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A insuperável lição iluminista

Por Flavia Bruno 17 de fevereiro de 202028 de abril de 2020
Artigo publicado no jornal do Brasil em 03 de janeiro e 2019.

 

Kant, em seu texto “O que é o iluminismo?” diz que os homens por meio de uma revolução podem sair do despotismo e da opressão dominadora, mas mesmo uma revolução não é suficiente para fazer uma verdadeira reforma do modo habitual de pensar. Esse texto que pretende esclarecer o que é o iluminismo, é o texto de chamamento primeiro da filosofia: sair da condição de homem comum e experimentar a liberdade de pensar.

Pensar não é, pois, uma tarefa natural ao homem, uma prática corriqueira da sua existência, mas antes um movimento que exige coragem, que exige uma força tranformadora que o tira do obscurantismo.

Pensar exige a audácia e a libertação de um modo de ser que se naturaliza ao homem, a saída do que Kant chama de minoridade, minoridade esta da qual ele próprio é culpado.

A menoridade é a incapacidade do homem de se servir do seu entendimento sem a orientação de outrem, ou seja, o homem encontra-se no estado de menoridade quando ao invés de fazer uso de seu próprio entendimento depende de um outro que lhe guie, que lhe oriente.

Kant não está falando de uma incapacidade momentânea ou de um estágio de impotência próprio do desenvolvimento humano. Ao homem não falta entendimento, portanto, ele seria perfeitamente capaz de pensar de forma autônoma ao invés de buscar essa orientação fora de si. Se o homem pode se guiar por si mesmo, mas não o faz, é em razão de uma vontade ou se pode dizer, de uma inclinação para o apequenamento. Falta então ao homem “decisão e coragem” para que ele se sirva somente de si e por isso, a palavra do iluminismo é Sapere Aude! Ter a audácia do saber é ter a coragem de servir do seu próprio entendimento.

E por que falta aos homens essa coragem? Por que os homens mantém-se em uma posição de minoridade perante à vida? Por preguiça e por covardia; porque é cômodo, diz Kant, ser menor. Enquanto preguiçosos e covardes os homens deixam-se facilmente conduzir por tutores e assim, um livro faz as vezes de entendimento; um diretor espiritual faz as vezes de consciência moral; um médico faz as vezes de orientação dietética. O sujeito mesmo nada faz ou pensa, mas deixa o outro pensar ou decidir por ele.

Claro, pensar exige esforço e não é tarefa facil – daí a preguiça de deixar o outro empreender por mim aquilo que eu poderia realizar.

Os tutores aceitam de bom grado a tarefa de conduzir os que encontram na dificuldade de pensar uma barreira intrasponível. Em realidade, os primeiros fomentam nos demais o embrutecimento, impedindo que o exercício de pensar seja, a qualquer tempo pretendido. Preguiçosos, acovardados, embrutecidos e temerosos, os homens comuns mantém com os seus pedagogos uma postura pacífica e mesmo servil, efetuando um ciclo vicioso de dependência desta submissão. Em consequência, a menoridade torna-se para o homem a sua própria natureza e ele passa a se crer incapaz de servir do seu próprio entendimento, uma vez que nunca ousou fazer esta tentativa. O homem estaria pois, agrilhoado a uma menoridade perpétua da qual ele não se livra se não muito timidamente, voltando a seguir para esse pequeno lugar. O homem da menoridade não pensa, mas obedece: por todo lado esse é o grito que escuta. Ao invés de pensar, ele deve reproduzir, pagar e acreditar. Sendo por todo lado instado a obedecer, esse homem não pode ser livre, mas ao contrário, “por toda parte ele se depara com a restrição de liberdade”, restrição essa oposta ao ideal iluminista.

Sim, é verdade, diz Kant, o homem enquanto elemento de uma comunidade, enquanto cidadão, não pode, por exemplo, se recusar a pagar os seus impostos, mas deve expôr suas ideias contra a incoveniência e mesmo a injustiça dessa prescrição, da mesma forma que um clérigo, embora obrigado a ensinar o catecismo de acordo com o símbolo da igreja, tem também a missão de expor seus pensamentos sobre o que há de equivocado naquele símbolo.

Todo projeto político que queira conjurar a ampliação do conhecimento e o progresso na ilustração é um crime contra a natureza humana e por isso deve-se recusar tais resoluções. O homem deve afirmar a sua vocação para pensar por si mesmo, porque todo povo destituído de pensamento, é um povo escravo. Ou seja, o homem condenado à menoridade desconhece o que é o movimento livre do pensar e, por conseguinte, de viver. O chamamento de Kant é a emancipação do homem de toda a forma de submissão do pensamento, podendo gozar plenamente da liberdade de se servir de sua razão e de falar em seu próprio nome. Libertação dessa supertutela interminável que eterniza sua dependência e sua pequenez.

A filosofia está sempre por bradar o grito iluminista e ensina que o homem não tem apenas a possibilidade, não tem apenas o direito, mas tem a necessidade de uma liberdade absoluta e irrestrita em todo exercício de pensar. Ter a coragem de ser autônomo no pensamento sem que este esteja submetido a nenhuma autoridade, a nenhum conteúdo, a nenhuma doutrina – eis o que marca a atitude filosófica.

Autor

  • Flavia Bruno

    Doutora, Mestre e Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Professora Adjunto da Universidade Candido Mendes e da Faculdade São Bento do Rio de Janeiro.profabruno@gmail.com.

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