942, cenário da importante confirmação da existência do méson (com coleta de 33 eventos, muitos mais e mais nítidos que os coletados no Pic du Midi), seguiu ganhando importância. Além do Brasil e EUA, que participaram desde o início deste laboratório, pesquisadores da Inglaterra, Japão, Índia, Itália, França, Argentina, União Soviética, Espanha, operaram durante a sua existência, que foi descontinuada somente em 1980. Foram publicados cerca de 1000 trabalhos científicos produzidos naquele laboratório.
Segundo Prof. Carlos Aguirre, um dos mais importantes dirigentes do laboratório de Chacaltaya, o CBPF teve uma importante presença na criação, montagem e funcionamento das instalações de Chacaltaya. De fato, na década de 1950, o CBPF contava com instalações experimentais de altíssima qualidade, o Departamento de Física Experimental contava à época com divisões de: Emulsões Nucleares, Raios Cósmicos, Eletrônica, Alto Vácuo, Química, Aceleradores de Cascata e Fotografa, com um altíssimo padrão internacional, com participação constante de físicos de vários países, que vinham preparar o seus equipamentos antes de ir para a Bolivia. Podemos acrescentar a este papel de base do CBPF às colaborações internacionais em Chacaltaya, a criação do Centro Latino Americano de Física (CLAF), bem como sendo a base das colaborações científicas Brasil-Japão, bem como da colaboração sobre Reações Fotonucleares e Radioatividade Natural entre o Brasil e Itália, criada em 1960. O CBPF teve como formação o ideal do internacionalismo científico, como vimos muito difundido à época.
Evolução das colaborações internacionais.
As colaborações internacionais em física experimental de altas energias com grupos relativamente pequenos, como vimos no exemplo de Gardner e Lattes, evoluíram entre a década de 1950 e 1980 de algumas dezenas para uma centena de pesquisadores. Com o aparecimento dos colisores de partículas, este número passou para centenas até chegar nos dias de hoje a milhares de colaboradores em uma única experiência, como é o caso das quatro experiências no LHC do CERN.
Até o início da década de oitenta, existiam três laboratórios envolvendo grandes aceleradores: o CERN, Fermilab e Brookhaven, estes dois últimos norte americanos e o primeiro um consorcio europeu. Existiam alguns países, como a União Soviética, Japão e Canadá, com laboratórios menores além de participarem nestes três grandes laboratórios. O restante dos países não participavam, ou tinham no máximo uns poucos pesquisadores envolvidos em grande experiências, como era o caso do Brasil. É interessante entender como se deu este processo e como foram incorporados vários países, até chegarmos aos dias de hoje com mais de 80 países participando em grandes colaborações internacionais em física experimental de altas energias. Na prática, durante a evolução deste processo, passamos de colaborações internacionais para colaborações globais.
Esta transição se deu também, nos objetivos científicas das experiências. As colaborações científicas antes da era dos colisores, tinham propósitos bem definidos nos objetos de estudos, atuando pontualmente em alguns problemas específicos, tais como: produção do méson J/Psi, estudo da produção e decaimento de partículas charmosas, busca de méson beauty, medida do parâmetro da violação de CP episilon/episilon’, espalhamento elástico pion pion e assim por diante. Na imensa maioria, estas experiências eram do tipo alvo fixo, ou seja um feixe de partículas (prótons, pions, fótons e etc), colidiam com vários tipos de alvos. Nestes casos, os aceleradores à época, tinham várias linhas de feixes atendendo vários experimentos ao mesmo tempo.
Os colisores, por outro lado, podiam atender somente as experiências que estavam dentro do próprio acelerador. Somente poucos detectores eram possíveis tomarem dados ao mesmo tempo. As colisões podiam ser de vários tipos, desde que envolvessem partículas de vida média longa e carregadas, ou seja próton, elétron, e suas antipartículas. Essa mudança restringiu muito o número de experimentos tomando dados ao mesmo tempo, complicou bastante a suas construções e ficaram bem mais custosos, tanto a construção como a operação dos mesmos. Com isto se tornou necessário o aumento substancial do número de colaboradores. Ao mesmo tempo, visando compensar parcialmente a perda da diversidade existente nas pequenas colaborações, estes novos experimentos em colisores, procuraram ampliar seus objetivos científicos atuando em várias áreas de pesquisas.
