Esquizoanálise & borogodó
mas o povo cria mas o povo engenha mas o povo cavila o povo é o inventalínguas na malícia da maestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia azeitava o eixo do sol pois não tinha serventia metáfora pira ou quase o povo é o melhor artífice no seu martelo galopado no crivo do impossível no vivo do inviável no crisol do incrível do seu galope martelado e azeite e eixo do sol
“Galáxias”, Haroldo de Campos
Vem menina, entra na roda
Aprende que isso tá virando moda
Ai, garoto eu tô com medo
Vou aprender contigo mas isso vai ser segredo
Agora todas faz uó, faz uó, faz uó
“Faz uó” Banda Uó
É possível cultivar uma clínica genuinamente brasileira? Para desdobrar essa pergunta, é preciso, de um lado, minimizar a concepção de uma clínica europeia, que decreta a priori o que é “psiquismo” e, por desdobramento, suas noções de “saúde” e “doença”, cujos procedimentos evocam uma conceituação dualista insistente ao longo do pensamento ocidental, que se instalou no Brasil de modo colonizador, ou seja, reforçando um modelo que muitas vezes é inadequado para apreender com mais precisão um “psiquismo” local; de outro, é preciso produzir novos movimentos, devires estranhos ao modo estereotipado de conceituação ocidental. Vamos então, habitar, modular e expandir as potências de exercer uma clínica genuinamente abrasileirada.
Devires-borogodó:
O borogodó nos servirá de trampolim para se pensar a singularidade brasileira. “Borogodó” é um termo brasileiro sem uma etimologia conhecida, geralmente associado a atributos ligados ao charme, jogo de cintura, erotismo, mas às vezes relacionado também a algo caótico, encrenca etc. Cada brasileiro possui uma definição própria de borogodó, mas a despeito da instabilidade de seu campo semântico e de certa ambiguidade conceitual – a expressão “o ó do borogodó” por exemplo, é tanto usada para falar sobre algo muito bom ou muito ruim (sobretudo em sua contração “uó”), dependendo de quem a enuncia – (Santos, 2018), toda vez que ele é enunciado, evoca um sorriso malicioso. Para nós, o borogodó é uma expressão exemplar da singularidade brasileira, nem puramente ocidental, nem somente oriental, de modo a coexistir charme, potência e certa proficiência no caos.
No entanto, é o próprio borogodó que permite evitar uma universalização do que é “ser brasileiro”, transduzindo esse ser longe da essência para devires-brasileiros múltiplos, que não se absolutizam na malandragem carioca, na brejeirice mineira, no arretado dos baianos, para citar poucos exemplos; ou seja, é da própria natureza do borogodó impossibilitar uma ditadura do borogodó.
Alguns platôs nos ajudam a apreender, ainda que de modo fugidio, o borogodó: a ninguendade, o saci e o sertão.
O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro (2013) cunhou seu vívido conceito de ninguendade em sua obra-prima, O povo brasileiro. A ninguendade consiste no estatuto do brasileiro que nasce do ventre da mãe indígena, a partir de relações com europeus e africanos, mas não sendo reconhecido por nenhuma das etnias originais, ou seja, negado pelos indígenas, pelos negros e pelos brancos, sendo obrigado a criar seu próprio imaginário a partir de si mesmo. Eis nossa tragédia e nossa potência: se Darcy quer refundar um processo civilizatório, nós temos outros desejos, que são conjurar vibrações para um povo porvir, para além do processo civilizatório, mas, a partir das heranças de seus antepassados, criando outros modos de devir.
O saci é uma lenda do folclore brasileiro, que consiste em uma mistura de lendas indígenas, africanas e portuguesas, aparecendo geralmente como um jovem negro com capuz vermelho, de uma perna só, movendo-se num redemoinho. É brincalhão, gostando de confundir pessoas na floresta com seus assobios, além de fazer tranças nos animais, trocar açúcar pelo sal na cozinha etc. O saci é constantemente atualizado na mídia brasileira, seja pelo Sítio do Pica Pau Amarelo de Monteiro Lobato, em suas versões literárias e televisivas, nos quadrinhos de Ziraldo, A turma do Pererê, e na recente série do streaming, Cidade Invisível, para citar exemplos mais recorrentes.
Já o sertão foi colocado no mapa conceitual do Brasil por Euclides da Cunha (2002) em seu Os Sertões. Nele, era descrito o vórtex singular que os sertões expressam: uma singularidade geográfica (o próprio sertão), biológica (o sertanejo) e política (Canudos). Apenas a junção de todos os exércitos do Estado brasileiro pôde derrotar a experiência criativa anarco-comunista que era a comunidade de Canudos (Lopes e Lima, 2018), apesar da história delegar ao Conselheiro o atributo de monarquista. Se Conselheiro carregava originalmente um discurso monarquista, sua prática comunal em Canudos estava muito longe disso. O vórtex-sertão ganharia um singular desdobramento com um dos mais cultuados romances brasileiros, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (2006), de modo que nele se instalaria singularidades linguísticas, na prosa única de seu autor, criando neologismos e novas sintaxes. A singularidade audiovisual dos sertões seria expressa com esplendor no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, sendo a grande obra do Cinema Novo brasileiro.
