A importância de ideias rejeitadas ou elogio das teorias fracassadas
ARTIGO /
Mario Novello* //
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Quando eu era estudante de doutorado, meu orientador, um famoso professor suíço, tinha o curioso hábito de repetir com certa regularidade desagradável uma frase que ele atribuía ao cientista Wolfgang Pauli – o criador da ideia do neutrino e do spin. Quando ele era consultado sobre um artigo científico e que este lhe parecia errado ou mais do que isso, desprovido de interesse científico, Pauli o desqualificava totalmente referindo-se a ele como “esse artigo não é nem mesmo errado” (it is not even wrong!)
Ou seja, o artigo não consegue sequer se constituir em um trabalho digno de exame ao qual se poderia atribuir um sentido e, consequentemente, a partir de um protocolo técnico, deliberar sobre seu status e eventualmente conduzir a afirmar uma resolução: certo ou errado.
Ao lado da arrogância e pretensão contida nessa frase, eu sempre a considerei basicamente errada e vou dar um exemplo que exibe sua irrelevância e mostra como ela pode ser perigosa, se levada a sério, para o crescimento do conhecimento em geral e, em particular, do científico.
Essa consideração irá nos arrastar inevitavelmente rumo à questão de como tratar ideias que na ciência – e ao tempo em que elas apareceram – não conseguiram sucesso junto a seus pares. Vou fazer isso usando um exemplo bem preciso de uma teoria fracassada no domínio para a qual ela foi elaborada, mas que teve sucesso em outros territórios, aos quais seu autor jamais poderia ter considerado à época.
Esse exemplo – que eu dedico aos jovens cientistas – não deve ser entendido como um elogio genérico das teorias sem sucesso, mas, sim, como uma tentativa de limitar as desagradáveis consequências da arrogância – uma qualidade disseminada na atividade intelectual e em particular nos representantes das ciências exatas.
Hermann Weyl
A proposta idealizada na segunda década do século XX pelo matemático alemão H. Weyl para unificar as forças gravitacionais e as eletromagnéticas baseava-se em um principio que se mostrou completamente errado. A partir da constatação de que é possível interpretar a gravitação como o resultado da ação de corpos materiais e radiações energéticas sob qualquer forma sobre as propriedades da geometria do espaço-tempo, alguns cientistas extrapolaram esse domínio e imaginaram que a outra força de longo alcance – o eletromagnetismo – deveria de modo semelhante ser descrito através de uma mudança, possivelmente distinta, da geometria do mundo.
Partindo dessa hipótese, Einstein, Schrodinger e outros passaram boa parte de suas vidas envolvidos nessa tarefa infrutífera à que chamavam “unificação de toda a física”. Weyl foi também um deles.
O caminho escolhido o conduziu a propor uma mudança nos axiomas que definem uma geometria. Desde a antiguidade, a geometria conhecida se restringia aos ensinamentos de Euclides e seus postulados. Foi somente no século XIX que ocorreu uma alteração das regras que constituíam a tábua fundamental de definição do que deve ser entendido como geometria. Riemann, um estudante do grande matemático alemão Gauss, foi o responsável por terminar com o domínio absoluto da geometria euclidiana. Talvez o principal responsável pelo choque provocado pela estrutura proposta por Riemann se encontre na ausência da positividade da distância entre dois pontos do campo de atuação da geometria.
A geometria euclidiana garante que se dois pontos estão separados por uma distância cujo valor é diferente de zero, então eles são distintos. Quando a distância é zero, pode-se então afirmar que esses dois pontos em verdade são um só e o mesmo. Nada equivalente na estrutura geométrica proposta por Riemann. Segundo ele, uma geometria (riemanniana) pode ser definida de tal modo que a distância entre dois pontos pode ser zero sem que esses dois pontos coincidam. Essa propriedade – surpreendente para o senso comum – resultou ser um poderoso elemento formal e se tornou indispensável para formular de modo simples e elegante a revolução na física que Poincaré, Lorentz, Einstein e outros fizeram no começo do século XX e que se consubstanciou na forma definitiva dada por Einstein em sua teoria da relatividade especial.
A passagem da geometria euclidiana para a geometria riemanniana exigiu uma ruptura violenta, uma revolução de pensamento: o abandono da positividade da distância entre dois pontos. Weyl prosseguiu na desconstrução da geometria euclidiana e elaborou uma geometria distinta da de Riemann no começo da segunda década do século XX. Propôs então outra revolução dentro da revolução (de Riemann), dando origem ao que se convencionou chamar desde então a “geometria de Weyl”. Não vou entrar em detalhes técnicos que distinguem essas duas geometrias, mas para que o leitor possa apreciar, mesmo que limitadamente, o imenso salto dado por Weyl, vamos comentar a propriedade que caracteriza sua proposta.
