Pororoca: a criação “brasileira” enquanto levante
Estudos da Língua(gem) – ISSN: 1982-0534
DOI: 10.22481/el.v19i1.9155
Link do DOI: http://doi.org/10.22481/el.v19i1.9155
RESUMO
Investigaremos a emergência de novos conceitos e práticas brasileiras. Para isso, será necessário denunciar o nazifascismo ubíquo e a colonização estruturalista e transcendente no pensar brasileiro. A partir dessa crítica, vamos buscar no conceito de ninguendade de Darcy Ribeiro, imanência de Spinoza, na esquizoanálise de Deleuze e Guattari, a educação de Tim Ingold, a confluência em que emergem os transaberes enquanto um criar brasileiro ressoante e micropolítico, cujo fazer é norteado não por método, mas por um poestéticaos que chamaremos de pororoca. Dessa pororoca, nasce uma peculiar clínica brasileira e uma apreensão do que é, de fato, a singularidade brasileira, a partir do sertão político, literário e cinematográfico, que ressoa com diversas novas produções no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Imanência; Micropolítica; Ninguendade; Ressonância; Transdisciplinaridade.
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O poder que se fez herdeiro de toda a metafísica ocidental, o Império, extrai desta toda sua força, mas também a imensidão de suas fraquezas. (TIQQUN)
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros? (Carlos Drummond de Andrade)
Pensar a diferença em si mesma em um contexto que podemos chamar de clínica no Brasil é uma tarefa que, se levada a cabo no campo conceitual dos transaberes, se torna um tanto sinuosa. Para tanto, teremos que envolver o problema da criação no Brasil e seus empecilhos, que, para além da clínica, envolve política.
Os transaberes são um campo conceitual e experimental que articula filosofia, ciência, arte e mística, criado por este autor (JOB, 2020a). Tal nomenclatura se deve ao desejo em problematizar o dualismo de discurso e prática nos pensadores da transdisciplinaridade. A transdisciplinaridade é um campo de conhecimento heterogêneo que emerge da interdisciplinaridade, a relação entre saberes diferentes em que, na relação, não se perde a autonomia da disciplina. Na transdisciplinaridade, se perde. É muito comum algum autor possuir um discurso transdisciplinar e uma prática de vida disciplinar. Para problematizar isso, criamos os transaberes, evocando uma univocidade entre discurso e vida, em que pensar e ser, transmutados em devir, se amalgamam enquanto intuição.
As críticas que faremos a determinados autores e linhas de pensamento aqui não visam considerá-las equivocadas, mas apenas insuficientes para nosso intento. Nosso intento é pensar os temas dados à luz dos transaberes; isso envolve levar em conta a intuição, mencionada acima, e a mística. Enquanto intuição, apreendemos como um desdobramento que parte do terceiro gênero do conhecimento em Spinoza (2008), ou seja, a capacidade de se perceber imanente a tudo que existe, onde “fazer parte” é diferente de ser uma parte desconectada do mundo, mas fazer parte é apenas referente a um determinado atrator possuir níveis de permeabilidade em relação ao que está além dele. Essa intuição spinozista desdobra-se na intuição enquanto método bergsoniano (BERGSON, 1999 [1896]), que, por sua vez, nos leva ao campo relacional, sobre o qual desenvolveremos adiante.
Enquanto mística, queremos nos diferenciar da “espiritualidade” como prática esotérica ou dogmática e nos aproximar do neoplatonismo: o saber a partir do extasis, sobretudo em Plotino, no século III EC, ou seja, da relação com a Unidade. Para evitar a necessidade de adequar os aparatos ontológicos entre neoplatonismo e a imanência de Spinoza, vamos assumir que o último fez as operações necessárias e poderemos assumir que podemos falar em imanência no lugar de Unidade.
Acerca da diferença em si mesma, apreendemos que a mudança muda. Isso quer dizer que não há suporte para a mudança (BERGSON, 2006 [1934]). A relação entre diferenças se dá por ressonâncias. Decorre-se disso que inexistem o mesmo, a representação enquanto re-apresentação e a repetição. Todas as ilusões ao se percebê-las se dão por insensibilidade e/ou negligência às microdiferenças. Vamos investigar a diferença aqui no tocante à brasileiridade para, em seguida, tratar da questão da clínica no Brasil.
Em relação ao problema da clínica, vamos, antes de chegar em uma reflexão acerca da clínica de âmbito mais amplo, nos ater à questão da clínica psicológica. Nesse ponto, fazemos valer as críticas de Deleuze e Guattari (1972) à psicanálise. Resumamos essas críticas no âmbito ontológico. Enquanto a psicanálise, eivada de sintaxes cartesianas e kantianas, mantém um dualismo de sujeito e objeto, cuja conexão cartesiana de “glândula pineal” faz às vezes aqui de “pulsão”, a esquizoanálise dos autores franceses parte de um campo relacional sem centralidade para nenhum dos eixos. Muitos evocam prontamente, ao ouvir essa crítica, o conceito de “campo transicional” de Winnicott (1975), posto que os próprios Deleuze e Guattari o consideram no limiar da psicanálise. No entanto, é preciso notar que o campo transicional sempre envolve seres humanos e o campo relacional é um conceito ontológico imanente que prescinde deles. Nesse sentido, o campo transicional seria uma espécie de subconjunto do campo relacional.
Nossa simpatia pela mística pode levar a crer que ressoamos com a Psicologia Analítica de Carl Jung, mas não o fazemos. Os problemas da psicologia junguiana são vários. De início, verifica-se um descuido de rigor ontológico, cujas conceituações platônicas e kantianas de inconsciente coletivo se relacionam com a filosofia imanente de Nietzsche, sem qualquer operação conceitual, o que já desqualifica Jung para um debate ontológico mais rigoroso[i]. De outro, é muito obnubilada sua aderência ao nazismo. Se, de um lado, Jung tratava bem seus colegas judeus e se desculpou publicamente pela sua aderência inicial, de outro, é inegável que ele diferenciou o inconsciente judeu do ariano, elogiou Mussolini, afirmando que Hitler seria um líder semelhante e necessário para a Alemanha, além de, em certos trechos de cartas, incluindo alguns da maturidade, apareciam críticas ao judeus e, finalmente, Jung sempre se manteve no âmbito politico como extremamente conservador, como seus colegas do Eranos (FROSH, 2021).
Insistimos na problemática da relação de Jung com o nazismo, porque o problema é muito mais amplo do que normalmente se considera. Partimos do pressuposto que o nazismo nunca acabou – vide a ascensão da extrema-direita no Brasil e no mundo e, mais ainda, sob um viés mais crítico e preciso que trataremos a seguir, o nazismo – o que é diferente de dizer “exército alemão” – foi o grande vencedor da Segunda Guerra.