Se Darcy Ribeiro dialoga com a antropologia ocidental, criando um modo de pensar local, Euclides da Cunha traz muitas teorias europeias, inclusive racistas, mas faz um relato jornalístico com características da mais elaborada literatura, sofisticando um campo singular de pensar o que é o brasileiro. Já Guimarães Rosa, tendo lido as grandes obras internacionais, sendo parcialmente influenciado pelo fluxo de consciência dos irmãos James, vai criar aqui uma literatura muito própria. Glauber Rocha, por sua vez, estará em ressonância com as grandes produções cinematográficas mundiais do pós-guerra, como a Nouvelle Vague francesa e o neorrealismo italiano, mas, claro, produzindo aqui algo único. O saci é uma bela expressão dessa mistura que produz novidades, sendo ele inspirado em outras lendas estrangeiras, mas emergindo aqui de um modo peculiar, usando o vórtex brasileiro como seu móvel. O que a ninguendade, o saci e o sertão trazem de novo? Tal novidade é de difícil conceituação, nada mais justo dizer que as singularidades deles, expressas de modos diferentes, porém, ressoantes, trazem elementos do borogodó.
Que clínica?
Quando a clínica psicológica se instala no Brasil, ela chega, naturalmente, impondo sotaques europeus, via psicanálise, e norte-americanos, via uma clínica behaviourista, que se desdobra em uma psicologia cognitivista, cada vez mais agenciada com a neurociência.
Por sua vez, a esquizoanálise, criada por Deleuze e Guattari (2010) em O anti-Édipo, aterrissa por aqui muito agenciada pela psicanálise, salvo pequenos grupos mais autônomos. Se as linhas criadas por Skinner, Freud, Jung, Lacan etc., encontraram abundantes instituições universitárias e de formação para se abrigarem e se difundirem, a esquizoanálise tendeu a uma participação menor, menos institucionalizada, “para além do Bem e do Mal”. Enquanto as psicologias e psicanálises se constituíam no esplendor da cultura ocidental, a esquizoanálise, por sua vez, carregava traços de uma contracultura, elencando, a partir da filosofia da diferença, um pensamento imanente, crítico aos dualismos que se multiplicam ad infinitum no pensamento ocidental. Se a esquizoanálise insiste muitas vezes como um corpo estranho nas discussões psicanalíticas, perdendo seus traços mais radicais e potentes, é em um território mais livre que ela atinge seu esplendor no Brasil.
Vamos aqui, evitar a diatribe de comparar esquizoanálise com outras linhas clínicas, assunto muito debatido em outras esferas. Os temas esquizoanalíticos que mais nos interessam, em detrimento das outras linhas, serão abordados quando o contexto pedir.
Cabe agora a questão: como a esquizoanálise, em sua potência agenciadora de devires estranhos e potentes, pode ajudar a emergir uma clínica brasileira, ou melhor, uma clínica atravessada por devires brasileiros, sem cair no fácil vício da universalização?
Borogodóanálise?
Cabe a atenção ao paradoxo que, inevitavelmente, nos instalamos: podemos pensar uma clínica eivada de brasileiridades agenciando-se tão explicitamente com conceitos de uma proposta europeia, a saber, a esquizoanálise? Sim, se apreendemos a esquizoanálise enquanto um trampolim para a emergência de uma clínica com borogodó e cientes de que a esquizoanálise se alimenta da filosofia da diferença, em que seus intercessores são pensadores cujas radicalidades são postas em ressonância, compondo um complexo conceitual estranho às universalidades ocidentais: os devires estoicos, a imanência spinozista, as dobras leibzinianas, os intensivos bergsonianos, as metamorfoses kafkaístas, as esculturas temporais cinematográficas em Tarkovski etc. Além disso, as separações dualistas de sujeito e objeto são postas em questão tanto pelo superjecto de Whitehead (1978) quanto pelo campo relacional em Bergson (1999), culminando no conceito de rizoma deDeleuze e Guattari (1995), cuja malha articula um ponto com qualquer outro, expressando uma crítica contundente à representação e transcendência, sendo uma espécie de modelo que escapa de si mesmo; ou seja, estamos habitando um contínuo transespacial e transtemporal em que não há partes isoladas, mas coágulos, emaranhados, vórtexes que ressoam com o todo em aberto, de modo que o ser se transduza em devir, que aqui se expressa no ser-tão/ser-Tao brasileiro.
Um bom exemplo de emergência de um “não-sujeito” brasileiro, expressando a ninguendade, vai emergir nas pororocas do escritor Paulo Leminski, sobretudo a partir de seu romance em prosa poética Catatau.
Leminski é normalmente considerado o maior poeta marginal brasileiro, no entanto, ele vai muito além em seus conceitos, expressos em artigos, cartas e livros. Em seu Metaformose, escrito em 1987, Leminski (1998) prefigura alguns anos antes as caoides cunhadas em O que é a filosofia? por Deleuze e Guattari (1992), ao escrever: “mito (fábula), conceito e número: esses os três instrumentos com que a mente humana procura colocar ordem no caos desconexo dos fenômenos”. Apreendendo aqui o caos enquanto o indiferenciado, impensável, inominável, que pulsa no limiar da percepção. Leminski anuncia o que apareceria anos depois na obra dos franceses como as caoides “arte”, “filosofia” e “ciência”, respectivamente.
