Simpósio 1900 – 11 e 12 de abril
Data do evento: 11 e 12 de abril de 2019
Evento gratuito
Algo singular aconteceu na virada do século 19 para o 20, com tanta intensidade que só agora parecemos ter os elementos necessários para compreendê-lo. Podemos sugerir que tenha ali emergido uma espécie de “pulso” na Europa, que se alastrou e afetou tudo e todos, com alguns platôs mais evidentes. Esse pulso teve como trampolins o Iluminismo e o Renascimento. A eletricidade ganhava o cotidiano, mudando radicalmente o panorama da cidade junto ao rádio, telefone, automóvel, avião e edifícios. O cinema ampliava seu mercado, criando o star system.
Na ciência, a segunda metade do século 19 trouxe a Teoria da Evolução de Darwin-Wallace e as descobertas da natureza da luz e do campo eletromagnético, que, por sua vez, deram fomento, em 1900, ao quantum de Planck. Poincaré permitiu a Relatividade Restrita e, anos depois, com Einstein, a relatividade Geral. No campo da lógica, houve uma grande revolução com Cantor, Russel e outros, culminado em 1931 com o Teorema de Gödel, o qual evidenciou a matemática, outrora linguagem perfeita da Natureza, como incompleta e/ou inconsistente.
Na filosofia, a virada do século viu os últimos momentos de Nietzsche e conheceu a obra de Bergson, que conceituou o virtual – espécie de memória cósmica atemporal que abriga todos os tempos múltiplos. Simultaneamente, Freud sistematizava uma clínica do inconsciente, a psicanálise.
O inconsciente transbordava também na arte. O impressionismo do século 19 convidava à linha livre de Klee, ao abstrato de Kandinsky e ao cubismo de Picasso. Estavam abertas as portas para as vanguardas do século 20. Os monstros se insinuavam para além da escuridão na literatura de Lovecraft, borrava as fronteiras ao longo de leitor, obra e escritor em Kafka. Os irmãos James criavam o conceito de fluxo de consciência, que culminaria na obra de Joyce. Fernando Pessoa(s) inventava a poética dos heteronômios. O poeta fez o mapa astral e ajudou a forjar o suicídio do mago Aleister Crowley, que, ao lado de Austin Osman Spare e Dion Fortune, moldariam o esoterismo do século 20, menos secreto, logo, mais acessível. Esse pulso da virada deixou o mundo nas mais intensas vibrações: o cinema colocou a fotografia em movimento; a mecânica quântica injetou devir e instabilidade na física; as artes, a lógica e a geometria encontravam novas forças de expressão.
Hoje, também observamos instabilidades em vários níveis. Percebemos, então, que todas essas novidades do momento 1900 possuíam uma forte correlação: desestabilizar, para além do Bem e do Mal, o que estava arrogantemente estabelecido como verdade. Podemos igualmente aprender, com o pulso da virada do século, a existência de uma grande ressonância entrelaçando saberes e eventos históricos.
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Resumos
Passagens de século, promessas e desafios
Virgínia Fontes
A passagem do século XIX para o século XX inaugurava uma bipolaridade social inquietante: de um lado, uma enorme crise econômica e social que, ao não ser enfrentada, deslocou-se para um confronto entre potências, que desembocaria na I Primeira Guerra Mundial. A tensão perduraria após o final do conflito, com o crescimento da riqueza e das desigualdades, desembocando na revolução russa de 1917, na crise de 1929 e, finalmente, na emergência do nazi-fascismo e em novo enfrentamento entre potências imperialistas. De outro lado, uma atmosfera de positividade para o futuro, expressa na fortíssima crença na capacidade do desenvolvimento econômico através da ciência e da indústria, que assegurariam o pleno ‘domínio’ da natureza, a generalização do consumo e a redenção da humanidade através do trabalho, que seria aligeirado pelas forças produtivas mecânicas e pelas novas ciências da gestão industrial, traduzidas pelo avanço do taylorismo e do fordismo.
Parcela da ciência naquela virada de século sublinhava as potências prometeicas; outra parcela apontava sobretudo para as inquietações, contradições, incertezas e possibilidades. A psicanálise expressava intimamente essa duplicidade, pois pretendia estabelecer protocolos científicos para o conhecimento do incognoscível. De um lado, trazia à cena o inconsciente, mostrando que ‘não somos senhores de nossa morada’; por outro lado, abria as portas para psicoterapias múltiplas, que procuravam mitigar o sofrimento e permitir pacificar-nos com o desconhecido que nos habita.
