Conciliando a produção de artigos técnicos com textos de divulgação cientifica
Ao longo de toda minha carreira como pesquisador, a partir de 1968, quando publiquei meu primeiro artigo cientifico, escrevi mais de uma centena de artigos técnicos em revistas científicas. Somente nas últimas décadas me interessei em divulgar, para além da comunidade cientifica, alguns aspectos de minha área de atuação, a cosmologia.
A origem dessa mudança não é difícil de ser compreendida. Explico brevemente, sem entrar em detalhes.
Até o final da década de 1970, o cenário padrão da cosmologia se limitava à solução de Friedmann, publicada em 1922. Esse modelo representa um universo em expansão, em acordo com observações astronômicas, mas possui uma dificuldade de princípio. Em algum momento no passado, separado de nós por uns poucos bilhões de anos, ele prevê a existência de uma singularidade, uma região de volume zero, onde todas as quantidades físicas relevantes atingiriam o valor infinito, que ficou conhecida como singularidade inicial.
A palavra inicial usada para caracterizar a solução de Friedmann guardava sub-repticiamente uma ideia que me era desagradável: a existência de um momento na história do universo contendo quantidades físicas que assumiriam nesse ponto o valor infinito. Ora, essa singularidade representa uma interrupção intransponível na descrição do universo. Isso significa que se essa solução de Friedmann representa nosso universo, ele não pode ser descrito racionalmente em toda sua história.
Em 1979 eu e meu colaborador José Martins Salim encontramos uma outra solução cosmológica das equações da relatividade geral semelhante ao modelo de Friedmann com uma fundamental diferença: nosso modelo não possuía singularidade.
A origem de minha crítica à existência de uma região singular em uma teoria física, havia aparecido, sob outra forma, alguns anos antes. Com efeito, em minha Tese de mestre, sob a orientação do professor José Leite Lopes, eu havia me deparado com um problema semelhante de divergência na teoria de Maxwell do eletromagnetismo. Ao longo da linha de universo do eletron seu campo assume, classicamente, o valor infinito. Naquele caso, no eletromagnetismo, consegui contornar essa dificuldade de um modo que agradou a Leite, bem como à banca examinadora de minha Tese.
Consequentemente, não é difícil imaginar como eu consideraria como um objetivo a ser alcançado a eliminação da singularidade no outro campo clássico de longo alcance, a gravitação e, em particular, na solução cosmológica que possui tanta repercussão na sociedade.
O modelo de Friedmann dominou a visão do establishment durante todo o século 20 e constituiu a ideologia do cenário padrão da cosmologia.
Como a comunidade cientifica passava a informação desse cenário explosivo, dito bigbang, para todos os meios de divulgação, e sequer comentavam a solução de bouncing, que havíamos conseguido demonstrar, levou-me naturalmente a procurar balancear essa situação e expor também para a comunidade não-científica o modelo cosmológico sem singularidade.
Em um primeiro momento comecei por dar palestras para os físicos em geral, como no Colóquio sobre o universo eterno em 1990, conforme o anúncio que copio em anexo no final desse texto.
Depois, aceitei em dar entrevistas para a imprensa, para o Jornal do Brasil, por exemplo; mais adiante escrevi alguns textos para a comunidade do CBPF que saiu depois em alguns jornais, como o Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, o Globo, o Norte; e enfim, comecei a escrever mais detalhadamente o cenário cosmológico não singular em revistas de divulgação científica, como Scientific American Brasil, o que me levou à produção de textos mais completos que se transformaram em livros.
COSMOS ET CONTEXTE
Meu primeiro livro foi publicado na França pela Editora Masson, em 1987, tinha por título Cosmos et Contexte.
Embora eu tivesse escrito em português, a impossibilidade de conseguir publicá-lo no Brasil me fez aproveitar uma de minhas viagens a Paris para procurar um editor francês. Era uma tarefa enorme, para um estrangeiro, que não morava na França, não possuía vinculo estável com nenhuma universidade francesa e que não tinha relações com meio editorial francês. Então aconteceu uma espécie de milagre, uma situação inesperada que de modo inusitado se deveu em boa parte à minha ingenuidade.
Passando por uma livraria no centro de Paris, Boulevard Saint-Germain, vi uma vitrine onde haviam expostos vários livros de natureza técnica, a maior parte de textos de medicina e biologia. Encima dessa livraria (ou do lado, não me lembro mais) havia a editora Masson. Com o texto original datilografado de meu livro debaixo do braço, e sem conhecer ninguém ali, subi e perguntei à atendente que eu tinha vindo do Brasil para publicar esse livro.. “chez vous”. Ela, depois de uma conversa estranha, me levou à sala de monsieur Legrand.
A recepcionista havia começado naquele dia seu trabalho e não sabia das regras da Editora. Ninguém incomodava o editor Legrand sem que ele o solicitasse. Depois do primeiro momento de surpresa, e como eu já havia adentrado sua sala, ele me ofereceu a cadeira para conversarmos e saber do que se tratava.
-Trouxe esse livro sobre Cosmologia –e um pouco, muito pouco, de filosofia—para sua Editora publicar.
Seu espanto foi grande. Mais tarde vim a saber que eu fui o primeiro e último autor a levar um livro diretamente para ele, para ser publicado, sem nenhuma interação anterior com algum funcionário da Editora!
De modo bastante gentil, ele explicou:
Monsieur, nous publions des ouvrages en médecine et sciences connexes. Nous n´avons jamais publié un texte de physique ou de science physiques.
Começou então uma longa conversa sobre astronomia e física, cujos detalhes não lembro. Ao final, êle disse:
« Quoi qu’il en soit, laissez votre livre et je le considérerai. Donnez votre adresse a notre nouvelle secrétaire et dès que possible nous vous contacterons ».
Como uma tal cena já se havia repetido algumas vezes no Brasil, sai de lá convencido que tinha sido mais uma tentativa frustrada de publicar meu texto.
E, no entanto, um mês depois, recebo uma carta onde sou informado que as Edições Masson receberam de um consultor um comentário muito elogioso ao meu texto e que em consequência eles iriam publicar meu livro, acrescentando que enviariam em breve algumas alterações no texto devido a questões linguísticas.