É usual afirmar que o nazismo foi derrotado ao final da Segunda Guerra Mundial. É fato que os exércitos alemães foram derrotados, no entanto, o nazismo foi o grande vencedor. Vamos recontar a história. Para isso, é preciso recuperar o viés místico, negligenciado pela academia. O nazismo foi engendrado por uma ordem mística alemã chamada Thule, formada por místicos ricos e poderosos e alguns intelectuais, todos com o desejo de revolucionar a Alemanha (GRAZIANO, 2005). As ideias – teosóficas, por sinal – de raça ariana eram populares entre eles. Hitler foi uma escolha pela sua capacidade de oratória. Os membros de Thule financiaram e capacitaram logisticamente o partido nazista. Muitas negociações com nazistas eram feitas com os EUA por meio das suas grandes corporações, como a IBM, que criou cartões para organizar os extermínios nos campos de concentração, a General Motors, que motorizou a tática blitzkrieg nazista, a Ford, grande inspiradora do antissemitismo, a Fundação Rockefeller, que financiou a ideia de eugenia e o Instituto Carnegie, que proliferou a teoria racista e criou o sistema de marcar judeus (BLACK, 2018). Na derrota do exército alemão, muitos membros de Thule migraram para os EUA, fazendo parte de várias ordens secretas, muitas em universidades norte- americanas, a maioria delas em Yale, de onde vieram vários presidentes norte- americanos. A mais importante delas é a Skull & Bones, cujos membros mais conhecidos são Bush pai e filho, sendo que o Bush avô era um importante empresário norte-americano com negócios intensos com os nazistas. Essa rede de ordens secretas nazistas são componentes importantes do maior conglomerado de poder ocidental: o Council of Foreign Relations. Para se ter uma ideia da extensão do poder do CFR, o famoso Clube Bilderberg é apenas uma ínfima parte sua.
A partir disso, podemos rever a ascensão dos EUA pela ótica do nazismo: aumento do poder bélico – maquiado pelo discurso de “liberdade” –, bem como a invasão de países de poder bélico inferior, a estratégia de uso do cinema como máquina de proliferar sua ideologia, a ambição em estabelecer um império mundial e até mesmo a prática de uso de estimulantes para aumentar a eficácia, posto que o médico de Hitler ministrava cocaína nele – vide seus discursos eufóricos e caricatos –, bem como o exército nazista era todo ele usuário da mesma substância, sobretudo em suas primeiras campanhas, o que explica grande parte de sua eficácia, posto que a droga diminuía o sono e o medo (OHLER, 2017).
A sociopatia nazista molda o way of life norte-americano: para se vencer no capitalismo, é preciso ser cada vez mais sociopata. As estratégias sem o mínimo de simpatia (BUBANDT; WILLERSLEV, 2014) são as mais eficazes para vencer, no sentido que qualquer estratégia é válida para derrotar o concorrente. Os filmes e séries que abundam mostrando policiais incorruptíveis caçando serial killers escondem a questão de que sociopatas estão mais presentes em altos cargos de empresas do que nos presídios, além de esconder uma constatação mais dramática: o mundo é governado por sociopatas.
É preciso apreender algumas estratégias do CFR e sua capilaridade para entender o mundo que estamos vivendo e avançar em nossas conceituações neste artigo. Boa parte de sua estratégia é conhecida como guerra híbrida (KORYBKO, 2018). A guerra híbrida é uma estratégia dos consórcios de poder para se dominar outros países, utilizando-se de manipulação das mídias e redes sociais, evitando assim o uso de armas e tanques. Os estudos revelam que as revoluções coloridas, como Síria, Ucrânia, a Primavera Árabe e a ascensão do governo controlado por militares no Brasil de hoje (LEIRNER, 2020) são exemplos de guerras híbridas.
Uma das características da guerra híbrida é o domínio de espectro total. É preciso criar uma dualidade na sociedade, suscitando no imaginário a ideia de inimigo coletivo, assim como o nazismo estimulou o ódio aos judeus, aqui no Brasil foi estimulado o ódio aos “comunistas”, em uma definição duvidosa que envolvia entre seus exemplos a Rede Globo e até a ONU. Em seguida, é preciso dominar o discurso de ambos os lados, ou seja, da direita e da esquerda. No caso da primeira, as redes sociais são estimuladas em grupos onde há o domínio de medo e ódio, como o próprio Steve Bannon, ideólogo da extrema-direita e consultor de Trump, que popularizou serviços de manipulação de redes como da Cambridge Analytica. Os grupos de redes sociais são estimulados a se organizarem e fazerem manifestações em locais simbólicos no país para pedir o fim do governo. No caso da esquerda, empresários como George Soros bancam sites progressistas para criar uma narrativa de esquerda que interesse ao poder e evite temas mais espinhosos. Pierre Omidyar é um exemplo que também toca no caso brasileiro. A “Vaza-jato” do jornal The Intercept revelou em seu início apenas notícias óbvias, mostrando que a Lava Jato tinha uma ideologia contra o governo de esquerda, no poder à época. Apenas depois que o então ministro Sergio Moro, outrora juiz preferido da operação Lava Jato e, em seguida, ministro do governo Bolsonaro, ter saído do governo, começam notícias acerca das relações da Lava Jato com a CIA. O timing é sempre “perfeito” e de acordo com os peões que o poder quer mexer ou oferecer como estratégia. Enquanto isso, o público “progressista” repete as ideologias desses sites. O caso do “movimento” Black Lives Matter também é exemplar. Bancado por George Soros e sua Open Society Foundations, o Black Lives Matter alimenta um imaginário em que as minorias devem pedir ajuda ao poder, sendo que este, do alto de seu trono, concede migalhas e todos ficam felizes, com alguns “intelectuais” de esquerda recebendo honorários para celebrar a ajuda de Soros. Claro que a capilaridade da OSF permite que muitas pessoas bem-intencionadas a ajude sem nada em troca, por ingenuidade e/ou desinformação. A questão é que esse movimento diminui a emergência de atitudes que incomodam um pouco mais, por exemplo, um slogan muito mais proativo como power to the people. Outro exemplo é a famigerada Renda Básica Universal. Em um mundo em que a concentração de renda só aumenta – sendo que a pandemia apenas acelera essa concentração –, a melhor forma de controlar levantes da crescente população miserável é fornecer um salário- mínimo universal controlado pelo poder. Claro que inúmeros intelectuais de esquerda ovacionam a proposta, dificultando ainda mais a percepção de que se trata de um movimento calculado para diminuir os levantes.
Levando o tema da guerra híbrida um pouco mais longe e assumindo uma hipótese ainda em estágio inicial, gostaríamos apenas de sugerir que sempre houve guerra híbrida. A epígrafe da obra supracitada de Korybko sobre as guerras híbridas é uma frase da Arte da Guerra de Sun Tzu: “O Mérito Supremo consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar”. Se um general chinês do século V AEC já estava ocupado com a ideia de que a melhor estratégia militar era evitar o confronto direto, podemos supor que o poder já teve tempo suficiente para sofisticar essa ideia. Vamos dar um passo maior atrás na história. Na passagem do Império Antigo para o Império Novo no Egito Antigo, cerca de 1.550 AEC, houve um aumento do poder dos faraós (NUNES CARRERA, 1994). Como se deu essa lenta mudança? Mediante uma mudança no imaginário, a saber, foi suscitada uma das primeiras “fake news” que se tem notícia na história: a transcendência. Durante o Império Antigo, os deuses habitavam o mundo dos seres humanos; por exemplo, quando se cometia um ato justo, a deusa Maat se expressava nos seres humanos por meio desse ato justo. Na passagem para o Império Novo, os deuses deixaram o plano imanente para habitar um recente plano transcendente, assim sendo, alguém que cometia um ato justo apenas aspira a Maat. Com os deuses abandonando o plano humano e se instalando em um “plano superior”, cultiva-se então no imaginário uma ideia de inferioridade no humano, preparando esse imaginário para uma obediência. Obediência a quem? Ao humano que tem relações diretas com os deuses: o faraó.