Já em Catatau, o próprio Leminski avisa: “entra novidade no insistema”. Aqui, o vórtex do sertão de Euclides da Cunha e Guimarães Rosa desdobra-se nas Galáxias de Haroldo de Campos e chega em seu extremo: a narrativa, um fluxo de consciência poético, expressa um Descartes que veio ao Brasil pela companhia de Maurício de Nassau. Em Pernambuco, o filósofo fuma um baseado, cuja experiência resulta na egotrip descrita no livro. Temos em Catatau a melhor expressão de um pensamento europeu transduzido pelas atmosferas tropicais:
Um, dois, trans…! Toco o pau no Ser: incorpora meus golpes à sinfonia dos seus contrastes, que inclui no mesmo tópico – os inventários longínquos, as desavenças dos sinópticos, os trancos que vêm aos barnabés de barrancos, as pororocas!
A “mundividência” de Leminski é atravessada por pororocas não só em Catatau, mas também em artigos e cartas. Temos aqui um tópico sensível para nossa proposta de uma clínica com borogodó.
Em artigo anterior (Job, 2021), conceituamos a pororoca como o esplendor do exercício brasileiro em relacionar saberes. Mais do que simplesmente estabelecer ressonâncias ao longo de, digamos, filosofia, literatura e clínica, fazer pororoca – termo indígena que expressa a confluência das ondas do mar com as ondas do rio – é confluir saberes habitando as ondas da pororoca para surfar rumo ao impensável, ao inominável, podendo ou não trazer alguma novidade, um novo conceito, uma nova poética, mas indiscutivelmente trazendo uma nova experiência. Leminski surfou a pororoca e nos trouxe não apenas Catatau, mas inúmeros poemas, conceitos e propostas inovadoras para a literatura, música e pensamento brasileiros.
Se em Catatau, a pororoca brasileira transduz o pensamento cartesiano em prosa poética, em que desaguaria por aqui a esquizoanálise, ou dito de outra forma: como faremos emergir uma clínica da ninguendade, com todo o borogodó, que se possa dançar? Para isso, precisamos apreender a intimidade brasileira com o caos.
Pororocaos
Darcy Ribeiro diz que, a partir da ninguendade, o brasileiro é “um povo, até hoje, em ser, na dura busca de seu destino”. Se o brasileiro ainda não se constituiu plenamente é porque trata-se claramente de um processo, não apenas civilizacional, mas de constituição de um imaginário, de expressões, que vão além do civilizacional. Está claro que Darcy sonhava o Brasil como um novo processo civilizatório, no entanto, se apreendemos a brasileiridade enquanto um processo que vai além do civilizacional, é para conceber inomináveis, para a formação de um povo, um povo porvir.
Se Leminski prefigurou as caoides de Deleuze e Guattari, é porque temos intimidade caótica, um dos elementos-chave do nosso borogodó. Para os franceses, as caoides crivam o caos: a arte emoldurando o caos através de perceptos e afectos, a filosofia explicando o caos através de conceitos e a ciência explorando o caos através de funções. No entanto, para os brasileiros, pode-se facilmente reivindicar em quase toda sua periferia e além, uma quarta caoide: a mística.
A caoide mística modula o caos através de vibrações. Mas cabe aqui uma ponderação: a emolduração, a conceituação e a exploração das caoides deleuzianas passam necessariamente por modulações, de modo que a modulação da mística – que vai da meditação mais sutil à densidade do cavalo das religiões afro-brasileiras -, traz uma maior plasticidade e é essa plasticidade mais intensa que permite uma maior intimidade com o caos.
Claro está que existem místicas para além do Brasil. No tocante do ocidente, cabe a precisão que a etnografia de Tanya Luhrmann (1989) nos traz: os bruxos e bruxas ingleses alocam a magia em um campo transcendente, deteriorando séculos de mística imanente de seus antecedentes medievais. Também existem místicas em vários xamanismos ao longo do planeta, mas estamos particularmente interessados na nova mística brasileira, uma novidade que emerge a partir de xamanismos, bruxarias europeias, espiritismos de toda a sorte, o cristianismo multifacetado e então, a pororoca se apresenta enquanto mediunidade vibracional, ao mesmo tempo ectoplásmica, intensiva e percussiva.
Tal mística auxilia a brasileiridade – “mais alegre, porque mais sofrida”, como diria Darcy Ribeiro – a lidar com o caos social, financeiro, tecnológico, educacional, político etc. A mística, nos moldes brasileiros, nem tão institucionalizada e exercida em variados níveis de consciência, é, sem dúvida, um ingrediente do nosso borogodó.
O tópico da mística traz a primeira questão importante para repensar uma esquizoanálise atravessada por brasileiridades: o secularismo.
Diques no devir
Agora que apreendemos as singularidades que constituem a brasileiridade, sem, é claro, esgotá-la, vamos elencar alguns empecilhos para o cultivo de uma clínica com borogodó: o secularismo, o estruturalismo, a polarização política e a negligência em relação à indissociabilidade entre educação e clínica. Acerca do secularismo, cabe uma breve advertência: claro que ele está presente no Brasil, mas de modo muitas vezes ambíguo, no melhor estilo “yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay” …
Nossa questão é: como ressoar a esquizoanálise com o borogodó, que passa por uma mística onipresente no Brasil? Para isso, vamos evidenciar o que há de místico na esquizoanálise.