Fiquei super contente.
Menos de um mês depois recebi meu original com um número grande de correções do meu texto em francês. Algumas eram óbvias, mas outras não concordei. Hoje, revendo essa situação fico impressionado com minha arrogância na tentativa de corrigir a proposta de redação de um consultor francês!
De qualquer modo, como eu não aceitava boa parte de suas alterações, Legrand pediu que, se e quando eu passasse por Paris poderiam retomar nossa conversação sobre essas mudanças no texto.
Como eu estava programado para passar um mês com a matemática Yvonne Choquet-Bruhat, na Universidade de Jussieu em Paris, voltei à editora Masson ainda naquele ano. Yvonne era uma lenda viva na universidade francesa e a única mulher, à época, pertencente ao quadro da prestigiosa Académie des Sciences. Antes de encontrar com o editor, resolvi conversar a respeito dessa situação com Choquet-Bruhat. Ela confirmou a maioria das correções que a Masson estava propondo. Em consequência, aceitei as alterações e aproveitei para pedir-lhe que fizesse o prefácio, o que ela aceitou de imediato.
Voltei ao senhor Legrand, dias depois, que ficou satisfeito com minha decisão e disse que o livro sairia ainda aquele ano, o que realmente aconteceu.
Embora não tenha tido muita publicidade, o livro foi um sucesso. Breves informações sobre meu livro saíram em várias revistas, todas elas relacionadas a questões de física ou astronomia, como a nota que saiu pela British Astronomical Association.
Anos depois, meu grande amigo, o filósofo Claudio Ulpiano, comentou comigo que um colega seu, o filósofo Eric Alliez, que passava um período em São Paulo, a convite de Marilene Chaui, lhe disse que seu professor o filósofo Giles Deleuze, havia comentado em classe que o único livro que ele deveria ler sobre cosmologia era Cosmos et Contexte. Quando Alliez passou um período de um ano trabalhando, como filósofo em meu grupo de cosmologia, no Centro Brasileiro de Pesquisas Fisicas, perguntei-lhe se aquela informação de Ulpiano era correta, o que ele confirmou.
Em outubro de 1988, Eric Alliez, Luiz Alberto Oliveira, José Salim e eu fomos convidados a escrever para a Folha de São Paulo no caderno Folhetim, que saia aos sábados. Nesse número, as 12 páginas foram dedicadas à nossa análise das relações entre filosofia e ciência.
O texto de Eric se intitulava o Anti-Platão, e referia-se ao trabalho de Prigogine e Stengers que, segundo ele, “faziam-nos entrever a possibilidade de uma nova coerência articulada em torno desse devir que a Física de ontem definia como um obstáculo”. Devo confessar que não me agradou nada esse texto de Alliez, mas não irei comentar as razões para isso aqui.
Eu, Oliveira e Salim tratamos do tema Entre Física e Filosofia. Seu resumo dizia: Toda forma é precária, pois toda essência é imprecisa e se dissolve em acidentes. O que chamamos de “mundo objetivo” seria então a expressão macroscópica de uma trama infindável de relações quânticas que não padecem, elas mesmas, de “objetividade”.
Um dia, nesse mesmo ano, 1988, passava eu pelo Boulevard Saint-Michel quando, na vitrine da livraria Press Universitaire de France (PUF) vi meu livro exposto. Mas não era um exemplar: eram vários que ocupavam toda uma prateleira. Pena que não tive a curiosidade (nem havia eu os meios naquele momento) de tirar uma foto.
Esse livro se esgotou e, não sei o motivo, não houve uma segunda edição.
No ano seguinte, a mesma editora brasileira que havia negado a publicação de meu livro, conseguiu autorização da Masson e publicou o livro em português.
Em 1989 voltei à França. O editor Legrand me perguntou se seria possível que eu comentasse a diferença entre meu modelo de universo com bouncing de 1979 que descrevi em meu livro e o recente modelo que o famoso matemático inglês Stephen Hawking havia produzido recentemente usando uma versão quântica da gravitação e que tinha tido grande destaque nas páginas de um importante jornal francês.
De um certo modo, essa nova posição de Hawking foi uma reviravolta, pois ele tinha sido um dos grandes divulgadores da inevitabilidade da existência de uma singularidade na métrica cosmológica. Sua mudança drástica de posição dava aos modelos com bouncing a visibilidade que até então a comunidade científica não o tinha feito. Comentei essa situação com Melnikov (que havia construído um modelo com bouncing no mesmo período que nós no CBPF) que fez um comentário ácido sobre o teorema que Penrose, Hawking e outros haviam demonstrado e que serviam até aquele momento de suporte à noção de singularidade: “Esse teorema é um tigre de papel”.
Como eu não conhecia seu artigo em detalhes, escrevi para Stephen sobre nossos modelos e se eles eram compatíveis. Reproduzo ao final carta que trocamos. Infelizmente, a segunda carta de Hawking não chegou às minhas mãos, pois eu já não estava mais em Paris na rua Moufetard. Soube dessa segunda carta somente anos depois, ao nos encontrarmos em uma conferência.
Legrand me fez dar uma entrevista ao vivo para uma rádio francesa onde (se me lembro bem) eu comentava somente minha solução, pois eu não considerava aquela proposta de Hawking suficientemente boa.
COLÓQUIO NO CBPF
Depois dessa minha intervenção em Paris, fiquei convencido que eu deveria divulgar minha proposta de um universo eterno em várias frentes, no Brasil. Aceitei dar Colóquios em vários lugares, em universidades do nordeste e do sudeste, como na Universidade Federal da Paraíba, na Universidade de São Paulo, no CBPF, dentre outras. Anexo o cartaz de minha conferência no CBPF, há mais de 30 anos. O resultado me deixou impressionado com a subserviência que percebi nessa comunidade às ideias que vinham dos EUA e da Europa. Meus colegas físicos continuaram a divulgar a tese de que o famoso bigbang (momento de condensação máxima do universo) deveria ser identificado com o “começo do universo” sem sequer mencionar outros modelos de universo, igualmente compatíveis com todos os dados astronômicos. Foi então que me dei conta de que deveria começar a escrever e publicar livros de divulgação dos cenários de universo eterno que eu e meus colaboradores havíamos proposto.