O século XIX foi o da instauração das disciplinas científicas, que se especializavam rapidamente, constituindo espaços próprios ciumentamente definidos e preservados (como diria Bourdieu, estabelecendo monopólios da competência legítima sobre os mais diversos campos científicos). A virada para o século XX apontaria para grandes tensões e debates no interior da ciência, explicitando-se (mesmo se de maneira parcial) as grandes fissuras que atravessavam praticamente todas as ciências em suas bases ontológicas e epistemológicas: num extremo, os eficientes positivismo e neo-positivismo, no outro extremo subjetivismos e relativismos diversos.
A historicidade havia demonstrado sua importância no século XIX – especialmente após a Revolução Francesa e seus desdobramentos. A irrupção do povo na história recolocava as questões filosóficas – de Kant a Hegel – como exigências concretas e imediatas.
Pensar a história nesse processo exige abrir algumas disjuntivas:
– os processos históricos múltiplos, que entrelaçam economia, política, vida social, cultura, família, religiões, ciência, educação, em suma, formas de ser sociais;
– a produção dos historiadores
– a história como conhecimento para além dos historiadores.
O século XIX é complexo, e daremos apenas rápidas pinceladas. Na Economia, avançava a expulsão de trabalhadores do campo e a industrialização dos países centrais; a primeira leva de descolonização, americana, seria seguida de novos e intensos processos de controle de continentes inteiros, como a África, a Ásia, o Oriente Médio. O capitalismo avassaladoramente conquistador descobria as lutas dos trabalhadores, com o cartismo na Inglaterra, as revoluções de 1830, 1848 e 1871 na França. As crescentes lutas operárias exigiam incorporação política, civil e social, onde vigorava uma dominação política explícita dos proprietários. Os primórdios mais consistentes do que hoje chamamos de democracia só se iniciariam após a virada para o século XX. A Europa se redesenhava, com o que parecia ser a conclusão da formação dos seus Estados Nacionais, com a unificação da Alemanha e da Itália. A escravidão remanescente mesmo após a Revolução Francesa e a luta haitiana expunha as terríveis marcas de nascença do capitalismo, apoiado no tráfico de seres africanos. A Guerra Civil nos Estados Unidos, enfrentando a escravidão, deixava supor que se constituiria ali uma sociedade plenamente democrática, sem distinções e sem racismos… A ciência e a técnica exibiam um casamento que parecia promissor e eterno, expostas nos monumentos industriais e nas grandes feiras ‘universais’.
A grande maioria dos historiadores, cujo ofício formalmente se constituiu no século XIX, permanecia no terreno definido pelos seus novos empregadores: a história estava aderida à política, à nação, às conquistas do Estado, mostrando seu fascínio pelo poder ostensivo. Ainda estavam em seus primórdios as histórias dos povos, dos anônimos, das grandes massas que crescentemente se amontoavam nas cidades. A política (os atos dos poderes instituídos) e a economia eram relatadas como epopéias. Mas as novas condições sociais eram fascinantes, cheias de possibilidades, mas também inquietantes, insalubres e dramáticas.
As grandes polêmicas entretanto sobre a história ocorriam fora do ambiente erudito e discreto dos historiadores de ofício. Rousseau, Marx, Darwin e Weber por exemplo, introduziriam espinhosas disjuntivas para pensar a História. Todos questionavam a dureza e a imediaticidade positivista, calcada numa concepção enrijecedora da natureza humana. Rousseau invertera os sinais do pensamento liberal, trazendo o bom selvagem, o papel libertador da educação e a denúncia da propriedade. Darwin introduziria a análise das transformações no tempo nos próprios seres de natureza, com enorme riqueza processual. Weber procuraria acoplar a eficiência positivista (a neutralidade axiológica) à explicitação dos valores subjetivos. Marx elaboraria uma refinadíssima análise do processo histórico, superando as disjuntivas positivismo/subjetivismo, abrindo um enorme campo que não mais se limitava ao âmbito teórico e reivindicava a praxis, coletiva, histórica, capaz de alterar um potente sociometabolismo, mas que devastava seres sociais e a natureza. Sua análise do Capital assenta-se sobre uma ontologia do ser social, que descortinava novas possibilidades para pensar o próprio conhecimento[1]
De maneira simplista e simplória, poderíamos dizer, em pleno século XXI, que o positivismo venceu ao longo do século XX. Venceu ao absorver seus críticos, ao estabelecer que as polêmicas seriam travados em seu interior, ao oferecer seu préstimo de ciência… neutra. O formato weberiano foi de poderoso auxílio, ao procurar obturar as fissuras costurando concessões a uns e a outros.