International Committee for Future Accelerators (ICFA)
Com o surgimento das colaborações globais, se fazia necessário também uma coordenação global, de forma a somar esforços e buscar convergência nos propósitos científicos. Foi então que a IUPAP, decidiu criar o ICFA, com o objetivo de coordenar as atividades na área de aceleradores como está bem definido nos seus estatutos: “promover a cooperação internacional no sentido mais amplo, com a construção e exploração de grandes instalações que se destinam ao uso de uma comunidade mundial”.
O ICFA, que tem representantes de todas as partes do mundo, tem tido sucesso no seu propósito principal. O acelerador LHC do CERN e as quatro colaborações que usam este colisor, já são resultado deste esforço de convergência de propósitos científicos. Nestas colaborações participam praticamente todos os oitenta países envolvidos em experiências de altas energias. Também, como um importante resultado da atuação deste comitê, está em fase de construção no Fermilab, uma grande experiência envolvendo feixes de neutrinos, o Deep Underground Neutrino Experiment (DUNE). Estão envolvidos nesta colaboração, que deve iniciar a sua tomada de dados dentro de poucos anos, cerca de 1300 pesquisadores, pertencentes a mais de 200 instituições de trinta diferentes países. Uma curiosidade bastante emblemática, apesar de estar sendo construído nos EUA, o laboratório europeu CERN, tem tido uma importante participação no projeto e construção do DUNE.
No momento, o ICFA está envolvido na preparação do projeto, além da viabilidade econômica, de um grande acelerador linear, de interação elétron pósitron em energias capazes de produzir o bóson de Higgs. O ICFA formou os grupos de trabalho, que estudam desde a dinâmica dos feixes, os possíveis avanços em este tipo de acelerador, bem como a instrumentação que deverá ser usada e etc. Parte deste esforço é o de equacionar as contribuições de cada país participantes, tanto do ponto de vista fnanceiro, como da produção e logística dos inúmeros componentes que irão fazer parte deste projeto. O Japão já aceitou em princípio sediar este novo projeto global, aguardando o pronunciamento dos demais países interessados no projeto.
Participação da América Latina em grandes colaborações.
Como comentado acima, antes da década de 1980, a grande maioria dos países não participava de grandes colaborações internacionais, ou no máximo tinham pequenas participações. O mesmo ocorria nos países da América Latina. Brasil, México, Argentina tinham poucos pesquisadores envolvidos em colaborações em física de altas energias. Esse quadro mudou rapidamente, quando no início da década de 1980, o então diretor do Fermilab, o prêmio Nobel Leon Lederman, decidiu fazer uma politica bastante agressiva de envolver a região nas experiências de alvo fixo, que estavam sendo projetadas naquele laboratório. O próprio Lederman, usando o seu enorme prestigio tanto como físico e de um líder bem sucedido da área, visitou os países da região, procurando jovens pesquisadores interessados em se envolver em experiências no Fermilab. Ele oferecia, além de acesso aos laboratórios, passagem e estadia no Fermilab por dois anos.
Esta iniciativa teve um forte impacto na região e foi coroada de sucesso. Para isso contribuíram às excelentes condições e ao ambiente de trabalho encontrados pelos pesquisadores latino-americanos naquele laboratório, bem como à forte mobilização que esses pesquisadores fizeram junto aos jovens estudantes e pós-docs no retorno aos seus países de origem. Logo em seguida, o CERN iniciou uma campanha semelhante, tendo em vista as diversas colaborações envolvendo o acelerador LEP (The Large Electron Collider, acelerador antecessor ao atual Large Hadron Collider-LHC). Esse acelerador junto com o Tevatron do Fermilab marcaram a expansão da física de aceleradores no mundo e, em particular, na nossa região, durante toda a década de noventa.
Nesse período, consolidaram-se os vários grupos de física experimental de altas energias na AL que, na década seguinte, acabaram confluindo, em sua grande maioria, no Large Hadron Collider (LHC), no CERN. O envolvimento se deu nos quatro principais detectores trabalhando na aquisição de dados deste acelerador: ALICE- A Large Ion Collider Experiment, ATLAS- A Toroidal LHC Apparatus, CMS- Compact Muon Solenoid e LHCb- LHC-beauty, além de pequenos experimentos como ALPHA-Antihydrogen Laser PHysics Apparatus. Com a experiência e a maturidade adquiridas nos experimentos anteriores, os diferentes grupos procuraram se envolver e ter uma participação efetiva nos diferentes projetos de hardware no processo de desenvolvimento e construção dos detectores, bem como participaram no grande projeto de processamento e armazenamento dos dados provenientes dos detectores do LHC, conhecido como computação em GRID.