É verdade que ao abandonar a noção de que a distância entre dois pontos medida por uma régua, através de um dado caminho GAMMA, seja sempre associada a um número real positivo, Riemann se afastou e muito de Euclides. No entanto, nem mesmo ele sugeriu que esse número, o valor medido por um instrumento ao longo de uma dada trajetória, pudesse depender da história da medida, ou seja, depender do caminho percorrido ao longo da separação de dois pontos. Dito de outro modo, tanto em Euclides quanto em Riemann, para ir de um ponto A a outro ponto B, por uma dada trajetória GAMMA, a medida que lhe é designada não depende do modo pelo qual estendo minha régua de A a B. Weyl vai mais longe nessa empreitada de produzir uma geometria e faz com que o próprio aparatus de medida dependa da trajetória pela qual se vai de um ponto a outro. Isto é, uma régua que possui uma unidade de distância – digamos, L – ao ser transportada, mesmo que por uma distância pequena, Delta-x, sofre uma variação na sua unidade de medida de um valor Delta-L, que depende do valor que possuía L, da distancia percorrida Delta-x e de uma função típica da geometria de Weyl.
E quem seria responsável por essa esdrúxula, fantástica e misteriosa variação? Segundo Weyl, o aparatus de medida dessa distância estaria sofrendo uma ação física. Seria precisamente a existência de um estado de tensão incrustado na geometria que estaria controlando essa dependência. E quem seria o responsável por essa tensão? Quem exerceria essa ação subrepticia no mundo? Weyl responde: o campo eletromagnético!
Assombroso? Espantoso? Delirante? Talvez. Mas igualmente brilhante e imaginativo. E para quem esses qualificativos pareçam deslocados de um tratamento cientifico rigoroso, é suficiente apontar o inesperado: sim, é possível estabelecer uma geometria formal consistente e poderosamente eficaz, isto é, operacional, a partir dessa ideia original de Weyl.
Vamos abandonar esse caminho formal que nos levaria a adentrar a história da geometria e retornemos à física para entender o insucesso da proposta de Weyl da unificação das interações eletromagnéticas e gravitacionais. A razão para esse fracasso veio de várias frentes e, em particular, devido à observação de que diferentes partículas que possuem carga elétrica têm massas distintas. Ora, o sucesso da teoria geométrica da gravitação estava associado ao fato de que a razão entre a carga gravitacional (também chamada massa gravitacional) e a massa inercial das partículas é uma constante universal e a mesma para todos os corpos.
Ademais, se o processo de interação eletromagnético estivesse marcado na geometria do mundo e fosse uma propriedade dessa geometria, então ela deveria ser universal, ou seja todos os corpos deveriam interagir eletromagneticamente. Ora, sabe-se que existem partículas – por exemplo, os diferentes tipos de neutrino – que não interagem eletromagneticamente, por não possuírem essa qualidade especial: a carga elétrica. Embora Weyl tenha proposto um modo habilidoso de contornar essas dificuldades, a comunidade científica rejeitou sua proposta. Ela permaneceu no domínio científico como uma curiosa generalização formal da geometria com propriedades notáveis. Em particular, a geometria de Weyl possui uma qualidade essencial que o eletromagnetismo longe de fontes possui e que chamamos invariância conforme. De modo simples, essa propriedade nada mais é do que a generalização local da conhecida propriedade de transformação de escala. Ora, o campo eletromagnético livre é com efeito invariante por transformações de escala dependente de posição. Mas a existência dessa característica não é suficiente para arrastar todo o processo eletromagnético para o território geométrico. Pelo menos, não do modo simples concebido por Weyl. Como ela não desempenhava um papel na representação do mundo observável, os físicos decretaram o desterro da geometria de Weyl para os confins ideais do território abstrato da matemática.