RODA VIVA
No dia 4 de setembro de 2006, fui convidado para ser entrevistado por um grupo de profissionais ligado à divulgação da ciência por um canal de televisão. Só para ter uma ideia de quem eram, enumero:
Fritz Uteri (Jornal do Brasil), Carlos Vogt (presidente da FAPESP), Walmir Thomazi Cardoso (professor de física da PUC), Ulisses Capozzoli (presidente da Associação de jornalismo científico), Salvador Nogueira (editor de Ciência e saúde da Globo.com) e Pablo Nogueira (revista Galileu).
A maior parte das perguntas que me fizeram se concentraram na questão central àquela época: o bigbang é o começo de tudo que existe ou o universo é eterno?
Usei então aquele momento para explicitar o que sustentava minha crítica ao cenário singular de Friedmann e o enorme erro em identificar aquele momento extremamente condensado do universo com seu “começo”.
Nessa entrevista, houve um incidente que talvez valesse a pena comentar, envolvendo o presidente de uma das organizações cientificas mais respeitadas em nosso país, a FAPESP. Em um dado momento, lá pelo meio da entrevista que até então havia se concentrado em questões técnicas e de divulgação cientifica, destoando desse caminho, o representante da FAPESP pergunta sobre uma discussão que eu teria tido com a comunidade dos físicos e em particular com o presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF).
Essa pergunta me deixou irritado, pois eu esperava que naquela entrevista tivéssemos um diálogo exclusivamente no terreno da análise cientifica. Respondi-lhe no mesmo tom desagradável afirmando que sim, havia um litigio com a SBF devido à posição que haviam arrogantemente adotado, contrária à minha proposta ao governo brasileiro de criação de um instituto de cosmologia. Não satisfeito em ser contra minha proposta, o presidente da SBF acrescentou ser contra não somente a criação de um instituto de cosmologia no país que eu estava propondo, mas qualquer outro no futuro, sem apresentar uma argumentação capaz de apoiar essa sua posição.
Essa afirmação me levou a afirmar que ele tinha tido uma atitude fascista que me parecia totalmente incompatível com a posição de presidente da SBF.
No dia seguinte, o diretor do CBPF me telefona dizendo que havia sido muito mal aceita minha intervenção nesse assunto. Eis o diálogo:
D: O pessoal de São Paulo recebeu muito mal sua entrevista ontem.
MN: Eles são contra o modelo de universo eterno?
D: Não se trata disso. Foi a afirmação de que eles são fascistas que eles consideram muito agressiva
MN: Eu não disse que eles eram fascistas, eu disse que a atitude do presidente da SBF em ser peremptoriamente contra a criação de um Instituto de Cosmologia no Brasil, sem apresentar argumentos para essa sua posição, era uma atitude fascista;
D: De qualquer modo, eles querem entrar na justiça contra você, caso você não se retrate publicamente.
MN: Ótimo. Que eles façam isso!
Bem, passados 16 anos, ainda não acionaram a justiça. Creio que não o farão mais.
OS SONHOS ATRIBULADOS DE MARIA LUISA
Um dia, depois de ter dado uma palestra sobre cosmologia para não-iniciados no CBPF, veio até mim uma moça, professora de primeiro ciclo de um colégio da zona norte do Rio. Ela me perguntou se eu não poderia dar uma palestra para seus alunos e, antes que eu pudesse responder ela acrescentou: Seria tão bom se o senhor pudesse escrever essas suas ideias para um público infanto-juvenil!
Fui dar a palestra algumas semanas depois e o público muito atento e entusiasmado me encheu de perguntas. Eu havia levado umas duas dúzias de bola de encher, dessas que se distribui em aniversários infantis e depois de distribuir para a turma toda eu disse:
-Bem, nós agora iremos imitar o que o universo faz! Vocês pegam uma caneta de cor diferente da bola e antes de soprar nela, coloquem aleatoriamente pontos, pintinhas na bola. Isso feito vamos soprar na bola e fazê-la inflar.
Depois disso perguntei: Vocês estão reparando alguma coisa?
Um deles, na primeira fila disse:
Os pontinhos estão se afastando.
Eu disse: Você acaba de descobrir o que eu havia falado antes: a expansão do universo.
A expressão de alegria do rosto do menino me deixou tão feliz que no mesmo momento aceitei a proposta daquela professora e num impulso disse: Vou aceitar sua proposta. Vou escrever um livro para esses meninos!
Assim escrevi em 2000 Os sonhos atribulados de Maria Luísa (uma alegoria da cosmologia e da física) que Cristina Zahar publicou. As ilustrações belíssimas de Mariana Massarani, deu a impressão que se tratava de um livro infantil, aliás, o que eu pensara fazer. No entanto, reconheço que o livro deveria ser lido pelos pais dos meninos. Alguns anos depois continuei esse livro indo um pouco além que um amigo da Editora Campus pediu que publicasse por sua editora, o que eu fiz. O título é simples Os Jogos da Natureza, mas o subtítulo é longo: A origem do universo, os buracos negros, a evolução das estrelas e outros mistérios da natureza. Sonhos cósmicos de Maria Luísa.
Se não me falha a memória, só vi esse subtítulo quando fui ao lançamento do livro!
Dois anos depois, em 2006, meu amigo o professor Edgard Elbaz da Universidade de Lyon insistiu em publicar meu livro em francês. Como ele não falava português, fiz com uma tradutora, uma primeira versão em francês. Levei para Lyon esse texto. Tivemos que ficar juntos um longo tempo, eu e ele, para finalmente conseguirmos uma versão final. O título ficou sendo: Jeux Cosmiques. O subtítulo não era tão longo: L´Univers raconté par les rêves d´Isabelle.
A troca de Maria Luisa para Isabelle foi sugestão de Elbaz e do editor que consideravam, para meu espanto, que Marie Louise não era um nome comum na França.