Entretanto, para isso acontecer de forma significativa, era necessário ir além da participação de pesquisadores e alguns estudantes de doutorado e pós-docs. Era fundamental o envolvimentos de pessoal técnico de alto nível, bem como uma maior mobilidade de estudantes de todos os níveis, incluindo, evidentemente, pesquisadores. Com isso, teríamos a possibilidade de ter uma participação efetiva e relevante como a dos nossos colegas de países de maior tradição na área. Na época, os órgãos financiadores de nossos países, sem tradição em grandes colaborações internacionais, não tinham, em geral, mecanismos de financiamento para envio de técnicos e de estudantes por curtos períodos, e, mesmo para pesquisadores, o financiamento de viagens era bastante limitado, mesmo se tratando da década de dois mil, onde a situação de financiamento da pesquisa era bem razoável para os nossos padrões históricos.
Essa situação sofreu uma grande e positiva reviravolta, com a implementação dos projeto HELEN em 2005 e em seguida o projeto projeto E-PLANET que o sucedeu, iniciado em 2011, ambos liderados pelo bem conhecido físico italiano Luciano Maiani, ex-diretor do CERN. Esses projetos, apresentados à Comunidade Econômica Europeia (EU), tendo como principal avalista o próprio CERN, permitiu a circulação de pesquisadores, técnicos e estudantes europeus e latino americanos não somente relacionados às experiências do CERN (embora fosse a grande maioria), mas também ao Projeto Auger, sediado na Argentina.
Anteriormente a esse projeto, a participação de todos os países latino americanos no CERN se limitava, de forma mais ou menos constante, a um pouco mais de quarenta pessoas por ano, na maioria pesquisadores e alguns estudantes. Ao final do projeto dos dois projetos em 2015, o número de pessoas trabalhando naquele laboratório, provenientes dos nossos países, chegou a duzentos e cinquenta. Essa massa crítica qualificada permitiu a inserção e a efetivação de vários latino- americanos em diversos projetos de hardware nos principais detectores que operam com o acelerador LHC, alguns desses realizados em nossos países e depois enviados à Suíça. Além disso, foram implementados com sucesso vários centros de computação em GRID operando em diversos países da AL.
Recentemente foi concretizada a a primeira articulação para a criação de uma estratégia para América Latina, envolvendo as áreas de altas energias, astro-partículas e atividades afins. No gráfico abaixo, podemos ver o crescimento e o alcance que estas atividades têm tido nos nossos países. Após trinta anos da retomada deste tipo de atividade, de forma mais sistemática, podemos observar um crescimento exponencial, bem como uma forte diversificação das atividades.
Professor Alberto Santoro e as colaborações internacionais.
Neste longo processo de expansão da física de altas energias, iniciado na década de oitenta, o Prof. Santoro esteve presente em todas as etapas, como protagonista em toda a evolução da área que ocorreu no Brasil, inicialmente como pesquisador do CBPF, posteriormente como professor da UERJ.
Dentre os jovens pesquisadores brasileiros que foram para o Fermilab a convite do Prof. Lederman, se encontrava o Prof. Santoro, pesquisador do CBPF e recém retornado de um doutorado em física de partículas teórica na França. Durante os dois anos em que lá esteve, se envolveu em uma experiência de alvo fixo, conhecida como Fermilab E-691, que serviu para introduzi-lo na área, trabalhando em vários aspectos da construção desta experiência. Ao mesmo tempo em que aprendia as novas técnicas, começou a trabalhar na criação e direcionamento de um grupo de pesquisas no CBPF. Como comentado no início deste artigo, instituição esta que tinha na sua origem a cultura do internacionalismo científico, portanto bem adequada a este novo desafio.