Origens do mundo quântico
O que permitiu aos fenômenos quânticos adquirirem um fascínio especial e com isso atraído o grande público, depende de um aspecto misterioso que envolve suas características e exala de sua formulação original associada ao que os físicos chamaram “função-de-onda”. Segundo Bjorn Johnson, em seu discurso de apresentação do prêmio Nobel de 2012, “no mundo quântico, luz, átomos, núcleos e partículas elementares são todos descritos como sendo partículas e ondas” (in the quantum world, light, atoms, nuclei and elementary particles are all described as being both particles and waves). É nesse território que se instituiu a aura de encanto que cerca essa função, suas propriedades inusuais que permitem associar aspecto dual às coisas, podendo um mesmo corpo evidenciar seu comportamento ora como uma verdadeira partícula se propagando no mundo material, ora como uma onda se propagando em um “espaço de Hilbert” inacessível e cheio de intenções impossíveis de não serem qualificadas como “transcendentais” pelos não iniciados. Mesmo entre os físicos, a autoritária interpretação de Copenhagen que afirma propriedades do quantum inaceitáveis na realidade cotidiana, mantém um importante resquício misterioso associado à ausência de representação pictórica. Ou seja, para que possamos acessar o mundo quântico é indispensável a presença de um observador externo. É esse observador, descrito pelas leis da física clássica, que impõe ao mundo quântico esse caráter eclético manifestado por aquela dualidade. É ele que fixa os limites onde o quantum pode dominar.
deBroglie e Bohm
A grande maioria dos cursos convencionais dos institutos de física restringem-se à essa interpretação do mundo quântico estimulada pela chamada Escola de Copenhagen. A principal razão para isso é pelo menos curiosa: os usos da física quântica, em sua quase totalidade, não exigem sequer uma análise nem mesmo a exibição das características interpretativas que lhe são associadas. Dito de outro modo: diferentes interpretações que o físico pode usar ao tratar do mundo quântico não interferem sobre os resultados observacionais. Esses resultados são passados à linguagem convencional através de um protocolo que o desobriga a exibir suas origens.
A existência de várias interpretações alternativas da mecânica quântica não impõe sua ação, não tem consequências obrigatórias. Elas são consideradas ou tratadas como irrelevantes para o conjunto de experiências e observações realizadas no mundo quântico. A necessidade de existir um observador externo a todo sistema quântico e que constitui uma característica fundamental imposta pela interpretação de Copenhagen, aparece no corpo da teoria como natural, sem necessidade de exame crítico ulterior.
No entanto, existe pelo menos um sistema no qual essa interpretação esbarra com uma dificuldade de princípio insuportável. Os cientistas construíram um universo que é uma totalidade clássica, basicamente controlado pela interação gravitacional. Seria possível imaginar uma totalidade quântica, isto é, um sistema quântico identificado com o universo? Somos levados à alternativa: ou o mundo quântico não pode ser aplicado ao universo entendido como um sistema convencional de exame ou então o observador externo, exigido por Copenhagen para dar sentido ao processo de observação, deve ser substituído por um outro operador. De qualquer modo, devemos estar preparados para ir além da interpretação de Copenhagen.
Há várias outras possíveis interpretações. Dentre essas quero me deter aqui em um comentário sobre uma delas, proposta originalmente pelo físico de Broglie e desenvolvida mais tarde por David Bohm1. Para o que nos interessa aqui é suficiente argumentar que Bohm conseguiu mostrar que existe a possibilidade de entender o mundo quântico como um processo descrito em termos de corpos reais se movimentando no mundo – como na interpretação clássica da física –, desde que se fizesse a (até certo ponto inesperada e igualmente misteriosa) hipótese de que existe, no mundo microscópico uma força universal – que não tem a natureza de nenhuma força conhecida – que atua igualmente sobre tudo que existe e que é derivada de um potencial, chamado por ele de potencial quântico e denominado pela letra Q.
Ou seja, se admitirmos essa força universal, a interpretação de Bohm-deBroglie da mecânica quântica não requer nenhuma função de onda misteriosa e tem como consequência direta o fato de que o mundo quântico admite uma descrição clássica, através de corpos com posição definida e trajetórias reais, sem nenhuma novidade esdrúxula para o senso comum. Na verdade, trata-se de uma operação de câmbio: troca-se o enigma da função de onda pelo mistério da origem do potencial Q.
Q-wist
A ideia de produzir uma geometria de Weyl restrita a uma só função apareceu nos seus primórdios. No entanto, essa restrição era totalmente ineficaz para aquilo que Weyl esperava dessa geometria, pois uma de suas propriedades implicava que essa restrição só ocorre na ausência do campo eletromagnético!
Foi somente quando essa geometria começou a ser desenvolvida em outros ambientes físicos que essa restrição exibiu o imenso potencial que ela trazia para descrever situações e processos de natureza distinta daquela original imaginada por Weyl. Em particular, essa propriedade permite contornar a dificuldade de definir localmente uma régua, pois na geometria geral de Weyl ela dependeria do caminho até o seu local de medida. Com efeito, como a restrição da geometria de Weyl a um wist faz intervir somente uma função, segue que em uma trajetória fechada – a condição de poder definir localmente uma régua sem a ambiguidade de sua história –, a integral dessa variação é zero.