Acerca da comunicação dos inconscientes comentada em O anti-Édipo, Deleuze & Guattari vão comentar como o ocultismo é tema importante nesse tópico para Spinoza, Bergson, Freud etc. Mas o que é um breve comentário na obra citada se expandirá intensamente se olharmos com cuidado a obra em geral de Deleuze. Segue trecho do nosso artigo “O rizoma de Yuggoth” (Job, 2022b), em que desenvolvemos esse aspecto:
O orientador de Deleuze em Diferença e repetição foi Maurice de Gandillac, filósofo especialista e tradutor de pensamento medieval, tendo traduzido, entre outros, Pseudo-Dionísio (o Aeropagita) e Nicolau de Cusa. Deleuze escreve o artigo “Os rincões da imanência” em sua homenagem, mencionando os dois citados e Mestre Eckhart. O jovem Deleuze de vinte e um anos escrevera o artigo “Do Cristo à burguesia”, dedicado a Marie-Magdalène Davy, filósofa, teóloga e esotérica, publicado em 1946. No mesmo ano, Deleuze, a pedido de Davy, escreve o prefácio “Matese, ciência e filosofia” para o livro Estudos sobre a mathesis ou anarquia e hierarquia da ciência, de Johan Malfatti von Montereggio (2012), médico e místico alemão, que escreveu o original em 1845. Nesse prefácio, percebe-se já um Deleuze monista, escrevendo sobre a “unidade na diversidade” e “O êxtase não passa justamente da realização pelo qual o indivíduo se eleva ao nível da espécie”. O livro de Montereggio, por sua vez, possui passagens que parecem prefigurar tanto conceitos peculiares acerca do cérebro concebido por Deleuze e Guattari, como o transindividual. (…)
O filósofo inglês Joshua Ramey, em seu livro The Hermetic Deleuze, realiza uma recuperação mística em vários intercessores de Deleuze, passando pelos principais, como Bergson (com sua concepção de que o universo é máquina de produzir deuses), Spinoza, mas passando também por Nicolau de Cusa e Plotino – Deleuze dirá em uma de suas aulas sobre cinema: “Plotino é extraordinário, é um dos maiores filósofos que já existiu.” –, para afirmar que “o pensamento sistemático de Deleuze não é totalmente compreendido sem situá-lo na tradição hermética”, de onde derivam todos esses intercessores. Para Ramey, as questões de intensidade, de reversão do platonismo e de devir mostram claramente isso. Ramey não cita Simondon, mas este está a todo o tempo de sua obra remetendo-se à espiritualidade. Poucos dos seus comentadores, os do campo deleuziano inclusos, mencionam isso. Simondon vai dizer que a espiritualidade é a significação da coerência de outro e do mesmo numa vida superior: uma relação entre individuado e pré-individual, uma sinergia. (…) Simondon também vai dizer que “a técnica e a religião são herdeiras da magia”. “Técnica e religião são contemporâneas uma da outra e, consideradas separadamente, ambas são mais pobres que a magia, da qual saíram.”
Entre os autores citados por Deleuze e Guattari em Mil Platôs está o
antropólogo Carlos Castañeda, que relata seus encontros com o bruxo
Don Juan Matus e seu nagualismo, cujos componentes ressoam com a ontologia bergsoniana: o tonal (mundo normalmente perceptível) e nagual (mundo sutil) de Don Juan com o atual (o presente do sensório motor) e virtual (a memória e a consciência) de Bergson, respectivamente.
Também em Mil Platôs, Deleuze e Guattari citam a ioga como exemplo de criação de Corpo sem Órgãos (CsO). No verbete “Rizoma”, acerca das “multiplicidades anômalas, nômades, em devir, de transformação” eles dizem que “do ponto de vista da pragmática, é a bruxaria que as maneja”. Finalmente, é em O que é a filosofia?, que surge a afirmação sugestiva de que “Pensar é sempre seguir a linha de fuga do voo da bruxa”.
Apreendemos que, sendo a esquizoanálise uma pragmática da filosofia da diferença, ela ressoa muito mais profundamente com a mística do que usualmente se considera, de modo que consideramos um desdobramento natural a criação de uma quarta caoide mística.
Acerca do problema do estruturalismo, ele já começaria com seu próprio secularismo, mas estende-se ao modo majoritário com que a filosofia da diferença se relacionou com a antropologia no Brasil, que consideramos equivocado. Traremos um trecho do nosso já citado artigo “Pororoca”, em que esse equívoco é descrito, entendendo que os citados transaberes a seguir expressam nossas conceituações:
A antropologia estruturalista, desde seu início, tenta trazer uma suposta “boa vontade” com o imaginário dos povos indígenas. No entanto, é apenas uma forma de garantir as crenças iluministas diante da magia desses povos. É emblemático o caso do artigo “O feiticeiro e sua magia”, de Lévi-Strauss. Nele, o criador da antropologia estruturalista legitima a eficácia da magia do xamã pelo sistema de crença indígena, sobretudo pelo fato de o próprio amaldiçoado pelo xamã acreditar na maldição, assim como a própria tribo, o que faz com que todos o evitem e deixem ele cada vez mais doente e miserável, levando-o à morte. Lévi-Strauss compara esse sistema de crença com a eficácia do paciente na psicanálise, dando a deixa para Lacan fundar uma psicanálise estruturalista.