Se desde o longínquo século XV AEC já havia técnicas tão sofisticadas de controle do imaginário, podemos supor em que estado isso está hoje e como se deu ao longo da história. Especulamos se a tão falada “luta de classes como motor da história” já não seria o efeito desejado do poder em iludir os despossuídos com a ideia reconfortante de que eles alguma vez já tiveram chance de mudar o jogo.
A questão do domínio de espectro total, aspecto importante no processo de guerra híbrida, também nos parece muito antiga. É comum a economia progressista fazer elogios às propostas de John Maynard Keynes em detrimento do seu “oponente”, Friedrich von Hayek (EHRET, 2021a). Keynes tinha uma concepção mais top down da economia e Hayek, mais “bottom-up”. No entanto, ambos foram amigos a vida toda, seguiam ideias malthusianas e eram antirrepublicanos. Keynes era membro da Sociedade Fabiana, ao lado de H. G. Wells, Bertrand Russel, Virginia Woolf e a teosofista Anne Besant (EHRET, 2021b). Com algumas ideias trabalhistas e pacifistas, que criaram uma imagem falsa de progressistas, os fabianos eram fascistas, racistas e eugenistas, tendo suas ideias aplicadas na Itália por Mussolini.
Em suma, o controle do imaginário é sofisticado e muito antigo. Os discursos de direita e esquerda, de forma geral, são controlados em grande parte pelo domínio de espectro total, fazendo que o pensamento progressista seja cada vez mais inócuo.
Voltando à questão do problema da Psicologia Analítica para além das suas ressonâncias com o nazismo: diante do que consideramos acima, fica difícil acreditar que a Psicologia Analítica seja profícua para pensar alternativas ao problema em seus desdobramentos, posto que sua própria sintaxe de pensamento ajuda na manutenção do problema. Além disso, há uma consequência da impregnação da Psicologia Analítica no imaginário da sensibilidade mística em geral, que está em ressonância com o problema do dualismo. Como uma sensibilidade imanente em relação à mística é uma ética que cultivamos nos transaberes, sendo relevante para uma vida plena, vamos aprofundar o problema do dualismo na concepção da mística no campo junguiano.
Podemos apreender, de uma forma geral, o paganismo, o xamanismo, a bruxaria, a alquimia, como tendendo a uma imanência. Mas o imaginário dualista ocidental, que desdobra uma linha que vai das influências gregas pelo Império Novo no Egito, como vimos, passando pelo platonismo, pela cultura judaico- cristã e chegando em Kant, inseriu uma apreensão ilusória e dualista mesmo em místicos contemporâneos. Na etnografia de Luhrmann (1989), verifica-se que a maioria dos bruxos e bruxas ingleses entrevistados alocam a magia em um plano à parte da nossa experiência física, que seria oriunda de um “plano científico”. Para nós, passa-se algo semelhante no meio da Psicologia Analítica. Sabe-se que ela psicologizou a alquimia (HANEGRAAFF, 2012). A alquimia é um saber legítimo, cujas essências, óleos etc. possuem uma eficácia. Negar isso e transformá-la apenas em dinamismo psíquico representacional é no mínimo um reducionismo com fundo de ceticismo; ceticismo esse que, se não era acometido por Jung, é por grande parte de seus seguidores. A mística, que é experiência de imanência com o cosmos, é traduzida por uma relação racional e interpretada com os arquétipos, racionalizando e tirando da experiência a questão mística. Entre os pós-junguianos, há algo ainda mais racionalizado, no sentido que criam tanto uma Psicologia Analítica sem seu grande conceito ao nosso ver, a sincronicidade (ainda que preferimos substituí-la pelo conceito de ressonância que citamos acima), mas também engendram um empobrecimento semelhante aos junguianos “clássicos”: uma espécie de neoplatonismo sem extasis. Se os junguianos clássicos tendem a desviar o olhar de temas contemporâneos[ii], os pós- junguianos o fazem sem repercussão para fora do seu meio (SAMUELS, 1989).
Uma expressão da Psicologia Analítica é seu fetiche com o mito do herói. É comum junguianos celebrarem o sucesso de sagas cinematográficas blockbusters, como Star Wars, como evidência de que a teoria dos arquétipos funciona. Foge ao nosso escopo aqui criticar ontologicamente o conceito de arquétipo, que envolve uma transcendência. Nós preferimos pensar com o conceito de máquina abstrata de Deleuze e Guattari e com o nosso vórtex. O que nos interessa aqui é mostrar o quão problemático é essa celebração do chamado “monomito”. O monomito é uma teoria do mitólogo Joseph Campbell baseado nas análises junguianas dos mitos, afirmando que existe uma narrativa que se repete à exaustão nas mitologias, contos de fada etc. Essa sequência envolve, em linhas bem gerais, algo como nascimento complicado, perda dos pais, ter um mentor, surgirem talentos especiais e/ou armas mágicas, o surgimento de um nêmesis, a recusa da jornada, a retomada da jornada e uma descida simbólica ou não ao mundo dos mortos, o retorno dos mundos dos mortos, a vitória, um casamento e uma ascensão divina (JOB, 2019). Campbell foi consultor de George Lucas para a saga Star Wars, que é uma das maiores franquias da história do cinema. O roteirista da Disney Christopher Vogler, colega de faculdade de Lucas, transformou o monomito no chamado “paradigma Disney”, alocando o monomito em animações e filmes. O paradigma Disney se mostrou um imenso sucesso, fazendo com que a Disney comprasse ao longo dos anos a Pixar, a Marvel, a própria Lucasfilm e a Fox, sendo que todas as maiores bilheterias do cinema mundial hoje em dia seguem à risca o monomito. O estrondoso sucesso cinematográfico do monomito se estende a livros best-sellers, videogames, história em quadrinhos etc.
O problema da onipresença do monomito é transformar a vida cotidiana em um imenso clichê. O monomito impregnou-se de tal forma no imaginário (ou seria o “inconsciente coletivo”?) que o ser humano ocidental médio é incapaz de imaginar outra forma de vida. Narrativas literárias como de Kafka, Borges e Clarice Lispector, filmes como os de Tarkovski, Philip Kaufman e para citar poucos nomes de narrativas outras, não-lineares, resistem, apesar da ditadura das plataformas de streaming, tornando esses autores cada vez mais estranhos ao imaginário.
A onipresença do monomito faz com que o imaginário do ocidental médio esteja aberto cada vez mais para ideologias fascistas, muitas vezes ocultas em filmes de super-heróis, como por exemplo, a naturalidade com que Batman tortura criminosos e é aplaudido por isso. O monomito pode significar um preparo para a “glória divina” do imaginário militar e sua capilaridade na sociedade. Por isso, uma clínica que celebra o monomito dificilmente realizará algo que, à luz dos transaberes, seja considerado de fato ético.