Usando essa propriedade chegou-se a produzir uma explicação natural para aquele potencial quântico. Interessa-nos aqui somente o seu resultado. Os passos intermediários para chegar até ele podem ser seguidos na referência. Resumindo, podemos que os efeitos quânticos sobre uma partícula podem ser interpretados como se houvesse uma modificação da natureza euclidiana da geometria do espaço tridimensional de uma forma especial: a geometria wist que Weyl criou. A demonstração desse resultado permite entender a origem das estranhezas quânticas como nada mais do que consequências da modificação da geometria.
A geometria euclidiana tem suas origens nas medidas concretas de áreas, terrenos, volumes, garrafas, vasos. Ao se estabelecer como ciência, seu sucesso permitiu a extrapolação para todos os níveis da realidade e em todas as situações possíveis, desde o nível da dimensão humana, onde ela se originou, para o mundo superior da astronomia e da totalidade do universo, bem como para baixo, até o nível elementar, atômico, microscópico, para todos os observadores, independentemente de seus estados de repouso ou movimento.
No início do século XX a teoria da relatividade especial limitou sua utilização e instaurou o domínio de uma rígida geometria riemanniana para corpos em movimento. A teoria da gravitação – teoria da relatividade geral – quebrou a rigidez da estrutura riemanniana, mas preservou a geometria do mundo como riemanniana.
E no microcosmos? A Escola de Copenhagen não via nada de geometria no mundo quântico. Ali é o território da função de onda. Foi a crítica dessa crença generalizada e o sucesso da interpretação de Bohm que permitiu empreender esse passo inesperado e tratar de uma geometria distinta da hipótese que extrapolava a geometria euclidiana para reger as distâncias no mundo microscópico.
Ao realizar que ali também a geometria deveria ser alterada, mostrou-se que a força quântica aparece para compensar o erro que se faz ao aceitar que no mundo microscópico perdura a estrutura euclidiana da geometria. Ao aceitar que a estrutura ali é de um wist, tudo se esclarece e deixa de ser misterioso: o potencial de Bohm-deBroglie nada mais é do que a curvatura da geometria especial de Weyl, o wist.
Ou seja, a geometria euclidiana ao ser extrapolada para além das estruturas da dimensão humana produziu uma imagem falsa do mundo. A relatividade especial exibiu esse erro euclidiano para altas velocidades (comparadas com a da luz); a relatividade geral também exibiu esse erro euclidiano ao examinar processos gravitacionais intensos gerados por grandes massas e/ou altas energias; e o erro aparece da mesma forma na teoria quântica na versão deBroglie-Bohm, ao mostrar que os aspectos formais e inusitados da função de onda podem ser entendidos pela modificação da geometria no mundo quântico para uma geometria de Weyl especial.
Assim, reconhecemos que embora a geometria de Weyl não sirva para unificar os campos eletromagnético e gravitacional, ela permite dar um enorme passo na compreensão dos processos quânticos.
Talvez fosse conveniente informar ao leitor que além dessa utilização da geometria de Weyl ao nível microscópico, vários cientistas desenvolveram cenários nos quais o mundo macroscópico, o universo em sua totalidade, seria controlado por uma estrutura especial do tipo de geometria proposto por Weyl. Mas isso eu deixarei para contar em outro lugar.
Epilogo
O exemplo que apresentei aqui se limita a mostrar o uso de uma ideia construída em um território para uma função especifica (fracassada) e quando utilizada em outro território (inesperado) resulta ser extremamente fértil. Ela provoca também a questão de saber se devemos definitivamente concluir a falsidade da crença de que existe somente um modo de descrever a realidade, um só modo de entender os processos físicos, ou seja, decidir se os cientistas estão construindo uma (representação da) realidade ou desvendando-a.
Esse comentário trata da arrogância e da atitude científica. Tem ele, no entanto, uma pretensão escondida, que espero desenvolver em outro lugar, e que consistiria em incitar, a partir dele, uma reflexão mais ampla, começando com um alerta aos jovens cientistas, cuja síntese poderia ser apresentada da seguinte forma.