Todas essas explicações de Lévi-Strauss são coerentes e as levamos em conta para apreender o fenômeno xamânico, no entanto, elas visam eliminar o mais importante: o campo relacional ao longo do xamã e seu amaldiçoado. Nos transaberes, assumimos que as ressonâncias vibracionais entre eles existem e legitimam o ato mágico enquanto mágico. As explicações secularistas da antropologia estruturalista são apenas complementares a esse campo que é vibracional e, de fato, mágico.
Se a psicanálise tenta por inúmeras vezes ludibriar as críticas da esquizoanálise, a antropologia brasileira criou uma intrincada conceituação estruturalista com temperos supostamente deleuzianos, o “perspectivismo ameríndio”, mas mantendo a descrença iluminista, agora adornada de conceitos deleuzianos aplicados de forma questionável.
O perspectivismo surgiu a partir da etnografia de Tânia Stolze Lima com o povo guarani Yudjá ou Juruna, do Parque do Xingu, canoeiros e produtores de cauim, bebida alcoólica produzida a partir da mandioca ou do milho. Talvez por machismo na academia, talvez por mais eloquência, o perspectivismo é mais conhecido por e atribuído ao orientador de Lima, Eduardo Viveiros de Castro. O perspectivismo aplica na etnografia uma concepção própria da Monadologia do filósofo alemão do século XVII, Leibniz, com uma noção de crítica ao dualismo de natureza e cultura proposta pelo filósofo católico Bruno Latour. Parte-se do princípio de que a humanidade é o critério de igualdade para os ameríndios, ou seja, uma pedra “vê” outra pedra como ser humano, uma árvore “vê” outra árvore como ser humano e uma onça “vê” outra onça como ser humano. Cada “vista de um ponto” gera um mundo, sendo que a sociabilidade se dá na relação desses mundos. A crítica com inspiração latouriana feita por essa antropologia perspectivista, autodenominada de “antropologia simétrica” (cujo nome já dá um tom dualista), em relação à antropologia tradicional, é que o antropólogo vai realizar sua etnografia pressupondo a mesma natureza e diferentes culturas. O perspectivismo realiza uma “virada ontológica”[1] e propõe o contrário, que há uma mesma cultura, a saber, o “ato de ver” e diferentes naturezas, posto que cada vista de um ponto gera um mundo, ou seja, um “multinaturalismo”, que é um tipo de animismo, segundo eles, “imanente”.
Nossas críticas ao perspectivismo são basicamente três. A primeira, acerca da inversão de natureza e cultura. Ela não resolve o problema do dualismo, nem sai de uma perspectiva kantiana, como o perspectivismo pleiteia, mas apenas a inverte, um Kant invertido, pois sua inversão ainda mantém uma estrutura de natureza e cultura separadas: mais uma das inúmeras maneiras de criticar Kant de forma kantiana. A segunda é que “o mundo que se expressa” por uma determinada perspectiva é sempre o mesmo. Uma onça sempre “verá” uma outra onça como ser humano. Sendo assim, a Monadologia do perspectivismo está aquém de Leibniz, pois este coloca que a mônada está em devir. É preciso deixar claro que devir não é apenas deslocamento, mas uma mudança que muda, como conceituamos no início deste artigo. Se uma onça sempre “verá” uma onça como ser humano, como se instala o devir nessa permanência? Isso seria possível no caso da lagarta, suscitando aqui um perspectivismo que consideramos mais consistente com Leibniz, que, em um momento inicial, o “mundo que se expressa” pela vista de um ponto da lagarta, ela apreenderia “perspectivamente” o casulo enquanto casa. Já em um devir-borboleta da lagarta, a casa se tornaria prisão. Nesse caso, teríamos uma perspectiva, de fato, em devir. Se a Monadologia do perspectivismo está aquém de Leibniz, que dirá das concepções leibzinianas de Deleuze… Finalmente, nossa terceira crítica se dá pela própria escolha de se nortear uma etnografia pela perspectiva, ou seja, norteado pelo sentido da visão, sentido privilegiado da cultura europeia. Segundo David Howes, dos sensory studies, o ameríndio tem como sentido privilegiado o olfato. Quando, nos transaberes, preferimos uma estética vibracional, todos os sentidos confluem – via modulação de vibrações – na intuição.
O que nos leva agora ao problema da polarização política. Os esquizoanalistas e deleuzianos em geral tendem a ser simpáticos às políticas partidárias de esquerda no Brasil e no mundo. Vamos, de forma breve, mostrar alguns problemas dessa postura, se quisermos trazer o borogodó para nossas práticas políticas e éticas.
Primeiro, cabe lembrar um trecho do comentário de Deleuze (2005) no verbete “esquerda” de seu Abecedário:
Acho que não existe governo de esquerda. Não se espantem com isso. O governo francês, que deveria ser de esquerda, não é um governo de esquerda. Não é que não existam diferenças nos governos. O que pode existir é um governo favorável a algumas exigências da esquerda. Mas não existe governo de esquerda, pois a esquerda não tem nada a ver com governo. (…) Primeiro, vê-se o horizonte e sabe-se que não pode durar, não é possível que milhares de pessoas morram de fome. Isso não pode mais durar. Não é possível esta injustiça absoluta. Não em nome da moral, mas em nome da própria percepção. Ser de esquerda é começar pela ponta. Começar pela ponta e considerar que estes problemas devem ser resolvidos. Não é simplesmente achar que a natalidade deve ser reduzida, pois é uma maneira de preservar os privilégios europeus. Deve-se encontrar os arranjos, os agenciamentos mundiais que farão com que o Terceiro Mundo… Ser de esquerda é saber que os problemas do Terceiro Mundo estão mais próximos de nós do que os de nosso bairro. É de fato uma questão de percepção. Não tem nada a ver com a boa alma. Para mim, ser de esquerda é isso. E, segundo, ser de esquerda é ser, ou melhor, é devir-minoria, pois é sempre uma questão de devir. Não parar de devir-minoritário. A esquerda nunca é maioria enquanto esquerda por uma razão muito simples: a maioria é algo que supõe – até quando se vota, não se trata apenas da maior quantidade que vota em favor de determinada coisa – a existência de um padrão.