GÖDEL: A MÁQUINA DO TEMPO
A fascinação pela solução cosmológica do matemático austríaco do Círculo de Viena, Kurt Gödel, me levou inevitavelmente a dar várias palestras sobre a questão do tempo em sua cosmologia e compará-la com o tempo cósmico global do modelo cosmológico de Friedmann.
Como consequência dessas palestras e, graças a inúmeras questões que as audiências haviam feito, escrevi um livro que em uma primeira edição chamei O círculo do tempo. E, como parece obrigatório em meus livros, fui levado a acrescentar o subtítulo: Um olhar científico sobre viagens não-convencionais no tempo. Ele foi publicado pela editora Campus em 1997. Em 2001 a editora Atlantisciences traduziu esse livro para o francês e o publicou em 2001 com o título Le cercle du temps (Um regard scientifique sur les voyages non conventionnels dans le temps).
Mais tarde, em 2005, esse livro foi reeditado, com algumas modificações, pela editora Jorge Zahar, onde recebeu o nome de Máquina do tempo e o subtítulo Um olhar científico.
A necessidade de colocar esses subtítulos me foi exaustivamente sugerida pelos editores, pois diziam eles, as pessoas podem imaginar que se trata de obra de ficção.
Esse cuidado não impediu que muitas pessoas, sem ler com atenção meu texto, começaram a imaginar que seria possível uma tal viagem ao passado e, mais grave, argumentavam que os cientistas estavam descobrindo uma tal máquina.
Há uma situação que, penso eu, descrevi em outra ocasião, mas que quero rememorar aqui, pois ela esclarece e dá sustentação aos meus cuidados.
Um dia, adentra minha sala no CBPF uma pessoa que dizia que seu patrão pretendia investir uma verba grande para sustentar uma Brazilian School of Cosmology and Gravitation. Isso deveria ter sido consequência de uma entrevista que eu havia concedido alguns dias antes para um jornal de São Paulo – pensei – onde eu lamentava o corte de verbas do governo federal que iria impedir que realizássemos naquele ano essa Escola. As BSCG constituem eventos de duração de duas semanas de cursos básicos e seminários avançados de Cosmologia e áreas afins, que deveriam ter periodicidade bianual. Infelizmente, devido à instabilidade orçamentária do MCTI (Ministério de Ciência e Tecnologia) não conseguimos cumprir essa periodicidade.
Pois esse senhor iria, segundo ele, não somente financiar essa BSCG mas várias outras no futuro. Ele disse que tinha ficado muito bem impressionado pela leitura de meu livro O Círculo do tempo e seu patrão, um rico proprietário de uma imensa fazenda de laranja de São Paulo, o tinha feito vir pessoalmente ao Rio para me convidar a visita-lo em sua fazenda onde ele explicitaria essa sua oferta de apoio financeiro ao nosso grupo de pesquisa no CBPF.
Eu não pretendia aceitar esse convite, mas conversando com meus colaboradores, eles quase me obrigaram a aceitar. Como realmente as verbas de nosso orçamento eram extremamente pequenas, deixei-me convencer e dias depois lá estava eu pegando um avião para Campinas.
Quando cheguei, havia no aeroporto um imenso carro me esperando com um motorista e aquele senhor que tinha vindo à minha sala. Fomos para a tal fazenda que nos levou quase duas horas para lá chegar. No caminho, ele começou a me contar uma história muito estranha e aos poucos um temor imenso foi tomando conta de mim. Mas eu pensava ainda que havia um mal entendido no ar.
Eis a história que ele me contou. Seu patrão tinha somente um filho a quem ele tratava como um príncipe, dando-lhe uma educação pessoal em sua fazenda e que o estava preparando para muito em breve tomar as rédeas de tudo que seu pai possuía. Ora, aconteceu que dois anos atrás, seu filho teve um acidente com um trator e veio a falecer em consequência. Seu pai ficou transtornado, tendo até que ser internado em uma clínica de repouso por um tempo. Um seu amigo lhe recomendou a leitura de meu livro, informando-o que um físico brasileiro havia descoberto um modo de viajar no tempo. Ao ler meu livro esse senhor começou a imaginar a possibilidade de retornar ao passado e impedir que o acidente com o trator tivesse acontecido!
Quando ouvi isso, fiquei literalmente petrificado, pois eu percebi o que poderia acontecer: eu estava em uma fazenda isolado (na época eu não usava celular!) sem poder decidir como sair dali e eu estava indo ao encontro dessa pessoa que queria voltar ao passado para, de modo dramático, impedir a morte de seu único filho!
A fazenda era fantasticamente grande. Eu nunca havia estado em uma fazenda de laranja. Antes de entrarmos na casa passamos pela fábrica de suco que eles possuíam ali dentro. Entramos. Eu não imaginava que laranja espremida dessa forma que eles o faziam tivesse um cheiro insuportável, nauseabundo mesmo.
Depois de estarmos ali por alguns minutos, fomos para a casa onde encontrei o senhor dono da fazenda. Muito gentil, disse que antes de qualquer conversa, deveríamos passar imediatamente para a mesa onde nos esperava uma lauta refeição que ele mandara preparar especialmente para mim.
O resto da história pode ser imaginada. Depois de uma tarde onde eu pensara viver um verdadeiro pesadelo, voltei ao Rio onde contei para meus colegas do CBPF o que eu tinha passado!
Essa história me levou a acrescentar a meu livro Máquina do tempo o seguinte comentário.
A elaboração deste livro passou por três etapas distintas, cada qual se caracterizando por um particular apoio. No primeiro momento, E. Elbaz teve um papel fundamental por ter acendido a centelha de minha curiosidade e meu interesse em divulgar, em passar adiante, algumas questões que há muito venho discutindo sobre viagens não-convencionais no tempo.
Meus colaboradores Martha Christina e Renato Klippert sustentaram comigo um longo diálogo — ora altamente técnico, envolvendo questões limítrofes voltadas para a estrutura formal do espaço e do tempo na teoria da relatividade geral, ora atingindo o território da especulação — nos confins mesmo de nossa imaginação.