Desde o seu movimento inicial, na aurora da ciência, os astrônomos instituíram um modo científico eficaz de representar a natureza. Sempre soubemos que ainda aqui deveríamos estar atentos, pois nunca se tratou de um diálogo. Koestler chamou – de modo muito feliz – esses primeiros desbravadores, Brahe, Kepler, Newton e outros, como “sonâmbulos”. Descobrindo conexões ou inventando-as no escuro, tateando. Esse caminho tradicional, histórico, tortuoso, tatibitate, no qual reconhecemos o procedimento humano, verdadeiramente humano, conduziu a algumas certezas sobre o mundo. Certezas provisórias, como sempre. A partir delas foi oferecida uma visão científica do mundo travestida de versão oficial da realidade. Esse saber sem consequências, ou melhor, sem objetivo aparente, esse sentimento grandioso de projetar a configuração do universo, que beirava a êxtase religiosa, permanece atual? Podemos afirmar que os cientistas continuam a seguir esse caminho? Existe ainda algum resquício de maravilhamento, mesmo que escondido, latente?
O sistema capitalista altamente desenvolvido e global a que estamos inseridos nesse século, o modo pelo qual se organiza o conhecimento científico hoje, as necessidades e funções para as quais ele está sendo orientado, sua falta de pudor na dependência das tecnologias associadas que opera um movimento destruidor em seu entorno, aponta para o aparecimento de um outro caminho. É difícil precisar com rigor essa nova forma e o alcance de sua ação na geração de uma visão do mundo, pois essa estrutura está em formação, limitando-se ainda ao território dos símbolos. No entanto, não é difícil antever como esse movimento se realiza na prática contra o individuo, numa tentativa irresistível de ofuscar a tradição científica, encurralando-a ao isolamento. Apontando-a ironicamente como a fantasia trágica, romântica, à sombra de um ideal perdido. Restaria ao sonâmbulo moderno a tarefa heróica de produzir um caminho próprio e permanecer quietamente enclausurado numa edição fantasmagórica de arremedo de um solipsismo divino.
Há também um aspecto trivial em nossa questão que decidi não desenvolver aqui, mas que merece pelo menos um comentário. Ouvimos falar que quando o sábio aponta a lua, o idiota olha o dedo. Somos conduzidos a pensar na ingenuidade do idiota que não consegue enxergar a grandiosidade do que lhe está sendo ofertado por aquele que conhece. O sábio que sabe mais e que olha para os céus, que oferece a lua, que se estabelece além do cotidiano terrestre é identificado com a grandiosidade do espírito. É assim que identificamos a ciência e o que se espera dela: exibir uma grandiosidade que já está aí, que existe no mundo. Mas a arrogância do sábio lhe impede de ver que seu dedo faz parte da teatralização do que ele quer informar. Ambos estão envolvidos num mesmo jogo cênico. Não comete erro o idiota que, ao invés de olhar a lua, fixa seu interesse no dedo do mestre. Não deve estranhar essa atitude o verdadeiro sábio, que não se perde no encantamento dos céus, ao refletir sobre o que existe.
Mas não podemos deixar de reconhecer que há, afinal, um estado de tensão que os separa: a atenção. Os dois, o sábio e o idiota, têm interesses distintos. Olham diferentemente para aquilo que está mediando seu contato. No entanto, com um pouco de paciência e neutralidade, é possível reconhecer que cada um representa adequadamente seu papel conforme sua escolha.
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*Mario Novello é comólogo do Instituto de Cosmologia Relatividade e Astrofísica (ICRA/CBPF), no Rio de Janeiro.
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Referências
NETO, Nelson Pinto. Teorias e interpretações da mecânica quântica – Coleção Tópicos de Física do CBPF. Ed. Livraria da Física: São Paulo, 2010.
ELBAZ, E. Quantique pour um profane. Ed. Atlântica: Paris 2001.
SALIM, J. M. Algumas questões cosmológicas. Cosmos e Contexto, Rio de Janeiro, n. 6, maio 2012.
NOVELLO, M.; SALIM, J. M; FALCIANO, F. T. On a geometrical description of quantum mechanics. International Journal of Geometric Methods in Modern Physics, v. 8, n. 1, p. 87-98, 2011.
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1 O fisico David Bohm sofreu perseguição política em seu país e foi levado a passar um período no Brasil onde conseguiu um passaporte brasileiro que lhe permitiu viajar sem sofrer impedimentos legais, Quando finalmente foi-lhe retornada a condição de sua livre circulação na Europa, manteve seu passaporte brasileiro e sua condição como tal, explicando: “um pais que me acolheu e deu asilo em um momento difícil, não pode ser jamais esquecido”