A identificação com a filiação a partidos políticos é algo relativo à representação, portanto, por definição, torna-se imediatamente um campo problemático para uma filosofia imanente, crítica às representações. Se Deleuze e Guattari comentaram pouco a questão do anarquismo, hoje é possível tecer aproximações mais profícuas com essa proposta política das mais libertárias. Acerca desse tópico, vamos, mais uma vez, nos remeter a trecho de nosso artigo “O rizoma de Yuggoth”:
Para que a ressonância de Deleuze com a anarquia seja mais clara, cabe nos dirigirmos à obra de Saul Newman que, ao aproximar Deleuze da obra do anarquista Max Stirner, vai propor duas operações: a primeira seria retirar da anarquia as noções de que “o Estado é um artifício”, o que promove uma ressonância com o Estado imanente de O anti-Édipo, o Urstaat, e a segunda seria a crítica à ideia de um sujeito “corrompido” pelo Estado, posto que, pela filosofia da diferença de Deleuze, não caberia a conceituação de “sujeito” separado de seu campo relacional.
A partir dessas equalizações feitas por Newman, podemos apreender a obra de um anarquista contemporâneo, leitor de Mil Platôs, o historiador sufi Peter Lamborn Wilson, sobretudo pelo seu pseudônimo Hakim Bey, mais especificamente na obra em que essa ressonância é mais explícita, a sua TAZ (sigla de Zona Autônoma Temporária, em português), pois ela se inspira no conceito de nomadologia de Mil Platôs. Nela, não se espera mais a revolução, ao realizar o levante da TAZ em qualquer ocasião livre, itinerante e sem hierarquia, seja ela um piquenique ou em uma festa auto-organizada. Hakim Bey traz o pragmatismo das microrrevoluções que tanto querem Deleuze e Guattari, de modo que sua TAZ inspirou o movimento de ocupações, as festas raves e o movimento hacker, para citar exemplos mais óbvios; todos eles, com o tempo, absorvidos em graus variáveis pelo controle, sejam as ocupações pelas guerras híbridas, as raves pelo capitalismo e movimento hacker pelos modismos. Enquanto isso, Julian Assange é preso por denunciar crimes de guerras… cabe a nós conjurarmos novas TAZs, ainda mais selvagens, livres e, se não invisíveis, ao menos opacas.
A partir dessas relações conceituais acima, nos permitiremos conceber uma esquizoanálise que tende ao anarquismo, assim como o borogodó, no modo como estamos aqui desdobrando. Mas antes de passar para o tópico da polarização política, é preciso definirmos a guerra híbrida.
A guerra híbrida (Korybko, 2018) é um modo do poder transnacional[2] avançar em países inimigos sem guerrear com armas, seja usando algoritmos, mídias, (incluindo as redes sociais), diplomatas etc. Faz parte das guerras híbridas as guerras cognitivas (Martins, C. Z. & Ambrosio, G., 2022), que é uma técnica que consiste em usar algoritmos para transformar cidadãos civis em armas de guerra nas redes sociais e em suas vidas, para além do ciberespaço. Uma das técnicas de guerra híbrida é o domínio de espectro total, ou seja, dominar os discursos menos radicais de esquerda e direita, colocando uns contra os outros, gerando cismogênse, dividindo a nação, o que a torna mais disponível ao controle.
A cismogênse foi estabelecida com sucesso nos EUA, gerando uma divisão inócua de democratas e republicanos, estes cada vez mais sendo transformados em trumpistas. No Brasil, essa máquina foi eficaz em estabelecer uma polarização entre direita e esquerda, de modo que raramente esses pólos consigam conversar. Colocando um contra o outro, a tendência é que se atente menos para o real problema: o poder transnacional.
Além disso, são construídas pela guerra híbrida divisões na própria esquerda. ONGs, candidatos, partidos, think tanks, artistas que expressem ideias ligadas à chamada “cultura woke” recebem doações, espaço na mídia, ganham prêmios, conseguem editar livros com resenhas elogiosas e algoritmos que favorecem suas postagens (Johnstone, 2022). A cultura woke é majoritariamente reconhecida como a estereotipia do politicamente correto, por exemplo, ela é enfatizada por militâncias de caráter antirracista que reforçam o infeliz conceito biológico de raça, em detrimento da etnia, além de serem militantes da liberdade sexual, muito mais ligadas às taxonomias sexuais, cada vez mais numerosas, do que, por exemplo, pensar uma ética do desejo, para além da delimitação do corpo biológico. Defendemos que o conceito de ninguendade seria muito mais eficaz para se pensar uma estratégia antirracista, mas a guerra híbrida enfatiza os aspectos desse ativismo que reforça apenas o conceito de raça, o que aumentaria o racismo indiretamente. Tais ênfases enfraquecem a esquerda, colocando uma ala mais extremista contra outra mais ponderada. Os maiores partidos de esquerda hoje em dia no Brasil estão tomados por esse discurso[3].