Estabelecidas as críticas à psicanálise e à Psicologia Analítica, vamos dispensar uma crítica às psicologias neuromédicas. Nos basta a crítica de Vidal e Ortega (2019), que afirmam que grande parte das pesquisas em neurociências não sobrevivem a um simples “e daí?” e o fato de que seu sucesso se deve sobretudo a uma influência acachapante e nefasta da indústria farmacêutica no meio das clínicas psicológicas e médicas (ALMEIDA; PEAZÊ, 2007). Para desenvolver o tema de uma clínica à luz da diferença e no contexto brasileiro, precisamos tergiversar e apreender, ainda que de forma breve, a questão da diferença e criação no Brasil.
O campo privilegiado para se pensar uma originalidade brasileira é o imaginário do sertão. Euclides da Cunha (2002), em sua obra literário-jornalística Os sertões, revelava, ao nosso ver, um vórtex que se expressava em Canudos.
Vórtex é o conceito mais importante nos transaberes. É uma auto- organização autodiferencia[iii]3 de vibrações, no sentido que um vórtex é formado por vórtexes e forma outros vórtexes, cujas relações são também vórtex. A estética dos transaberes é, por assim dizer, vibracional. Substituímos o conceito de “objeto”, bem como correlato dualista, o “sujeito” por vórtex, imanente, relacional, com nível de permeabilidade para além dele e instável – posto o devir – a ponto de poder deixar de ser ele mesmo, tornando-se algo até então impensável, inominável. O vórtex não tem como imagem imediatamente correlacionada os vórtices da mecânica de fluidos, ainda que a espiral seja uma imagem didática. O conceito de vórtex é um trampolim para a experiência no impensável, por isso a importância da intuição para nós.
Voltando ao sertão: Euclides da Cunha fala da singularidade da terra, do sertanejo, de Antônio Conselheiro e da Guerra de Canudos. Esses componentes formam um vórtex transtemporal em vários níveis vibracionais, que se expressam por uma geologia (o sertão propriamente dito), biologia (o sertanejo), “indivíduo (preferimos atrator ou mesmo vórtex)” (Antônio Conselheiro) e história (a Guerra de Canudos) singulares. Esse vórtex que se expressa pelo sertão vai ainda ganhar uma singularidade em um âmbito vibracional mais sutil – a linguagem – no romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (2006). As construções sintáticas e neologismos de Rosa inventaram uma nova língua dentro da língua portuguesa. Ainda uma singular faixa vibratória audiovisual do sertão seria criada com o filme Deus e o diabo na terra do Sol, de Glauber Rocha, fazendo com que o grande filme do Cinema Novo expresse uma estética sertaneja cinematográfica para o mundo.
Quando se descobre os manuscritos de Antonio Conselheiro (2017), Vasconcelos (2017) nos mostra que o líder de Canudos, longe de ser um louco, era um pensador político-religioso e grande estrategista, fazendo uma leitura singular do Novo Testamento. Considerá-lo “louco” é uma estratégia do poder em refrear a grande produção singular de potências de vida do sertão. Denunciar essa estratégia conduz ao cerne da problemática em se apreender a originalidade brasileira. O poder tende a minimizar as modulações das vibrações do vórtex.
Segundo nossas conceituações nos transaberes, a nossa ética é expressa da seguinte forma: é ético ampliar as modulações do vórtex e minimiza-se uma ética quando se restringe as modulações do vórtex. Quando se reúne os exércitos da “nação brasileira”, a serviço de uma aristocracia rural, para refrear os intensivos devires em Canudos, que criavam novas expressões de vida, o vórtex expresso pelo sertão sofre uma radical restrição de modulação. Uma clínica que emerge no Brasil deve-se atentar por essas variações na modulação.
Para avançar na apreensão do que é a produção de diferença no Brasil, devemos mergulhar no conceito mais importante criado para tanto, a ninguendade de Darcy Ribeiro (2013), em seu magistral O povo brasileiro. O brasileiro, segundo Darcy, nasceu miscigenado de várias etnias pelo ventre da mãe indígena. No entanto, ao não ser reconhecido pelo índio, branco e negro, o brasileiro, essa singularidade cultural e biológica, foi obrigado a criar uma cultura própria, que envolvia uma afetividade própria. Há uma ressonância entre a ninguendade de Darcy com a análise que Deleuze (2005) faz dos filmes de Glauber Rocha, notando ali um povo porvir, o que alimenta o sertão como potência de criação brasileira.
É sintomático que grande parte da produção progressista brasileira contemporânea não se inspire pelo conceito de ninguendade, preferindo o “lugar de fala” – que reificam a separação de sujeito e objeto e serve sobretudo para minimizar o “lugar de escuta”, cultivando uma extrema-esquerda que possui dificuldade em dialogar, cujas “notas de repúdio” são a maior atitude “revolucionária” – além de construir a infeliz estratégia de “racializar para desracializar”, entre outras. “Raça” é um conceito inconsistente e sem base científica. Deveria ser trocado por etnia, numa estratégia mais eficaz para se problematizar o racismo.
Antes de prosseguirmos, é preciso fazer mais um alerta de empecilhos nesta jornada em busca da singularidade brasileira.
Primeiro, de âmbito mais geral, nosso alerta seria em relação ao “pensamento complexo”, ligado sobretudo à obra de Edgar Morin[iv] (1997). Nos transaberes, primamos pelos conceitos que, de um lado, convidem a uma dança na imanência e, de outro, evitem uma postura semelhante a montar quebra- cabeças ou simplesmente emendar velhas ideias. Buscamos conceitos originais que permitam uma mais ampla modulação no espectro de vibrações. Morin tende a conectar saberes usando hífens emendando radicais, como no seu termo “físico-bio-psico-antropossociológico”, apenas conectivo, mas não criativo. Conceitos como o rizoma de Deleuze e Guattari ou o transindividual de Gilbert Simondon, que, de fato, criam algo novo e útil para o pensar e o relacionar saberes, nos comovem mais. Em termos de complexidade, seria mais preciso se orientar pela biologia e pela obra de Henri Poincaré, por exemplo.
Nosso segundo alerta vai nos conduzir a um empecilho mais brasileiro. Como afirmamos anteriormente, uma filosofia da imanência é muito útil para pensarmos uma liberdade e devires criativos. A filosofia de Spinoza e Bergson, desdobrada magistralmente por Deleuze e Guattari, nos fornecem potentes conceitos para desenvolver essa liberdade de criação, assim como nos oferecem dispositivos para sofisticar um saber cada vez mais transdisciplinar, o que, em nosso caso, culmina nos transaberes. No entanto, o estruturalismo, tão criticado pela dupla francesa, insiste em povoar o campo deleuziano, criando “diques no devir” por meio de suas estruturas.
A antropologia estruturalista, desde seu início, tenta trazer uma suposta “boa vontade” com o imaginário dos povos indígenas. No entanto, é apenas uma forma de garantir as crenças iluministas diante da magia desses povos. É emblemático o caso do artigo “O feiticeiro e sua magia”, de Lévi-Strauss (1996). Nele, o criador da antropologia estruturalista legitima a eficácia da magia do xamã pelo sistema de crença indígena, sobretudo pelo fato de o próprio amaldiçoado pelo xamã acreditar na maldição, assim como a própria tribo, o que faz que todos o evitem e deixem ele cada vez mais doente e miserável, levando-o à morte. Lévi- Strauss compara esse sistema de crença com a eficácia do paciente na psicanálise, dando a deixa para Lacan fundar uma psicanálise estruturalista.