Com a sua enorme capacidade de trabalho e de liderança, logo em seguida ao seu retorno, conseguiu reunir um grupo de pesquisadores e técnicos, que se envolveram: por um lado na analise dos dados da E691, por outro, na aquisição da tecnologia dos primeiros computadores paralelos que estavam sendo feitos no mundo. Esta técnica amplamente usada nos dias de hoje, teve entre os seus pioneiros no estudo deste tipo de processamento o Fermilab, que usou este sistema de processamento de baixo custo, para reconstrução e analise dos dados dos seus experimentos. A primeira analise dos dados da E691, feita no Brasil, teve como instrumento de processamento um dos primeiros computadores paralelos no país, desenvolvido no Fermilab, com apoio de técnicos brasileiros, conhecido como ACP-I.
Este início muito bem sucedido, permitiu a expansão e crescimento do seu grupo, com contratação de jovens físicos, bem como de vários técnicos em computação de altíssima qualidade. Ao mesmo tempo que consolidava a sua liderança no Brasil, foi ganhando a confiança na comunidade internacional, tanto na Europa como nos EUA. A entrado de pesquisadores brasileiros no CERN, para participar das experiências do acelerador LEP, foi feita com o aval do Prof. Santoro. Da mesma maneira ele foi designado como o interlocutor brasileiro na ocasião da vinda do então diretor do CERN, Prof. Carlos Rubia, para propor a associação do Brasil ao projeto LHC no início dos anos noventa.
Este prestigio internacional, viabilizou a criação da única conferência internacional em física de altas energias na América Latina, inaugurada em 1993. No presente ano, se realiza a decima quarta edição. Atualmente ela faz parte do calendário internacional, atraindo importantes físicos tanto teóricos como experimentais, bem como representantes de todas as principais colaborações científicas internacionais da área.
Este espirito vanguardista que o caracteriza, acabou por introduzir no Brasil o sistema de computação em Grid, amplamente usado nos países que participam dos experimentos do CERN e mais recentemente no Fermilab. Um sistema de processamento, desenvolvido com a ideia internacionalista que está no DNA da física de altas energias. Neste tipo de processamento, os computadores de uma instituição ficam disponibilizados para o uso de qualquer cientista que esteja inscrito em uma organização de uso comum de um grupo de computadores, em geral pertencentes a uma mesma experiência. O importante é que o proprietário disponibiliza os seus computadores e quando tem necessidades de processar algum job, tem acesso a centenas de outros computadores. Permitindo uma rápida produção das suas necessidades, algo que possivelmente demoraria muito mais tempo usando somente os seus processadores. Enquanto isso o seu sistema fica operando 24 horas por dia trabalhando para outros pesquisadores.
O seu prestigio internacional foi também determinante para que ele, participasse de forma ativa na elaboração e, posteriormente como responsável pela aplicação dos recursos tanto do Helen como do E-Planet, nas instituições brasileiras de pesquisa. Como dito acima, estes projetos tiveram vários aspectos determinantes para a consolidação da física de altas energias no Brasil, com a possibilidade de envolvimento do corpo técnico trabalhando in loco. Além da possibilidade de envio de estudantes de várias áreas do conhecimento e em vários estágios da sua formação para o CERN.
Na ocasião das festividades dos setenta anos do Prof. Santoro, durante a Lishep de 10 anos atrás, fui convidado para proferir algumas palavras em sua homenagem. Fazia parte de uma mesa redonda, com vários pesquisadores de várias partes do mundo. Nela apresentei muitos aspectos do papel do Prof. Santoro na consolidação da nossa área no Brasil. Mas um dos aspectos que fiz questão de ressaltar, foi a da sua dedicação na formação de novos pesquisadores. Em uma contabilidade simples, se tomarmos os seus ex-estudantes de pós-graduação, somarmos aos pesquisadores que foram formados por seus ex-estudantes e assim por diante, agregando ainda, colegas teóricos que foram convencidos a mudar de área, chegamos que ele foi responsável por cerca de 40% dos pesquisadores atuais, trabalhando na área de aceleradores em física de altas energias.
O CBPF usufruiu enormemente desta atuação incansável do Prof. Santoro, pelo crescimento e consolidação da física de altas energias, no Brasil. Tanto na contratação de pessoal, como na modernização dos laboratórios. Seguramente o prestigio internacional que o CBPF ainda goza, se deve em muito a presença dele nos vários anos que ali trabalhou. Por isso, nada mais natural que fosse homenageado com o título de Pesquisador Emérito, como proposto de forma unanime pelos pesquisadores titulares da coordenação de altas energias do CBPF.