Chaim Katz por várias vezes me levou, junto com ele e seus colaboradores, a examinar sob ângulos especiais a questão temporal. Fui convidado a dar palestras para seus colegas psicólogos, o que não significou empreitada fácil. As questões que ali me foram formuladas esclareceram-me muito e, principalmente, conseguiram mostrar-me como o discurso científico pode, quando tratado sem uma grande dose de autocrítica, apresentar-se fechado em sua linguagem, dando a aparência de esconder ou dissimular as contradições internas que, em alguns setores limítrofes, como no exame das características temporais, ele exibe. Quando, graças a essa interação, consegui deixar claro o que a ciência contemporânea tem a dizer sobre tais questões temporais — e, como corolário natural, seus obstáculos em produzir a unificação de tratamento do conceito de tempo, quer no microcosmo quer no macrocosmo —, todos nós então reconhecemos a imensa tarefa que ainda teríamos pela frente. Isso nos deixou, pelo menos a mim, menos angustiados sobre o que deveríamos fazer no futuro (e este livro é um pequeno primeiro passo nessa direção): exibir o mais claramente possível aquelas dificuldades!
Luiz Alberto R. Oliveira e José M. Salim, meus colaboradores de longa data, disponibilizaram-me o tempo todo seus saberes, impulsionando-me a cada instante para aprofundar meu discurso. Se não consegui fazê-lo e satisfazer assim mais completamente às suas exigências formais e ao rigor de tratamento que eles pediam, isso deve-se exclusivamente à minha limitação.
Finalmente, Tânia fez-me oferecer a mim próprio alguns momentos de intranqu ilidade, que eu consegui não deixar escapar.
Por diversas vezes, durante a elaboração deste livro, recebi a advertência de amigos, colegas de profissão, físicos, como eu, que pretendiam influenciar-me, a ponto de me fazer desistir de levar adiante o projeto de sua publicação. O argumento principal que eles apresentavam era o seguinte: embora eu tentasse manter-me, ao longo de todo o texto deste livro, na minha posição de cientista, e não me deixasse levar pelo discurso aparentemente simples e espontâneo da fantasia, seria difícil que tal posição fosse considerada como tal, aceita como tal, pela grande maioria dos físicos. Sabemos, diziam eles, que essa microssociedade, aparentando uma abertura de ideias que certamente não tem, e contrariamente ao que elas propagam, é na prática extremamente reacionária. Por conseguinte, será difícil para os dela partícipes — sobretudo quando consultados por agências federais de apoio à pesquisa no sentido de emitir parecer sobre seu trabalho — resistir à ideia de que o autor de um livro como este, que trata de tema com características, digamos, tão fantasiosas, não adquira o estigma de anticristo, de articulador de um discurso que está além do científico, além daquele que eles esperariam ver preservado por alguém de dentro da comunidade.
Estas agências, como sabemos, devem apresentar-se como organismos extremamente conservadores. A principal razão para isso parece estar ligada, de uma forma que não sou capaz de explicar nem entender, ao fato de que elas usam fundos públicos.
Em particular, eles se referiam às dificuldades que apontamos anteriormente, envolvendo o renomado físico norte-americano Kip Thorne e por ele mesmo citada durante a apresentação de seu trabalho, Temporal Loops, no 13o Congresso de Relatividade Geral e Gravitação, realizado em Córdoba, na Argentina, em 1992.
Minha contra argumentação, minha defesa, em suma, nesses momentos era simples. Este livro, dizia eu então, tem a pretensão de divulgar para um público mais amplo aquilo que já é do conhecimento da sociedade dos físicos. Se ele aparece como fantasioso, deve-se não à minha apresentação, mas ao que os cientistas têm produzido nas últimas décadas.
Enfim, devo acrescentar que, se aceito a curiosa condição de revelar ao público essa singular preocupação por parte de meus colegas, é porque acredito, infelizmente, que ela possa ter de fato algum tipo de consequência que lhes daria razão.
Aproveito esse desvio para reproduzir as últimas frases desse livro.
Assim, este livro termina não com uma especulação sobre viagens ao passado, em breve mas com uma aposta sobre essa inesgotabilidade do nosso diálogo com o mundo e enfatizando essa proposta de profunda mudança em nossos hábitos para passar a tratá-lo de modo não dividido. Do que vimos anteriormente, talvez devamos reconhecer a imensa limitação do significado do mundo, se retalhado — e quem sabe passemos a provocá-lo para que ele revele sua forma integrada, sua coerência completa. As três faces da volta ao passado, bem como as diferentes alternativas de solução dos paradoxos causais que vimos neste livro, rompem com a tradição que pretendia eliminar do mundo caminhos que não levam ao futuro. Entretanto, as condições práticas a que estamos submetidos em nossa vida na Terra parecem não nos permitir empreender tais viagens. Isso certamente não impede que imaginemos uma outra civilização, vivendo em algum lugar desse universo, que produza em sua realidade aquilo que chamamos de máquina do tempo. Mas aí eu não poderia acompanhar o leitor com este olhar da ciência, como fizemos até aqui, e estaria me deixando seduzir pelo caminho muito mais difícil e seguro do encantamento. Neste ponto, e somente aqui, eu teria que cessar meu discurso e deixar falar alguém da plateia. Como disse antes, terminaria aqui o diálogo científico que fazíamos: começa, a partir daí, o tempo da narração.
DO BIGBANG AO UNIVERSO ETERNO
Em 2010 resumi em um pequeno livro pela editora Jorge Zahar uma série de palestras que nos últimos anos eu havia dado em diversos lugares no Brasil: no Rio, em São Paulo, no Espirito Santo, em Santa Catarina, em Minas Gerais, na Paraíba, no Rio Grande do Norte, em Pernambuco, na Bahia.
Creio que esse livro é o que melhor retrata minha visão da cosmologia dentro do cenário da relatividade geral. Ele foi escrito um ano depois do enorme artigo de revisão que eu e meu colaborador à época Santiago Bergliaffa havíamos publicado na revista Physics Reports intitulado Bouncing Cosmologies. Nesse artigo exibimos e comentamos todos os cenários cosmológicos sem singularidade que foram publicados em revistas científicas internacionais a partir dos dois cenários que inauguraram essa série de modelos com bouncing, o de Novello-Salim e o de Melnikov-Orlov.