É possível que um leitor devidamente hackeado incomode-se com este artigo e o critique pelo fato dele citar poucas autoras mulheres: atitude lugar-comum na cultura woke de hoje em dia. Cabe a questão de que se passa um feminino por aqui: é claro que um artigo que questiona o ocidentalismo, que é patriarcal por definição, seja atravessado por diversos devires-mulher, muito mais do que quem questiona uma participação de um determinado sexo, com crivos binários. Em outras palavras, essa postura de “quotas bibliográficas”, sem respeitar o processo conceitual que o artigo pede, muito mais desagrega e até promove certo sexismo do que desenvolve uma política sexual igualitária, posto que inevitavelmente existem mais autores homens que mulheres, machismo constituído historicamente, que está sendo alterado lenta e continuamente, a despeito dos efeitos do hackeamento cognitivo.
Outro dado importante acerca da guerra híbrida é o fato do judiciário ser um agente cada vez mais usado por ela contra a autonomia do Brasil e de outros países. A Operação Lava Jato ganhou aplausos da direita ao incriminar várias empresas e políticos da esquerda. Recentemente, as ações questionáveis do Supremo Tribunal Federal são populares na esquerda por darem resoluções contra a direita. O que poucos percebem é que apenas o judiciário ganha força, tornando-se cada vez mais autoritário, de modo que todos perdem – direita e esquerda – diante de suas arbitrariedades.
Um trabalho esquizoanalítico que problematiza a polaridade política – não produzida, mas intensificada pela guerra híbrida – seria o de evitar as nomenclaturas de esquerda e direita, convidando a discutir e fazer política pensando a partir do critério de mais ou menos liberdade, sobretudo ao modo spinozista. Cultivar ressonâncias possíveis, acordos provisórios, debates mais heterogêneos, permitiriam que a polaridade perdesse intensidade e, por consequência, perdesse também sua força controladora, que minimiza a autonomia do país.
Finalmente, vamos tratar da questão da negligência em relação à indissociabilidade entre clínica e educação.
O antropólogo Tim Ingold (2018) coloca a educação mais como uma modulação da atenção do que uma questão de transmissão de conhecimento. Apreendemos da mesma forma o trabalho esquizoanalítico, ou seja, um trabalho cujas nuances operam em larga medida no âmbito perceptivo. No entanto, tal percepção, essa calibragem da atenção, envolve menos reconhecer “objetos” e mais apreender com cada vez mais precisão as ressonâncias, das mais densas às mais sutis. Isso envolve problematizar os modos de percepção viciados do Ocidente, das taxonomias aristotélicas aos dualismos ontológicos – apreendendo a própria concepção de ontologia separada da epistemologia enquanto mais um dualismo -, rumo a uma sofisticação da percepção, inclusive no âmbito pré-linguístico e pré-imagético (Job, 2022c). Habitar o campo pré-linguístico e pré-imagético, afinal, exige algum borogodó.
Desse modo, não se pode separar a educação da clínica: ambos passam necessariamente pela sofisticação da percepção. Negligenciar tal inseparabilidade é o último obstáculo que queríamos trazer, para cultivar a emergência de uma borogodóanálise ou uma clínica com borogodó.
Uma esquizoanálise dos trópicos envolve encarar a ninguendade, essa ausência de referências que tanto pode ser trágica – se pouco consciente e/ou pouco trabalhada – quanto potente, pois abre um campo fértil para a criação. Cabe a nós minimizarmos o fetiche com os saberes coloniais, sem desconsiderá-los e construirmos aqui e agora menos uma “identidade nacional” e mais modos múltiplos de operações, tão locais quanto criativos, claro, com muito borogodó.
Bibliografia
BERGSON, H. Matéria e memória – ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
CUNHA, E., Os sertões. São Paulo: Nova Cultural, 2002.
DELEUZE, G. O abecedário de Gilles Deleuze. 2005. Disponível em https://askesis.hypotheses.org/918. Acesso em: 30 dez. 2022.
DELEUZE, G., & GUATTARI, F. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia 1. (1ª ed.). São Paulo: Editora 34 Letras, 2010.
DELEUZE, G., & GUATTARI, F. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia vol. 1. (1ª ed.). São Paulo: Editora 34 Letras, 1995.
INGOLD, T. Anthropology and/as education. New York: Routledge, 2018.
JOHNSTONE, C. Propaganda Isn’t Something That Only Happens To Others: Notes From The Edge Of The Narrative Matrix. 2022. Disponível em https://caitlinjohnstone.substack.com/p/propaganda-isnt-something-that-only?utm_source=share&utm_medium=android&fbclid=IwAR1R9fwNEWrqxmDN1taG54sD3_t6gdXI3ps-7ycfg66MppGpPX0dsofJeK0. Acesso em: 30 dez. 2022.
JOB, N. Adeus ao controle. Cosmos e Contexto n. 55, 2022a. Disponível em https://cosmosecontexto.org.br/adeus-ao-controle/. Acesso em: 31 dez. 2022a.