As lutas no interior das ciências se prolongaram, resultando em novas especialidades. Limitando-me às áreas que conheço melhor, vivenciamos a psicanálise contra a psicologia e a medicina; a linguística estrutural enfrentando as gramáticas normativas; uma história social contra a história factual, etc. O próprio marxismo – tanto na teoria quanto em suas práticas – experimentaria inflexões positivistas, das quais ainda luta para se desvencilhar.
Por mais difíceis e complexas que fossem, essas tensões e embates não se limitavam aos modos de abordar e analisar objetos diversos, mas diziam respeito à própria vida social, à concepção de verdade, ao papel que a vida social (com suas contradições) outorga à ciência e ao papel que as ciências se arvoram na vida social. Precisavam ir além dos circuitos especializados, pois, em suma, diziam respeito à maneira pela qual as sociedades estão estabelecidas. Permaneceram entretanto como lutas meramente epistemológicas, reduzindo a ciência a disciplinas ‘eficazes’. Descartando as grandes interrogações sociais, concentrando-se em terrenos circunscritos, elas tornavam-se ‘monopólios legítimos’, mas estariam desarmadas, capturadas para um terreno ‘neutro’ no qual ‘autoridades’ científicas (ou financiadoras) permitiam querelas, contanto que não extrapolassem os ambientes preservados de uma turbulenta, mas morna, ‘república de sábios’.
O final do século XX escancarou a devastação que daí resultaria. O triunfo do pós-moderno, o fim da verdade gerando a era da pós-verdade, a ausência de historicidade maquiada de ‘tudo é história’, o uso desabusado do experimentos com total descaso pela vida social (como agrotóxicos e transgênicos, por exemplo), etc. Houve uma exacerbação tanto da idolatria à ciência – como se qualquer produto saído de laboratório e assim vendido se tornasse científico o que significaria, magicamente salvador – quanto da descrença nas querelas científicas e mesmo na própria efetividade da ciência. Os remédios passavam a matar… As questões ambientais, a saúde que direciona pesquisas despreza as doenças de clientela barata, a educação cindida e empresariada, o avanço do controle sobre a vida social (‘big brother’ potencializado nas câmaras, no celular, no cartão de crédito, no DNA, nas guerras), recolocam a urgência de enfrentarmos o desafio.
Nenhuma ciência é apenas o conhecimento de algo externo ao pesquisador. Nenhuma ciência ocorre numa ‘república de sábios’. Ela precisa ser sempre e também a compreensão das relações sociais nas quais atua o conhecimento, dos processos históricos que as instaura como ciência na vida social, das condições de sua elaboração, sua transmissão e socialização. Nenhuma ciência existe sem sujeitos; e se grande parcela for assujeitada, que ciência produzirá? Para que e para quem? Se, ao contrário, parcela passa a integrar os círculos dominantes, que conhecimentos tenderá a induzir, a elaborar e a capitanear?
Se as crises econômicas geradas pelo capitalismo e as guerras que ameaçaram e se abateram sobre as populações no início do século XX continuam a nos atormentar no século XXI, a promessa da ciência titanesca parece se esboroar, e em parte se converte em novas ameaças.
O desafio é enorme.
A história do fóton e o advento da Mecânica Quântica
José Helayël-Neto
A história do fóton no Século XX inicia-se com os estudos de Max Planck sobre a radiação do chamado corpo negro em 1901. Em 1902, os experimentos de Philipp Lenard culminam com o descobrimento do Efeito Fotoelétrico. Na tentativa de compreender teoricamente este efeito, Albert Einstein, em 1905, publica um clássico artigo onde introduz o conceito dos quanta de luz, que mais tarde, com os experimentos de Arthur Compton, em 1923, viriam a ser entendidos como genuínas novas partículas, denominadas fótons, pelo próprio Compton e por Gilbert Lewis.
Os dois trabalhos do Modelo Atômico Niels Bohr em 1913, a proposta de Louis de Broglie da dualidade onda – partícula em 1924 e a concepção de uma nova grandeza chamada spin do elétron, por George Uhlenbeck e Samuel Goudsmit em 1925, tensionam maximamente a comunidade da Física e, com os trabalhos de Werner Heisenberg, Paul Dirac, Erwin Schrödinger e Wolfgang Pauli, entre 1926 e 1927, surge a Mecânica Quântica.