Esse artigo deu uma sustentação importante àquele livro junto à comunidade científica brasileira que até aquela data considerava a ideia de bouncing como uma alternativa colateral. Foi precisamente o artigo da Physics Report que permitiu a meus colegas físicos brasileiros considerarem com seriedade a ideia de bouncing. Principalmente porque, além de dois artigos de cientistas que trabalhavam em Institutos fora do circuito Helena Rubinstein (EUA, Inglaterra, França), mostramos a nossos companheiros que a comunidade internacional estava nos seguindo, mesmo que a maioria dos artigos que vieram depois dos nossos não nos citavam com frequência.
Não era a primeira nem a última vez que a dominação cultural, até mesmo em aspectos científicos, se fazia notar ostensivamente. Isso, claro está, repercutia na sociedade. Não é de espantar que ainda hoje a grande parte dos comentários que aparecem seja em noticias impressas, jornais ou revistas populares, seja em meios outros de divulgação – rádio e televisão – o cenário ultrapassado bigbang seja identificado com o início de nosso universo. Um jornal com boa difusão, como Folha de São Paulo, ainda nos tempos atuais, em sua versão digital de 21 de junho de 2022 fala da “idade do universo” associando esse valor ao momento de condensação máxima do universo.
Naquele livro mostro, de modo que me parece ainda hoje bastante claro e simples, como o bigbang nada mais é o que um momento de alta condensação do universo, um momento de passagem.
No dia 17 de maio fui convidado para dar uma palestra na Casa do Saber em São Paulo (Unidade Jardins) onde fiz o lançamento de meu livro. Reproduzo parte da chamada para essa conferência que teve a mediação do jornalista Ulisses Capozolli, editor-chefe da revista Scientific American.
Mesmo sem ter produzido uma explicação racional da origem do universo, nos explica Novello, o modelo Big Bang — isto é, a idéia de que o universo foi criado por uma grande explosão que teria acontecido a uns poucos bilhões de anos —- dominou o cenário cosmológico durante a maior parte da história moderna da Cosmologia e, em particular, desde os anos 1970 a 2000. Isso se deveu a várias circunstâncias que o cosmólogo irá examinar nesta conferência.
“Ainda que esta imagem extremamente simplista do que teria ocorrido no inicio da atual fase de expansão do universo não tenha sido totalmente abandonada, devemos reconhecer que ela não tem mais nem o vigor nem a hegemonia que possuía no passado recente”, ressalta Novello. “A origem desta mudança de paradigma no imaginário do cientista tem várias causas, sendo uma das mais relevantes a que está associada às observações astronômicas recentes que sugerem uma aceleração da expansão do universo.”
COSMOSECONTEXTO.ORG.BR
Em 2012, juntamente com meus alunos de mestrado e doutorado à época decidimos criar um espaço na web onde poderíamos apresentar nossas ideias sobre cosmologia e áreas afins e torna-las disponíveis para o público em geral. No primeiro momento contei com o fundamental auxilio de Eduardo Bittencourt, Maria Borba, Grasiele Santos e Josephine Rua. Essa última sugeriu o nome cosmos e contexto para essa revista eletrônica, que remetia ao meu primeiro livro de divulgação. Todos nós concordamos com essa sugestão e esse ficou sendo seu nome.
No primeiro momento, nos primeiros anos, a tônica dessa revista se concentrava em questões da ciência, embora volta e meia tínhamos artigos da área das humanidades.
O ponto de virada da revista aconteceu com a entrada de Flavia Bruno e Nelson Job como coeditores. Desde então, a revista tem dado espaço maior a questões de outras áreas do saber, como filosofia, antropologia, sociologia, politica entre outras.
Em particular, como consequência natural do que venho comentando nas últimas décadas sobre minha visão da ciência, foi nessa revista que resolvi publicar meus comentários sobre cosmologia através do que chamei Manifesto Cósmico.
Em meu livro O universo Inacabado, publicado pela editora N – 1 em 2018, esse Manifesto aparece no apêndice.
Recentemente, meu editor da N – 1, publicou em uma série chamada Pandemia, a sequência que recebeu o título Manifesto Cósmico 2.
OS CIENTISTAS DA MINHA FORMAÇÃO
Em 2016, a editora Livraria da Física publicou meu livro Os cientistas da minha formação onde resumo para um público geral algumas das atividades de quatro grandes cientistas brasileiros com os quais tive o prazer de conviver durante várias décadas: Cesare Lattes, Jayme Tiomno, José Leite Lopes e Mario Schoemberg.
Nesse livro – que recebeu o prêmio Jabuti — comento minhas atividades ligadas a eles, e como eles foram importantes não somente em minha formação, mas também para uma geração inteira de físicos brasileiros.
O QUE É COSMOLOGIA
Em 2006 publiquei pela Jorge Zahar meu livro O que é cosmologia? que tinha como subtítulo A revolução do pensamento cosmológico. Nos agradecimentos que fiz no inicio daquele texto dá uma ideia de como ele foi estruturado na prática, que transcrevo abaixo.
Agradecimentos à Cristina Zahar que, pacientemente, provocou-me durante o último ano para que este livro viesse à tona; a meus alunos e colaboradores com quem tenho dialogado cotidianamente, principalmente nas questões técnicas; a meus amigos e colaboradores José Martins Salim e Luiz Alberto de Oliveira, pelas conversas e discussões ao longo dos anos; ao professor Amaral Vieira, que me tem colocado inúmeras indagações sobre o Universo; ao professor Edgar Elbaz, nos diálogos infindáveis que tivemos no últimos anos, em sua casa de campo, nos arredores de Lyon. Remo Ruffini me convidou a passar o mês de setembro deste ano e usar toda a infraestrutura do Internacional Center for Relativistic Astrophysics, sede da ICRANet em Pescara, dando-me condições para que eu tivesse liberdade e tempo para finalizar os comentários finais deste livro. Foi precisamente o que fiz, tendo a beleza do mar Adriático bem à minha frente.
