Ciclo 21: a construção do tempo
ARTIGO /
Graça Salgado* //
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Entre 1997 e 2000, o Planetário da Cidade do Rio de Janeiro tornou-se uma referência cultural para a troca de ideias, como uma espécie de ‘universidade aberta’ e de centro irradiador de conhecimento sobre a realidade, com os seminários temáticos que fizeram parte do Ciclo 21. Foram quatro anos consecutivos, em que cerca de 20 mil pessoas participaram das inúmeras conferências e debates com o que havia de mais avançado e progressista no pensamento e na criação nacional daquele momento.
A partir de um grande eixo temático anual e de vários subtemas discutidos de forma multidisciplinar em encontros mensais, o ciclo mobilizou a cena cultural carioca em torno de importantes questões ligadas a um grande balanço do século XX, que chegava ao fim e ao mesmo tempo sinalizava para as inevitáveis dúvidas e inquietações que o século XXI anunciava. Desse diálogo vivo entre as diversas áreas do conhecimento humano resultou um inspirado acervo de ideias, diagnósticos, projetos e propostas de intelectuais, cientistas, artistas e pensadores que participaram do ciclo de seminários. Verdadeiro inventário sobre o ‘estado das artes’ naquele contexto histórico, o material permaneceu confinado em meus arquivos por mais de uma década, até que o editor da Revista Cosmos e Contexto teve a inspiração de trazê-lo a público.
Embora datados, grande parte dos temas tratados por essas conferências são universais, não pertencem a uma cultura do imediato e do descartável, permanecendo, por isso mesmo, atuais em seus diagnósticos sobre a contemporaneidade. É bem verdade que o pensamento é bicho que anda porque, se não evoluir, acaba morrendo por estagnação e falta de ar. É por isso mesmo que a leitura do material sobre o Ciclo 21, que tem sido publicado mensalmente na Cosmos e Contexto, deverá levar em conta o aspecto do tempo no qual foi concebido e realizado.
Não só os temas, mas também os diagnósticos continuam pertinentes aos dias de hoje, quando nos vemos ainda reféns de sérios problemas éticos, da busca por respostas à crise ecológica, à interminável crise financeira mundial, à dependência das parafernálias tecnológicas, das incertezas frente às opções que fizemos nas áreas da genética, da biotecnologia e do desenvolvimento dos povos e nações.
No final dos anos 1990, tanto quanto nos dias atuais, a extraordinária quantidade de informações geradas e as incertezas frente a um presente imprevisível, muitas vezes incompreensível – paradoxalmente, apesar da imensa quantidade de informações – e inexplicável, produziram certo desnorteamento nas pessoas e a forte necessidade da busca por um sentido para o cotidiano e para a vida em geral. Esse é um aspecto que possivelmente tenha atraído, durante quatro anos consecutivos, um público heterogêneo, mas fiel, para as noites de segunda-feira no Planetário.
O primeiro tema do Ciclo 21 a ser publicado, “A construção do tempo”, é composto por uma série de seis conferências que abordam questões ligadas à percepção do tempo para o campo da ciência dita exata, da filosofia, da história, da arte, da psicanálise, da religião e das novas tecnologias. Bem no espírito da Cosmos e Contexto, que tem como um de seus pontos de inflexão o propósito de romper com esse aparente e absurdo abismo entre os construtores do saber científico e o fazer artístico.
Diz um ditado popular que “o tempo tem tanto tempo quanto tempo ele tem”. Por sua vez, dizem os físicos e os cosmólogos que já houve um tempo em que provavelmente nem o tempo existia, ou seja, que “os parâmetros eram outros e o tempo inexistente”. Além da sensação real da inexorabilidade do tempo e da finitude do homem, em que medida o que a ciência contemporânea pensa a respeito do tempo e sua relação com o espaço é pertinente para a representação que dele se faz no campo das ciências sociais e humanas? Tal é o ponto de partida, e possivelmente de chegada, da publicação da primeira série de conferências sobre a construção do tempo, que neste número abordará o tema As redes do tempo: tecnologia e multitemporalidade, numa perspectiva que relaciona filosofia, ciência e religião a elementos da cultura contemporânea, construindo uma abordagem teórica que distingue as três noções de tempo consagradas historicamente: o tempo cíclico, o tempo linear e o tempo múltiplo, esse último possibilitado pelas novas tecnologias de ponta.
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*Graça Salgado é professora do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e foi presidente da Fundação Planetário do Rio de Janeiro entre 1995 e 2000. Responsável, junto com uma pequena equipe de colaboradores, pela concepção e coordenação do Ciclo 21, seminários interdisciplinares relacionados à crise da sociedade contemporânea – Fim do milênio: um balanço do século XX (1997), Ciclo 21: por uma utopia realista (1998), Século 21: por uma era de delicadeza (1999) e Ciclo 21: a construção do tempo (2000).