Todas essas explicações de Lévi-Strauss são coerentes e as levamos em conta para apreender o fenômeno xamânico, no entanto, elas visam eliminar o mais importante: o campo relacional ao longo do xamã e seu amaldiçoado. Nos transaberes, assumimos que as ressonâncias vibracionais entre eles existem e legitimam o ato mágico enquanto mágico. As explicações secularistas da antropologia estruturalista são apenas complementares a esse campo que é vibracional e, de fato, mágico.
Se a psicanálise tenta por inúmeras vezes ludibriar as críticas da esquizoanálise, a antropologia brasileira criou uma intrincada conceituação estruturalista com temperos supostamente deleuzianos, o “perspectivismo ameríndio”, mas mantendo a mesma descrença iluminista, agora adornada de conceitos deleuzianos aplicados de forma questionável.
O perspectivismo surgiu a partir da etnografia de Tânia Stolze Lima (2005) com o povo guarani Yudjá ou Juruna, do Parque do Xingu, canoeiros e produtores de cauim, bebida alcoólica produzida a partir da mandioca ou do milho. Talvez por machismo na academia, talvez por mais eloquência, o perspectivismo é mais conhecido por e atribuído ao orientador de Lima, Eduardo Viveiros de Castro[v] . O perspectivismo aplica na etnografia uma concepção própria da Monadologia do filósofo alemão do século XVII, Leibniz, com uma noção de crítica ao dualismo de natureza e cultura proposta pelo filósofo católico Bruno Latour. Parte-se do princípio de que a igualdade é ligada ao ser humano para ameríndios, ou seja, uma pedra “vê” outra pedra como ser humano, uma árvore “vê” outra árvore como ser humano e uma onça “vê” outra onça como ser humano. Cada “vista de um ponto” gera um mundo, sendo que a sociabilidade se dá na relação desses mundos. A crítica com inspiração latouriana feita por essa antropologia perspectivista, autodenominada de “antropologia simétrica” (cujo nome já dá um tom dualista), em relação à antropologia tradicional, é que o antropólogo vai realizar sua etnografia pressupondo a mesma natureza e diferentes culturas. O perspectivismo realiza uma “virada ontológica” e propõe o contrário, que há uma mesma cultura, a saber, o “ato de ver” e diferentes naturezas, posto que cada vista de um ponto gera um mundo, ou seja, um “multinaturalismo”, que é um tipo de animismo, segundo eles, “imanente”.
Nossas críticas ao perspectivismo são basicamente três. A primeira, acerca da inversão de natureza e cultura. Ela não resolve o problema do dualismo, nem sai de uma perspectiva kantiana, como o perspectivismo pleiteia, mas apenas a inverte, um Kant invertido, pois sua inversão ainda mantém uma estrutura de natureza e cultura separadas: mais uma das inúmeras maneiras de criticar Kant de forma kantiana. A segunda é que “o mundo que se expressa” por uma determinada perspectiva é sempre o mesmo. Uma onça sempre “verá” uma outra onça como ser humano. Sendo assim, a Monadologia do perspectivismo está aquém de Leibniz, pois este coloca que a mônada está em devir. É preciso deixar claro que devir não é apenas deslocamento, mas uma mudança que muda, como conceituamos no início deste artigo. Se uma onça sempre “verá” uma onça como ser humano, como se instala o devir nessa permanência? Isso seria possível no caso da lagarta, suscitando aqui um perspectivismo que consideramos mais consistente com Leibniz, que, em um momento inicial, o “mundo que se expressa” pela vista de um ponto da lagarta, ela apreenderia “perspectivamente” o casulo enquanto casa. Já em um devir-borboleta da lagarta, a casa se tornaria prisão. Nesse caso, teríamos uma perspectiva, de fato, em devir. Se a Monadologia do perspectivismo está aquém de Leibniz, que dirá das concepções leibzinianas de Deleuze… Finalmente, nossa terceira crítica se dá pela própria escolha de se nortear uma etnografia pela perspectiva, ou seja, norteado pelo sentido da visão, sentido privilegiado da cultura europeia. Segundo David Howes (2013), dos sensory studies, o ameríndio tem como sentido privilegiado o olfato. Quando, nos transaberes, preferimos uma estética vibracional, todos os sentidos confluem – via modulação de vibrações – na intuição.
O perspectivismo ameríndio, como dissemos, vai emergir em grande parte a partir da obra de Bruno Latour. Nós fazemos ressonância com a crítica de Tim Ingold (JOB, 2021a) que mostra como Latour e sua Teoria Ator-Rede também são dualistas, dualismo de ator e rede. Ampliando a crítica segundo Ingold (2015), a rede enfatiza o nó em detrimento do que ocorre entre eles. Latour e os perspectivistas vão relacionar a rede latouriana com o conceito de rizoma de Deleuze e Guattari. Mais uma vez, observa-se aqui uma tentativa de estruturalização da filosofia nada estruturalista de Deleuze e Guattari. Ingold vai dizer que o rizoma é o que ele propõe enquanto alternativa para a rede: a malha. A malha é, de fato, contínua, não tendo os nós, que são eixos ou estruturas. Esses nós se converteriam então em emaranhados de linhas ao longo da malha, o processo que se dá ao longo de. Ingold, ele próprio muito crítico ao estruturalismo de Lévi-Strauss, produz essa antropologia das linhas na malha, que consideramos, de fato, muito mais ressoante e consistente com a filosofia de Deleuze e Guattari. Nesse sentido, o animismo de objetos proposto pelo perspectivismo é algo meramente intelectual, não povoando a experiência de quem o enuncia. Vamos apreender o animismo de forma mais contundente quando Ingold afirma que as coisas não estão vivas, mas se inscrevem na vida.
Os transaberes se inscrevem no animismo ingoldiano, no sentido de que tudo passa por modulações de vibrações. Ao ressoarmos com o campo da ciência, apreendemos que o mais sutil da natureza e, por isso, o que mais vibra, é o vácuo quântico. Apostamos em teorias recentes como a do físico Attila Grandpierre (2014), que afirma ser o vácuo quântico o início da vida no cosmos. No entanto, essa teoria é apenas um trampolim para apreendermos que vibrar é viver.
O perspectivismo vai encontrar uma ressonância estética na antropofagia dos modernistas brasileiros, ambos evocando o canibalismo indígena. A ressonância nos parece adequada, no sentido de que tanto o perspectivismo ameríndio como a antropofagia se autodeclaravam como uma originalidade tipicamente brasileira, mas estavam apenas reproduzindo modelos europeus devidamente contextualizados. No caso da antropofagia, a reprodução seria das vanguardas artísticas europeias do começo do século XX, no caso do perspectivismo, uma suposta “vanguarda” latouriana… De todo modo, reconhecemos que o modernismo inspirou movimentos brasileiros realmente originais, como o tropicalismo e a vanguarda paulista.