Esse livro retoma o caminho que eu havia iniciado com meu primeiro livro, Cosmos e Contexto. Há, no entanto, uma diferença marcante, pois esse novo livro tem mais textos sobre questões técnicas. Isso foi consequência de pretensão em querer atrair meus colegas físicos para uma permanente reflexão sobre suas atividades, o que não aconteceu. Essa ausência de meus colegas físicos nessa empreitada levou-me, uma década depois, a redigir os Manifestos, como veremos. Essa visão fica claro no texto com que termino um capitulo daquele livro e que reproduzo aqui:
É assim que devemos entender a função da Cosmologia, como um resgate da ciência em seus primórdios. Quando ela ainda deixava as portas abertas para que a tradição que o homem acumulara ao longo de sua história, nos variados saberes, pudesse por ali passar, entrar e sair. Resgatar outros saberes, colocar-se a questão fundamental e repetir inúmeras vezes: “por que existe alguma coisa e não nada?”
Em verdade, esse livro, cuja primeira edição se esgotou rapidamente, atraiu a atenção de alguns físicos que tinham papel importante na formação de jovens cientistas. Um deles, meu amigo Ugo Moschella, ficou tão interessado que resolveu traduzi-lo para o italiano. Ele foi publicado, no mesmo ano, pela editora Einaudi sob o titulo de uma seção de meu livro, Qualcosa anziché il nulla (La rivoluzione del pensiero cosmologico).
Manifesto Cósmico
Em 2016 escrevi o Manifesto Cósmico que CosmoseContexto publicou. Mais tarde, ele foi reproduzido no meu livro da editora N – 1. Como orientação, aparecia a frase de Hegel “Jamais, jamais concluir uma paz com o dogma”.
Reproduzo abaixo a sua introdução e um comentário sobre solidariedade cósmica que desenvolvi em livro posterior.
Somente quando colocamos a Cosmologia na frente de nossas intenções de dialogar com a natureza, aceitando seu efeito desestabilizador do pensamento tradicional da física, eliminando assim o nevoeiro que envolve o discurso formal da ciência fixado pelas práticas que configuraram a sociedade, é possível enxergar com clareza as consequências da aceitação de que a verdadeira ciência fundamental é histórica. É compreender o alcance revolucionário dessa historicidade que trataremos.
O universo solidário
Até muito pouco tempo a microfísica e, de modo mais amplo, a física terrestre, eram pensadas fora do contexto cósmico. Elas pareciam não necessitar de explicação ulterior, eram tratadas como sistemas autorreferentes, sem admitir qualquer forma de análise extrínseca para constituir uma razão auto consistente. No entanto, nas últimas décadas a cosmologia invadiu abruptamente esse domínio tranquilo do pensamento positivista dominante e destruiu a paz racional daqueles que acreditam que a Terra, os homens, possuem um papel especial no universo.
O UNIVERSO INACABADO (A NOVA FACE DA CIÊNCIA)
No capitulo 11 de Cosmos e Contexto, intitulado O Universo Inacabado, trato de especulações que alguns físicos fizeram a partir de certas soluções especiais da relatividade geral. A mais curiosa questão envolve a possibilidade de haver configurações que podem ser entendidas como o inverso de um buraco negro, o chamado buraco branco. Essa configuração envolve a injeção no universo de matéria nova.
Em 2018, retomei essa questão referente a configurações da matéria e do espaço-tempo que estariam em continua transformação arrastando as próprias leis da física nessa dinâmica. Essa evolução desse tema foi consequência dos resultados teóricos e observacionais que foram conseguidos nesses 18 anos de intervalo entre os dois textos. O livro com esse titulo foi publicado pela editora N – 1 de São Paulo.
Reproduzo abaixo dois momentos simbólicos que expressam bem o que ali escrevi.
Nós só reconhecemos uma só ciência: a ciência da história, afirmam Marx e Engels em A ideologia alemã. Como entender essa sentença no interior da atividade científica, na física, por exemplo? Somente aprofundando uma autocrítica que permita exibir as origens de sua refundação na cosmologia – a ciência histórica por excelência. Não exclusivamente baseada na aceitação da variação temporal do volume total do universo, mas por outros indícios esclarecedores, como a existência de processos de bifurcação.
Os físicos não consideraram aquela afirmação de Marx e Engels seriamente porque a quase totalidade dos cientistas acreditavam que aqueles filósofos estavam se referindo às questões humanas, o território natural da historicidade. A física, a ciência da natureza por excelência, sempre foi associada a uma prática que lida com processos que não se submetem à evolução e transformação que aquela asserção sub-repticiamente remete. No entanto, há argumentos sólidos segundo os quais aquela sentença pode efetivamente ser aplicada igualmente à física.
QUANTUM E COSMOS (INTRODUÇÃO À METACOSMOLOGIA)
Reproduzo abaixo a orelha de meu livro mais recente, que me foi estimulado por vários amigos e que foi publicado pela editora Contraponto em 2021, ano II da pandemia da covid.
Desde sempre o homem foi atraído pelo esplendor do universo.
Adentrar a cosmologia, usar a razão e o método cientifico para perscrutar o universo deveria ser um momento grandioso do pensamento.
No entanto, a cosmologia ao longo do século 20 produziu a diminuição desse maravilhamento, deixando em seu lugar equações que para a grande maioria dos não-iniciados não faz sentido e cuja interpretação não aprofunda a reflexão sobre o mundo. A acreditarmos em Heidegger, a ciência não poderia mais ser entendida como um valor de civilização, ela se tornou um afazer técnico e prático. Ela não permitiria, no caminho que se desenvolveu, produzir modos de pensar amplos, capazes de despertar o espirito e produzir reflexão sobre o mundo.
Contrariamente a essa visão negativa do filósofo, iremos ver que a cosmologia está gerando um movimento de ideias que vão em direção oposta e, sim, permitem um despertar do espirito. Em particular iremos ver como uma certa atividade, construída a partir da análise da estrutura do universo, deu origem a um caminho de renovação do pensamento que chamaremos de metacosmologia. De modo preliminar podemos distinguir a cosmologia que trata deste universo, da metacosmologia, que trata de todos os universos compossíveis.
Na tarefa de produzir novos modos de pensar, a metacosmologia vai se apoderar, em particular, daquela que Heidegger considera a questão fundamental da metafísica, isto é, “por que existe alguma coisa e não nada?”