A proposta deste seminário, dirigido sobretudo a uma plateia de não-físicos, é contextualizar os eventos acima na transfiguração cultural do primeiro quarto do Século XX e colocar em destaque como a relação entre fatos e interpretações se cristaliza na comunidade da Física Teórica, culminando com a formulação da teoria quântica e abrindo as portas para uma nova e frutífera relação entre a Filosofia, a Matemática e a Física.
A lógica na virada do século XIX para o XX
Gregorio Chaitin
A maioria das pessoas sabe que a física clássica newtoniana se torno incapaz de explicar fatos experimentais no início do século 20, levando a duas revoluções: a teoria da relatividade e a mecânica quântica. Poucas pessoas estão cientes do fato de que, ao mesmo tempo, a idéia da verdade matemática absoluta e lógica também caiu, levando a Gödel e Turing e, em uma reviravolta do destino, à idéia do computador, respectivamente a matemática mais revolucionária e a mais revolucionária tecnologia do século XX.
A antropologia na virada para o século XX
Octavio Bonet
A virada do século XIX para XX foi crucial para a antropologia enquanto disciplina científica. Em um espaço temporal de 30 anos a antropologia redefiniu seu objeto e método de pesquisa, delineando uma configuração disciplinar que vigorou por quase todo o século XX.
O objetivo desta apresentação é definir o processo de transformação – e suas consequências – que permitiu construir uma identidade disciplinar que se manteve ao longo do século XX. Pode-se considerar que essa identidade, apesar das diferenças de escolas e individuais, se embasou em duas transformações: 1 – passagem da ciência do homem para a ciência da cultura; 2 – e invenção da ideia de etnografia e de trabalho de campo como metodologia da antropologia.
A Emergência do vortex 1900
Nelson Job
Na virada do século XIX para o XX, os saberes reviravam: o panorama das cidades mudava intensivamente, as vanguardas nas artes proliferavam, a física moderna destronava o domínio da física newtoniana, o cinema aparecia como nova forma de expressão, a filosofia intempestiva de Nietzsche passava o bastão para as imagens do pensamento em movimento de Bergson, os bruxos saem de suas ordens secretas, ganhando o mundo e a lógica, por mais de um milênio adormecida, ganhou novíssimas propostas. A música se tornava atonal servindo de trilha para esses movimentos, cuja ressonância que atravessa todos eles pode ser melhor apreendida hoje. Um vortex emerge auto-organizando essas linhas de vibração únicas. O que esse vortex expressa e como apreendê-lo para ajudar a lidar com nosso mundo hoje? Essa é nossa proposta para o Simpósio 1900.
A desconstrução do absoluto na física
Mario Novello
No final do século XIX ocorreu uma série de transgressões na física que produziram a um só tempo o alargamento incomensurável do Cosmos, a relatividade dos modos de observação e a substancialização do espaço-tempo.
A impossibilidade de existirem movimentos com velocidades maiores do que a da luz foi posta em evidência por Poincaré, Lorentz, Fitzgerald e outros. Isso permitiu a síntese de uma nova descrição do espaço e do tempo, realizada em 1905, pela teoria da Relatividade Especial de Einstein.
Essa teoria inviabilizou a física newtoniana da gravitação a qual não se adaptava. Foi necessário, portanto, uma nova teoria para descrever os processos gravitacionais, possibilitada pelo surgimento da teoria da Relatividade Geral.
Nessa teoria o espaço-tempo imaterial se transfigura em uma forma maleável relacionando a geometria do mundo à matéria e energia existente, consubstanciando a imagem de que a estrutura métrica do espaço-tempo não é um absoluto a priori, mas sim uma variável dinâmica.
Surge então um novo modo de entender a grandiosidade do Cosmos. Num primeiro momento, timidamente, no cenário cosmológico estático proposto por Albert Einstein e, mais adiante, de modo mais realista, no modelo dinâmico concebido por Alexandre Friedmann. Foi aberto, assim, o caminho para uma tentativa audaciosa capaz de permitir à razão científica elaborar uma história global do universo.