Tanto a psicologia analítica, quanto o estruturalismo e o pensamento complexo, ainda prefiguram um campo orientado ao objeto, ainda com vícios aristotélicos, cada um a seu modo. Nos transaberes, estamos ressoando à um mundo sem objetos ingoldiano, que serve de trampolim para o nosso conceito de vórtex, citado anteriormente. O vórtex é relacional porque ressoante, sem cair em dualismos.
Feito o alerta de uma suposta originalidade brasileira, podemos mergulhar na busca de uma originalidade, de fato. Se colocamos o modernismo não como exatamente original, é também porque notadamente as artes plásticas brasileiras tiveram poucas originalidades óbvias durante grande parte de sua história. Segundo o crítico e historiador da arte Rodrigo Naves (1996), o primeiro grande catalisador dessa originalidade foi Aleijadinho. De uma forma geral, as artes plásticas brasileiras têm facilmente sua reputação em xeque, possui uma “timidez formal” e uma “morosidade perceptiva”. O grande momento de originalidade foi com o neoconcretismo e suas afluentes, mas ainda assim, segundo o autor, eram obras que se relacionavam muito com o interior subjetivo de seus autores, como Hélio Oiticica e Lygia Clark.
Indo além do âmbito das artes plásticas, de fato, a originalidade brasileira é fácil de se perceber em muitos outros casos. Na música, o samba feito aqui vai trazer um ritmo e narrativas singulares, que vai se mesclar a ritmos de outras regiões do Brasil e estilos vindos de fora, gerando uma profusão de artistas e obras originais, como Villa-Lobos, a bossa nova – com seu peculiar início nas cordas agudas -, o já citado tropicalismo, e indo além no mangue bit e sua afluente, o BaianaSystem – cujos shows são uma ressonância entre roda de capoeira e festa rave -, no funk carioca, no tecnobrega, etc. Na literatura, já demos o exemplo de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, mas vai muito além, chegando no contemporâneo em nomes tão diversos, como Bernardo Carvalho, Nuno Ramos e Lourenço Muttareli, para citar poucos. O cinema, que, apesar de ser aviltado constantemente pela estética Globo, possui vários espasmos de criatividade, como o Cinema Novo já citado, o atual movimento de Recife, a produção audiovisual vinda das favelas, e, claro, Zé do Caixão.
José Mojica Marins criou um personagem tão intenso, que, além de fazer uma trilogia centrada no personagem, fez diversos outros filmes abordando aspectos dele: de como Zé do Caixão tinha vida própria, colocando até os debates psicanalíticos sobre ele nas telas, confrontando autor e personagem, mas filmados pelo próprio autor. Mojica se fundiu ao personagem, tornando-o uma poderosa entidade (sobre)natural brasileira, num caso peculiar de ressonância intensa ao longo do real e imaginário. O personagem Zé do Caixão era cético e niilista, mas seus desdobramentos o tornaram uma entidade mística.
Como conceituou Darcy Ribeiro, a mistura singular de etnias, junto a uma geologia e clima também muito variados, gerou um povo singular, cujo esplen(dor) é justamente sua ninguendade. Mas se estamos falando de clínica, onde está a originalidade do pensamento brasileiro?
Se nas artes plásticas o caminho foi tortuoso, mas assertivo e presente, no pensamento o problema é mais dramático: existe uma filosofia genuinamente brasileira? Se tomarmos, por exemplo, a pesquisa “metafilosófica” de Ivan Domingues (2017) no seu Filosofia no Brasil, a despeito das circunvoluções do autor, para nós, a resposta seria um sonoro “não”. No Brasil, os departamentos de filosofia são apinhados de disciplinas de filosofia francesa, alemã e, hoje em dia, africana. Em geral, assim como no modernismo, a tendência é adaptar um pensamento estrangeiro ao contexto brasileiro. Claro que são produzidos pensamentos relevantes, mas onde está uma produção de um pensamento genuinamente brasileiro? Vejamos alguns casos.
O Brasil se orgulha – ou, ao menos, até recentemente se orgulhava – de seu futebol. De fato, o racismo do nascente futebol brasileiro, que promovia muito mais faltas em jogadores negros, sobretudo nos clubes mais elitistas, exigiu que estes desenvolvessem a brilhante estratégia genuinamente brasileira de drible (NOGUERA, 2021). O drible, de fato, é um jeito brasileiro que pode dar muitas pistas de uma singularidade do saber local. No entanto, vale o alerta de que o futebol tende a ser, tanto no Brasil como no mundo, um elemento de propagação de ressonâncias conservadoras (FREIXO, 2014). A corrupção da FIFA – bem como sua preferência por países conservadores para sediar copas mundiais recentes – e dos clubes é conhecida. Além disso, a ideia de nacionalismo e movimentos nazifascistas são facilmente explorados no futebol, com suas torcidas organizadas, na grande maioria de suas campanhas adotam motes conservadores. A partir disso, entende-se melhor como a camisa da seleção brasileira foi sequestrada facilmente pelo atual movimento conservador no Brasil. Na ciência, temos o caso do cosmólogo Mario Novello (2018), que construiu um modelo de Universo Eterno em detrimento do modelo do Big Bang. O próprio Novello relaciona seu modelo com o conceito de devir de Heráclito, mas podemos ir mais longe e ressoá-lo com a respiração cósmica de Shiva dos indianos. Além disso, o cosmólogo brasileiro propõe que a cosmologia deve se emancipar da física, ressoando com outros saberes. Aqui temos uma oportunidade de um novo fazer científico brasileiro, ao sabor do que os transaberes propõem[vi]. Diante de problemas tão graves que assolam o Brasil de hoje, somos inundados por pensamentos progressistas que produzem uma conceituação inócua e repetitiva. Think tanks chineses inoculam falsas esperanças por meio da apologia às Novas Rotas da Seda, que beneficiarão apenas o capital internacional, com a presença de vários investidores norte-americanos, mostrando que a oposição EUA-China é apenas aparente em seu topo hierárquico, ainda que seja uma oposição real em suas capilaridades inferiores. Os autores contemporâneos europeus são citados à exaustão, quase sempre caindo numa contradição intermitente, como a do filósofo Paul Preciado (2021), publicada em entrevista recente, repleta de wishful thinking: “Eu não sou anti-identitário, ao contrário, eu posso por um momento fazer uso estratégico e hiperbólico das identidades, mas utilizando as identidades para desmontar a infraestrutura da taxonomia patriarcocolonial.” O jogo “identitário sem querer ser”, que ressoa com o “racializar para desracializar” que citamos acima, é repetido constantemente, cuja contradição mina as possiblidades de uma produção de fato libertária, sendo inócuo enquanto potência, além de galvanizar os preconceitos dos conservadores, sugerindo que a estratégia do poder seja exatamente proliferar teorias como essas.
No entanto, um novo pensar emerge das escolas primárias do Rio de Janeiro: o espaçólogo, horizontólogo e artista plástico Wallace Lopes (2020) cria, a partir de influências aparentemente díspares, como o geógrafo Milton Santos e o sambista Cartola, uma novidade no pensar brasileiro, conceituando a geosambalidade, o chakra do samba e a análise de golpes cognitivos, que vão de Aristóteles ao pensamento brasileiro contemporâneo da direita, sem cair nas armadilhas fáceis dos conceitos “progressistas” da moda.