JOB, N. O rizoma de Yuggoth: modular Deleuze. Tempo Psicanalítico, v. 54 n. 2, volume 1, 2022b. Disponível em https://www.tempopsicanalitico.com.br/tempopsicanalitico/article/view/734. Acesso em 30 dez. 2022.
JOB, N. Pororoca: a criação “brasileira” enquanto levante. Estudos da Língua(gem), [S. l.], v. 19, n. 1, p. 125-146, 2021. DOI: 10.22481/el.v19i1.9155. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/estudosdalinguagem/article/view/9155. Acesso em: 29 dez. 2022.
JOB, N. Transaberes enquanto indissociabilidade de clínica e educação. Cosmos e Contexto 54, 2022c. Disponível em https://cosmosecontexto.org.br/transaberes-enquanto-indissociabilidade-de-clinica-e-educacao/. Acesso em: 30 dez. 2022.
KORYBKO, A. Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2018.
LEMINSKI, P. Catatau: um romance-ideia. São Paulo: Iluminuras, 2015.
LEMINSKI, P. Metaformose: uma viagem pelo imaginário grego. (2ª ed.), São Paulo: Iluminuras, 1998.
LOPES, Z. F. e LIMA. D. P. Direito do comum em Canudos. Revista Direito e práxis. 09 (02), 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2017/26642. Disponível em https://www.scielo.br/j/rdp/a/y7XDt5GPbMMbwG4HtKv94df/?lang=pt. Acesso em: 30 dez. 2022.
LUHRMANN, T. M. Persuasions of the Witch’s Craft: Ritual Magic in Contemporary England. Cambridge: Harvard University Press, 1989.
MARTINS, C. Z., & AMBROSIO, G. Guerra cognitiva: o uso de
PsyOps online para manipulação da mente humana. 2022. Disponível eEm https://www.conjur.com.br/2022-mai-24/zanin-ambrosio-uso-psyops-online-manipulacao-mente. Acesso em 30 dez. 2022.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Global Editora, 2013.
ROSA, G. Grandes Sertões: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
SANTOS, M. Novas crônicas, velhas palavras: em busca do borogodó perdido. 2018. Disponível em https://hugepdf.com/download/marcia-maria-dos-santos-ri-ufba_pdf. Acesso em 31 dez. 2022.
WEIR, José Àngel Quintero. Da “virada ontológica” ao Tempo de Volta do Nós. Amazônia Latitude, 6 abr. 2021. Disponível em: https://amazonialatitude.com/2021/04/06/da-virada-ontologica-ao-tempo-de-volta-do-nos/ Acesso em 21 nov. 2022.
WHITEHEAD, A. N. Process and Reality (corrected edition). 1 ed. New York, The Free Press, 1978.
[1] O indígena José Ángel Quintero Weir (2021), do povo Añuu da Venezuela e membro da Universidade Autônoma Indígena (UAIN), publicou sua bela carta “Da ‘virada ontológica’ ao Tempo de Volta do Nós” em resposta à conferência “Quem tem medo do lobo ontológico?” de Viveiros de Castro, em que este diz que os ocidentais se tornarão ameríndios porque o mundo deles já acabou e o nosso vai acabar também. Em sua crítica, Weir considera que essa antropologia considera mais fácil conceber o fim do mundo do que o fim do capitalismo e que a tal “virada ontológica” não faz sentido para o seu povo, posto que eles concebem o tempo espiral chamado a Volta ao Tempo do Nós, em que a possibilidade da vida renasce em novos contextos. Nas palavras de Weir: “pouco importa que nos declarem mortos, já que, de fato, é parte da própria educação aprender a se autodeclarar morto como forma de expulsar todo apego, ambição e cobiça. E tem sido o ocidente quem, ao despojar-nos de nossa memória territorial, introduziu nos sujeitos a ideia do domínio da eternidade e não da irmandade para a vida do mundo.”
[2] Vamos prescindir de desenvolver neste artigo nossas considerações acerca do que é o poder, controle etc. Grosso modo, diremos que o poder está muito menos alocado em líderes de nações e mais em grandes fundos de investimentos, controlando em larga escala as narrativas, o imaginário, exercendo o biopoder, ou seja, se tomarmos a questão sob um viés histórico que vai desde o início do processo civilizacional, veremos que o poder controla em grande parte até mesmo a concepção do que é a realidade. Para um maior aprofundamento, recomendamos nosso artigo “Adeus ao controle” (Job, 2022a).
[3] No vídeo do canal TV247 no YouTube “Pepe Escobar e Elias Jabbour: o Brasil, a China, a Rússia e o mundo multipolar” (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Y1dY7-ubhpo), os analistas comentam a infiltração da Open Society Foundation (OSF) de George Soros em partidos de esquerda no Brasil. A OSF é notadamente uma força de guerra híbrida no Brasil, cujos investimentos escolhidos a dedo são muito mais para criar cismas na esquerda do que, de fato, para projetá-la. Mas é preciso atentar ao fato de que Escobar e Jabour são muito apologistas da China e Rússia, sendo pouco críticos às políticas internas desses países, além de não mencionarem que, a despeito de suas diferenças e guerras por procuração contra OTAN, como é o caso do conflito Rússia X Ucrânia, tanto o atlanticismo como os países do Oriente seguem com várias transações comerciais, mostrando que o embate é apenas em certo nível, em grande parte de caráter midiático.