O Longo Século XIX e o Pensamento Social na Batalha das Ideias
Carlos Eduardo Martins
A virada para os 1900 esteve marcada pelo apogeu da belle epóque e do longo século XIX, que iniciado, em 1815, com o Congresso de Viena e o estabelecimento do Concerto Europeu sob liderança britânica, colapsa durante o período do caos sistêmico que se impôs entre 1914-45. O longo século XIX se distingue pela afirmação da hegemonia político e ideológica liberal que substitui o catolicismo romano pelas ciências sociais como fundamento simbólico das relações de poder. Refundam-se as universidades como espaço relativamente autônomo e laico de produção de saber. Separam-se as ciências da filosofia e da teologia, situando-as como campo de investigação sistemático em busca de leis objetivas da realidade social, através da observação empírica e sua sistematização em abstrações. Por outro lado, fragmenta-se a unidade das humanidades dividindo-as em disciplinas nomotéticas e teorizantes (economia, sociologia e ciência política) ou particularistas (história e antropologia). Pretende-se apresentar as ciências como neutras ou vinculadas a valores universalistas. Disputam a hegemonia o positivismo, que busca aproximar as ciências humanas das biológicas, e o historicismo, que inclui na noção de ordem a subjetividade e o conflito, estabelecendo-se ainda aproximações entre ambos. Tal protagonismo afeta outros campos de saber como o marxismo. O evolucionismo permanece como uma dimensão importante do projeto liberal vitoriano associado ao imperialismo e ao neocolonialismo.
Buscaremos apontar as principais expressões desta transformação na sociologia, na ciência política e no marxismo europeus, bem como no pensamento latino-americano. Destacaremos a obra de Emile Durkheim, sua busca da consolidação da solidariedade mecânica pelo combate à anomia em sociedades industriais; a obra de Max Weber, sua reivindicação da neutralidade axiológica, da ética de responsabilidade e da jaula de ferro da burocracia como destino da modernidade e antídoto à ditadura do proletariado; as obras de Wilfredo Pareto, Gaetano Mosca e Robert Michels que lançam as bases do elitismo político; os debates na II Internacional e no marxismo europeu sobre o imperialismo e sobre a revolução, que opõem as obras de Edward Bernstein, Karl Kaustky, Rosa Luxemburgo e Lenin; e finalmente o debate latino-americano que confronta os pensamentos de Domingo Sarmiento e de José Marti em torno à soberania, à relação com as potências centrais e os Estados Unidos, e à formação da identidade nacional.
Mudanças nas Artes e sensibilidade na virada para o século XX
Paloma Carvalho
Propomos uma investigação do contexto, tanto do viés sensível quanto objetivo para entendermos melhor como foram possíveis tantas mudanças num espaço de tempo tão curto e em tantos campos. Questionaremos as consequências de fatos como Revolução Industrial, a revolução burguesa e o Imperialismo sobre o corpo e as sensações. Como os deslocamentos – da vida rural para a urbana e no aumento do número de viajantes – e a experiência com a operação de máquinas (carros, fotografia, cinema) influenciam mudanças radicais na capacidade de observação e na dinâmica temporal da percepção do mundo. Além disso, a vivência da modernidade em 1900 permite que artistas amplifiquem discussões sobre teorias estéticas que tiveram início no século XIX em manifestos publicados em revistas e jornais. O espírito de ruptura surge em produções artísticas diversas, como a música atonal, o Cubismo e a pintura abstrata: as chamadas vanguardas.
Narrativas do Páthos no limiar do século XIX: exorcizar o demoníaco para psicologizar o indivíduo
Luis Granato
Neste trabalho consideramos a emergência da psicanálise e de outros saberes psiquiátricos no início do século XX como culminância e síntese do processo de construção de uma cartografia da realidade psíquica. A partir da laicização do Estado e da crescente demanda de um saber científico que pudesse explicar o desvario, a irracionalidade, o gesto impensado, a sexualidade desviante, o ato cruel, a psiquiatria fornece os conceitos que poderão explicar todos estes infortúnios sem precisar recorrer a noções mágico-religiosas. Elabora-se então uma nova racionalidade da atribuição de causalidade a partir de constructos remetidos a um certo padrão de funcionamento da interioridade, como “a personalidade”, por exemplo. A proliferação de descrições do patológico entre 1850-1914, possibilitou a construção de toda uma nova imagética do Páthos que, em alguma medida, medicalizou o desvario e suas contiguidades. Haveria uma relação inversa e proporcional entre desencantamento do mundo e a inflação do psíquico como valor social? A proliferação de novas categorias psiquiátricas teria um papel importante para este processo? Em termos de valor, a dimensão psicológica substitui a dimensão mágico-religiosa como fonte fornecedora das causas razoáveis? É o que investigamos, buscando rastrear os contrabandos, as sobrevivências e as purificações localizáveis no processo de criação e encantamento da chamada realidade psíquica.