Na interface das artes visuais, literatura e música, a artista Ventura Profana[vii] promove uma releitura do neopentecostalismo à luz da questão da transexualidade, realizando uma ressignificação de signos evangélicos conservadores e dogmáticos rumo à uma espiritualidade mais livre e contestadora. Ao invés de ir contra o conservadorismo neopentecostal, Ventura instala uma coexistência singular, promovendo um drible original e inesperado em relação à proliferação do ódio à diferença estimulada nas igrejas.
A lista é imensa, mas para citarmos um último exemplo, vejamos o caso da Estética do Frio. O músico, compositor e escritor Vitor Ramil (2021), sentindo- se excluído do estereótipo de brasileiro que gosta de calor e carnaval, propôs a Estética do Frio, sediada em Pelotas, cidade do extremo sul do país, fazendo fronteira com o Uruguai e Argentina. Os outros dois componentes são a poeta Angélica Freitas, autora de um dos livros de poesia de maior repercussão recente no Brasil, Um útero é do tamanho de um punho, e Odyr Bernardi, designer e desenhista de livros de histórias em quadrinhos, como Copacabana, todos moradores de Pelotas. Ramil compôs músicas a partir de poemas de Angélica, que, por sua vez, escreveu o roteiro da HQ de Odyr, Guadalupe. A Estética do Frio mostra que o Brasil é uma diversidade imensa de estéticas, que foge a qualquer estereótipo.
Se o Brasil é rico em processos criativos de toda a natureza, onde está a criatividade no pensar conceitual? Por que não temos um estilo autoral da nossa filosofia, por exemplo? Preferimos pensar nossa suposta subjetividade por meio de autores franceses e as questões de racismo e machismo por meio da filosofia africana, muitas vezes obnubilando o fato de que a própria África suscitou uma transcendência bem antes dos gregos, como discutimos neste artigo, e que um dos seus filósofos “fundadores”, Ptah-hotep (ARAUJO, 2000), vizir cujas proposições, além de fazer elogios ao poder, o fazia de forma machista, como em seu conselho: “Não a julgues, (mas) afasta-a [tua mulher] de uma posição de poder.”[viii]
Partindo dos exemplos de originalidade que citamos aqui, como a de Novello, Wallace, Mojica-Zé, Ventura e a Estética do Frio, percebe-se que o que há de mais criativo no país se dá mediante a confluência, da mistura, no ao longo de. A ninguendade de Darcy Ribeiro já mostrava para nós que essa é a nossa tragédia e nossa maravilha. Se o estadista Darcy colocava a singularidade do povo brasileiro como uma questão de tempo para ser um avatar em um novo processo civilizatório no mundo, nós partimos de outra reflexão: a grande qualidade do Brasil é em deixar de ser Brasil. Com isso, queremos celebrar o devir-Canudos no Brasil, não como apologia ao confronto, mas uma celebração das comunidades locais em que singularidades brotam, coexistindo nelas os mais diversos saberes. “Brasil” é um estado-nação, instância jurídica de poder. A brasileiridade tem a capacidade de avacalhar, para além do Bem e do Mal. Se, de um lado, por irresponsabilidade e insuficiência macropolíticas, avacalhamos o “destino da nação”, por outro, por intermédio da nossa criatividade micropolítica, engendramos capacidades únicas, somos o “cyberpunk de chinelos” (FONSECA, 2009), com habilidade para usar tecnologia de ponta por meio de gambiarras elétricas, sem nenhuma reverência, avacalhando com criatividade a estética futurista (ou seria distópica?) de empresas como a Apple, que tem seus iPhones customizados em barracas no Saara do Rio de Janeiro.
Problematizando a expressão de Stefan Zweig, o Brasil não é um país do futuro, mas é o país cujas ações mais propositivas são de estímulos às diversas singularidades que eliminam qualquer possibilidade de “universalidade” brasileira, como aponta a Estética do Frio, e que tal futuro está sendo expropriado, invocando como levante um foco radical no aqui e agora. Os transaberes apreendem que pensar no Brasil deve ter a vida pulsante como trampolim, deixando de importar a constituição de uma filosofia, uma ciência e uma mística brasileira “disciplinares”, mas que sua brasileiridade permita gerar um (des)dobrar tamanho em que esses saberes confluam e cocriem novas danças. Abandonamos também uma “metodologia”. A brasileiridade enquanto ninguendade, propõe outra coisa: a pororoca enquanto devir, trampolim, poestéticaos (JOB, 2021b). Poestéticaos no sentido em que ressonâncias de devires cultivem uma intuição cada vez mais profícua, porque precisa, em modular as vibrações. Da confluência das ondas do rio com o mar, surfamos em ondas inauditas rumo ao impensável. O fato de a pororoca ter se extinto na Amazônia, devido às construções de hidrelétricas, mostram com isso um novo episódio da Guerra de Canudos enquanto Cósmica: o poder sempre sabota as singularidades brasileiras. Mas vamos suscitar pororocas fractais, Canudos fractais, derivar o sertão, em todo lugar onde brota um novo ritmo, um novo neologismo rosiano: poestéticaos. Cabe a ressalva que não nos interessa uma arte política enquanto produzida a partir de uma moral política a priori, mas apreendendo que é política uma arte que, a despeito de uma ideologia, suscita novas sensibilidades.
Sendo o pensar original brasileiro em transaberes, como fica a clínica, finalmente? Assim como não temos e não teremos uma filosofia puramente brasileira, não teremos uma psicologia puramente brasileira. Teremos transaberes impuramente brasileiros, cujo poestéticaos pode ser também, clínico. Sendo assim, não basta sentar-se diante de um cliente e trabalhar sua “subjetividade”. Não existe subjetividade brasileira, se é que existe alguma subjetividade (a obra de Tim Ingold nos traz elementos preciosos para essa crítica à subjetividade): existem campos de produção de singularidades enquanto ninguendade. Uma c(l)ínica europeia e uma neuroclínica norte-americana não conseguem dar conta disso, ao menos que infiram na ninguendade um cliente neurótico “ideal”, impedindo a singularidade, receitando seus rivotris, Édipos, entre outras “formas arcaicas” (arquétipos): uma “clínica brasileira” deve passar não por formas, mas através de informações, modulações (SIMONDON, 2020). Nesse sentido, torna-se impossível uma clínica sem uma educação, entendida menos como uma questão de “transmissão de conhecimento” e mais uma questão de modulação da atenção, da percepção (INGOLD, 2018). Modular a atenção ressoa com as sabedorias indianas, ou seja, implicando em criações de meditações brasileiras, ou melhor, abrasileiradas – que confluem “Ocidente” com “Oriente” em um terceiro mundo, este enquanto terceira margem cósmica – como nosso exercício em vórtex nos transaberes (JOB, 2020a). Se a clínica europeia é uma insossa “bruxaria kantiana”, uma clínica brasileira conjura uma espécie de bruxaria deleuziana, ressoando o pai de santo com um dos autores europeus mais desenraizados.