Entender como isso foi possível é o objetivo principal deste texto.
Em resumo, iremos tratar do microcosmo e suas múltiplas aparências; da distinção sombria entre o real e o virtual; dos múltiplos tempos da física e do tempo único da cosmologia; da dependência cósmica das leis físicas. Daremos então um salto no vazio e mesmo além; veremos o significado do processo de bifurcação exibido por um cosmos indeciso que limita o determinismo. Finalmente exibiremos o mecanismo descoberto pelos cosmólogos de um universo cíclico que produz processos em repetição e as diferenças que ocorrem em vários ciclos. Chegamos enfim ao universo solidário antecipado por Giordano Bruno e a construção de uma ética a partir dele.
MANIFESTO CÓSMICO-2
Um dia, recebi uma carta de meu editor da N – 1, perguntando se eu aceitaria que o Manifesto Cósmico-2 que eu publicara na revista cosmosecontexto fosse incluído na série Pandemia que a N – 1 estava publicando. Embora relutante no primeiro momento, acabei aceitando. O editor Peter Palbert explicou que esse texto, assim como de outros autores constituiriam a série Pandemia sob forma de cordel e no domingo, 8 de maio de 2022, fez-se o lançamento do Manifesto com leitura performática em São Paulo. O Manifesto-2 termina com a seguinte declaração
A autocrítica que vimos comentando nesse Manifesto põe em relevo um mal-estar que atinge o modo científico de conduzir o pensamento racional sobre o que existe.
A ciência, sem perder sua intimidade original com a filosofia, deveria servir para libertar o homem da submissão a um projeto único de pensar o mundo. Infelizmente isso não ocorre devido ao papel que hoje lhe é atribuído, a subordinação de sua função à técnica, na construção de um mundo pervertendo nosso cotidiano.
A ilusão da configuração pétrea das leis físicas terrestre, a hipótese de sua atuação ilimitada no cosmos, sua dependência estreita e completa do antropomorfismo que a domina, produz forças extremamente poderosas que impedem de fato a construção dessa liberdade.
No entanto, a atividade científica, como a identificamos nesse texto, pode servir para essa função libertária, de par com a filosofia e os demais saberes.
Nas palavras de Heidegger, a ciência não poderia mais ser entendida como um valor de civilização, ela se tornou um afazer técnico e prático. Ela não permitiria, no caminho que se desenvolveu, produzir modos de pensar amplos, capazes de despertar o espirito e produzir reflexão sobre o mundo.
No entanto, nestas lições sobre a cosmologia conseguimos detectar como é possível produzir novos modos de pensar através da metacosmologia e como ela se organiza para se apoderar daquela que Heidegger considera a questão fundamental da metafísica, isto é, “por que existe alguma coisa e não nada?”
Por fim, restaria lembrar que, por estarmos caminhando pela mesma estrada, nós, cosmólogos e filósofos — e todos aqueles que se dedicam aos fundamentos da ciência e dos modos de pensar, — nem sequer deveríamos perceber que escolhemos discursos distintos para fazer comentários sobre o mundo.
OS CONSTRUTORES DO COSMOS
Esse texto será publicado ainda esse ano de 2022 pela Editora Contraponto. Copio abaixo parte da introdução desse livro.
Na virada para o século 20 uma crise que se prolongava por mais de um século foi finalmente dissolvida, dando origem a uma profunda restruturação da física. Duas grandes revoluções começavam a aparecer no cenário da física, devido a dificuldades em explicar certos fenômenos. Um deles envolvia uma disputa sobre o valor da velocidade da luz. Diversas experiências apontavam para um valor extremo e constante, independente do estado de repouso ou movimento do observador. Além disso, acirrava-se uma discussão sobre o verdadeiro caráter da luz, se ela deveria ser entendida como onda ou partícula.
A compreensão dessas questões fez surgir duas grandes teorias: a Relatividade Especial e a Quântica.
Como consequência da Relatividade Especial, uma nova teoria da gravitação apareceu, a Relatividade Geral.
Logo depois que Einstein transformou a gravitação newtoniana em uma alteração da geometria do espaço-tempo, na teoria da Relatividade Geral, ele foi levado a aplicar sua nova visão da interação gravitacional na construção de uma cosmologia, um modelo de universo, para além do cenário newtoniano. Esse empreendimento nada mais é do que a consequência natural de que toda teoria da gravitação funda uma nova cosmologia.
Esse primeiro modelo representava um universo estático. Logo em seguida Alexandre Friedmann, um cientista de São Petersbourg, construiu um modelo de universo dinâmico, segundo o qual o volume total do universo varia com o tempo cósmico.
A partir desse cenário proposto por Friedmann com seus sucessos para explicar observações de caráter cósmico, bem como as dificuldades inerentes a esse modelo, a evolução da Cosmologia ao longo do século 20 tem uma história maravilhosa que é descrita nesse livro. Em particular, uma consequência notável dessa história mostra estarmos no centro da eclosão de uma terceira revolução na física. É o que veremos nesse texto.
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A CAPA DOS LIVROS CITADOS NESSE TEXTO PODE SER ACESSADA NO SITE DE MARIONOVELLO
https://marionovello.com.br/publicacoes/livros-publicados/
CONFERÊNCIAS DE DIVULGAÇÃO
Uma outra atividade que venho desenvolvendo há muito tempo envolve a organização de conferências no CBPF para divulgação e interação entre ciência e humanidades, formas de saberes que devem caminhar juntas. Uma boa parte dessas reuniões foram feitas em colaboração com meus companheiros da revista Cosmos e Contexto, Flavia Bruno e Nelson Job. Cito algumas abaixo.
FRIEDMANN SEMINAR IN RIO (JUNHO 2011)
MITOS COSMOGÔNICOS (AGOSTO DE 2013)
RENASCIMENTOS: COSMOLOGIA, NATUREZA E ÉTICA (SETEMBRO DE 2015)
RENASCIMENTO DAS UTOPIAS (SETEMBRO 2017)
DO MUNDO ARCAICO ÀS COSMOLOGIAS MODERNAS (AGOSTO 2018)
1900 (ABRIL DE 2019)