Cinema 1900/2000: da Caverna de Platão à Matrix
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O ano de 1895 foi um marco no espírito do tempo de virada de século. As trinta e poucas pessoas que assistiram à “Arrivé d’un train gare à La Ciotat” (“A Chegada de um Trem a Ciotat”) estavam diante de uma experiência perceptiva e sensorial absolutamente nova. Sem noção do que estava ocorrendo, muitas correram para o fundo da sala com medo de serem atropeladas. O dispositivo cinematográfico mudou não só da sensibilidade humana, mas a própria definição intelectual das categorias de realidade, tempo, mudança e permanência.
Antes do cinema já haviam sido inventados alguns aparelhos de gravação como a fotografia (1820) ou o fonógrafo (1865), mas em nenhum deles era registrado o movimento de máquinas e seres humanos.
Em pouco tempo, esse experimento de final do século XIX dos irmãos Lumière causou profundo impacto. Primeiro em jornalistas, escritores e cronistas da época. Para depois impactar a filosofia, com Henri Bergson (a mente que opera como uma película cinematográfica), Edmund Husserl (a percepção da “realidade evidente” sem o conceito) ou Alfred Whitehead (o “universo que fotografa”).
O físico alemão Robert Jungk disse que a maior crise da virada do século foi a da percepção.
Ao mesmo tempo, muitos pesquisadores acreditam que o dispositivo cinematográfico descende diretamente do Mito da Caverna de Platão: partilharia da construção da irrealidade do mundo. Mas também o dispositivo fílmico poderia ser uma porta da saída dessa caverna com o seu potencial estético antirrealista, como demonstrou Meliés, contrapondo-se ao realismo dos irmãos Lumière.
Se o cinema foi capaz de impactar a filosofia e a cultura na virada de século, por outro lado o destino do cinema no século XX foi transformar-se em indústria, assumindo o realismo cinematográfico hollywoodiano e integrando-se à “caverna” da qual pretendia escapar.
Cem anos depois, o mesmo drive “espiritual” de final do século XIX (Teosofia, Espiritismo etc.) simultâneo a descoberta do eletromagnetismo e a transformação da eletricidade em informação com o telégrafo, também explode na virada do ano 2000 com o gnosticismo pop no cinema – cosmogonias e teogonias gnósticas do início da era cristã como matéria-prima de produtores e roteiristas no cinema.
Se o cinema impactou a filosofia e a cultura no século passado, o filme gnóstico tem o potencial de finalmente tirar o cinema da caverna de Platão. Caverna que no século XXI foi transformada numa Matrix com a tecnologia computacional.
A invenção do inconsciente, a emoção do aberto e a experiência do Fora . As criações do pensamento na aurora do século XX
Auterives Maciel Jr.
A subversão literária de Kafka, o inconsciente de Freud, a emoção do aberto de Bergson e a experiência inaugural do Fora em Nietzsche ; são invenções de pensamentos que estabelecem a diferença do século XX no esplendor da sua aurora. Assim, em 1900, vimos entrar em convergência acontecimentos díspares que foram configurando uma nova maneira de pensar o homem no mundo por intermédio de avaliações clínicas , filosóficas e literárias. Nessa intervenção , construiremos as condições experimentais de tais invenções , para compreendermos, com precisão , as aventuras transgressoras dos pensamentos que fizeram a novidade do século .
[1] Vale ver o belo texto de Mario Duayer – J. L. Borges, Filosofia da Ciência e Crítica Ontológica: verdade e transformação. Margem Esquerda n. 24, 2015, pp. 87-110 .
Programação
11 de abril (quinta-feira)
09:30 – Virginia Fontes (história)
10:30 – José Helayël (mecânica quântica)
11:30 – Gregory Chaitin (lógica)
14:00 – Octavio Bonet (antropologia)
15:00 – Nelson Job (transaberes)
16:00 – Mario Novello (teoria da relatividade)
12 de abril (sexta-feira)
09:00 – Carlos Eduardo (sociologia)
10:00 – Paloma Carvalho (artes plásticas)
11:00 – Luis Granato (psicologia)
14:00 – Wilson Ferreira (cinema)
15:00 – Auterives Maciel (filosofia)