Se citamos muitos autores europeus aqui não é por uma questão de “colonização do pensamento”, mas de, mesclando com autores locais, suscitarmos uma ressonância conceitual na ninguendade. Vimos que o controle do imaginário, exercido pelo poder transnacional, vai impedir uma “revolução brasileira”, que sempre foi impossível. O que a ninguendade pode produzir são levantes fractais ressoantes[ix], cujas produções de novidades conceituais e vitais criam novas faixas vibratórias em que o poder encontre dificuldade de, ou, de preferência, seja impossibilitado de se instalar.
Enquanto levante, entendemos que se difere da revolução, pois esta tem um projeto e uma ideia de tomada de poder, gerando novo autoritarismo com “ideologia” diferente. Nós estamos aqui ressoando com anarquismo ontológico de Hakim Bey – sabendo que nos transaberes vai ser uma ressonância de algo mais amplo, nossa expressão política, a anarquia sagrada – e com a ideia de que o levante prescinde de tomar o poder, é uma emergência de liberdade sem projetos de longo prazo, mas uma ação o mais espontânea possível, cujo objetivo é aumentar as modulações vibracionais, possibilitando uma ética à luz dos transaberes, ou melhor, um poestéticaos. O que mais nos interessa na anarquia clássica é sua proficiência na autogestão e menos suas considerações sobre o sujeito e o Estado.
O levante aqui considerado jamais é “contra” algo, mas afirma uma ação ética que não é motivada por uma moral ou um ego, mas por um senso de ética enquanto ecologia cósmica: cuidar de si é cuidar do cosmos e vice-versa. Um levante pode ser um ato meditativo, uma criação de conceito visceral, que não repita outros autores apenas contextualizando-os em outro território, um novo ritmo, uma gargalhada que ressoa em outras, um ato de amor entre atratores que sirva como trampolim para amor incondicional, não-objetal etc. O levante é o ato micropolítico e relacional, porque ressoante, por excelência. Vimos que o poder e sua expressão ideológica, o nazifascismo, é ubíquo e recentemente tem emergido no Brasil de forma explícita. Combatê-lo pela macropolítica, dado os problemas que apresentamos aqui, como a ubiquidade do nazifascismo e o domínio de espectro total, se mostra um tanto infrutífero, ainda que a legitimidade de alguma ação no âmbito macropolítico ocorra, desde que o maior foco se dê no micropolítico. Caso contrário, a frustração constante que resultará a empreitada vai, como o poder quer, desestabilizar e até deprimir o atrator ativista.
Vivamos no infinito e atemporal aqui e agora, sem ressoar com o nazifascismo ubíquo, sejamos invisíveis ao poder, deixemos que ele nos negligencie: a capacidade de ser negligenciado enquanto levante. Não iremos contra nada, driblaremos, suscitaremos novas alegrias, pororocas. Apreendemos que inexiste “Estado brasileiro”, mas apenas seus “representantes”: um amontoado de senhores tristes, porque autoritários, obcecados por Miami. Não “estamos” no país, somos intensividades locais e não-locais: Vortexa.
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Recebido em 31 de março de 2021. Aceito em 23 de maio de 2021. Publicado em 22 de julho de 2021.
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[i] Em nosso livro Ontologia Onírica (JOB, 2013), fizemos uma breve compatibilização dos principais conceitos de Jung com a filosofia da diferença de Deleuze. Isso envolveria tanto a transmutação da sincronicidade em ressonância, como é citado neste artigo, como também transmutar o insconsciente coletivo em virtual bergsoniano. É uma operação que visa “destranscendentalizar” a Psicologia Analítica. O resultado não foi profícuo. Podemos especular que a filosofia da diferença ganharia em uma relação com a mística, mas no próprio Ontologia Onírica e em nosso artigo “Bruxaria Deleuziana” (JOB, 2020b), já mostramos que a filosofia da diferença possui algumas ressonâncias explícitas com a mística e muitas implícitas, o que nos remete numa relação com uma concepção de mística que, além de se conceber enquanto imanente, é mais potente.
[ii] Claro que existem exemplos notáveis no campo junguiano, como o da Dra. Nise da Silveira (1995), que este autor conheceu, quando coordenador cultural da Casa das Palmeiras. Mas ainda seria justo reconhecer que o autor preferido de Nise era Spinoza, ainda que discordemos ontologicamente de suas comparações entre Spinoza e Jung.
[iii] Conceituamos a autodiferencialidade do vórtex substituindo a autossimilaridade dos fractais (MANDELBROT, 1991). Se a geometria não-euclidiana dos fractais nos inspira, é pela sua produção de diferença que remete a uma ontologia monadológica, ou seja, que expressa uma relação macro-micro (LEIBNIZ, 1983). No entanto, se a limitação geométrica dos fractais os submete a uma “semelhança”, nossa ressonância monadológica é com uma diferença, devires, em relação com outras diferenças, em diferentes níveis de organização.
[iv] Conhecer pessoalmente Morin foi uma oportunidade que este autor pode ter, quando, recém- graduado, se tornou um dos co-fundadores do Instituto de Estudos da Complexidade do Rio de Janeiro. Foi uma maneira de conhecer vários saberes e usar o pensamento complexo – ficando cada fez mais ciente de seus limites – enquanto trampolim para posteriores aventuras conceituais mais precisas.
[v] Viveiros de Castro participou da banca de doutorado deste autor sobre a Ontologia Onírica. Seus cursos foram muito instrutivos acerca do estruturalismo e seu trabalho político em defesa dos indígenas é louvável.
[vi] Temos a alegria em editar a revista Cosmos e Contexto junto a Novello, além de realizar por intermédio dela vários eventos interdisciplinares sediados no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Na revista e nos eventos, cultiva-se uma ciência nova, com estilos brasileiros, ou melhor, uma ciência que se expresse em poestéticaos, como veremos adiante.
[vii] Instagram de Ventura Profana: https://www.instagram.com/venturaprofana/?hl=pt-br.
[viii] É fato que Spinoza (2014) também gostaria de impedir as “imbecillitas” de fazer parte do poder. Mas como o seu Tratado político é inacabado – o que nos daria um alento –, seu pensamento sobre o poder é extremamente libertário e em sua obra maior, a Ética, não há nenhuma menção à diferença qualitativa entre os sexos. De qualquer modo, ao menos durante a escrita de sua obra inacabada, ele demonstrou ser um homem de sua época… Além disso, é importante trazer que, muito antes da imanência spinozista, a África geraria um dos mais belos conceitos unívocos do pensamento, o ubuntu (2021).
[ix] Ao conceituarmos os levantes fractais ressoantes, temos como trampolim uma ressonância que emerge ao longo da Zona Autônoma Temporária, de Hakim Bey (2001), um espaço de liberdade contextual enquanto levante e resistência, e da Zona de Opacidade Ofensiva, do coletivo da revista Tiqqun (2020), que atenta às fronteiras da TAZ, pois sempre o poder estará à espreita, desejando minimizar a liberdade. Assim, nosso levante fractal ressoante possui a capacidade de contagiar, expressando uma autodiferencialidade. Sua micropolítica não é de combate frontal, evitando até mesmo estratégias, cultivando o máximo possível espontaneidades, que, à luz dos transaberes, são éticas, ou melhor, são expressões do poestéticaos. Os levantes fractais ressoantes são uma característica política do nosso conceito de vórtex.